sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Útil. Inútil.

Útil. Inútil.
Feio. Bonito.
Novo. Velho.
Feliz. Infeliz.
O que é um positivo sem o seu negativo e vice versa ou versa e vice?
Fim. Começo.
Escrever em todos os dias úteis. Por que?
Se não são inúteis os dias que passo sem escrever.
A matéria que contempla as letras, as letras que contemplam a matéria.
A história que vai sendo escrita nos segundos em que se vive.
Rir e chorar.
Dizer adeus e depois voltar.
Nada é bom sem ter uma pitada de mau e ninguém é do bem sem ter feito alguma vez um pequeno mal.
O que seria das férias sem dias duros de trabalho e o que seria disso tudo sem a perspectiva de erguer as pernas pra cima e em nada pensar?
Dia útil, 18 de dezembro. Post de final de semana, final de ano e começo de vida sempre.
Aniversário da minha amiga querida Margot! Uma flor que sempre enfeita a minha vida mesmo quando ficamos tempos sem nos encontrar para um café!
Dia de não questionar. Faz não faz. Liga não liga.
Vou não vou.
Começou o Natal. Alguém se lembra que é simplesmente o aniversário de um cara que se superou?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Coisas de Pai

Uma biografia não é feita só de histórias do bem. Nem só de histórias do mal.
Algumas são meio vexatórias, como diriam alguns. Mas, não posso faltar com a verdade.
Quando eu estava no primeiro ou segundo ano do colégio, já não me lembro mais, estudava à tarde, mas acordava bem cedo porque gostava de tomar café com o meu pai, que viajava muito e nem sempre estava em casa.
Ele ouvia no rádio um programa de músicas sertanejas. E até conhecia o locutor, o apresentador do programa.
Em uma cidade do tamanho de Tupã isso é fácil, mesmo na época em que não se conhecia a teoria de que podemos chegar a qualquer pessoa em seis passos.
Certa vez, nesse programa, houve um concurso cultural, desses que se vê até hoje. Você responde alguma pergunta através de carta e se sua carta for sorteada você retira um brinde.
Bom, o brinde da vez era um estojo escolar completo. Com lápis de cor, lápis, régua, borracha e eu fiquei enlouquecida para ganhar.
Escrevi a resposta em várias cartas e dizia meu pai que deixava lá na urna da rádio.
E ele sempre me dizia que era difícil ganhar, que eram muitas cartas, que o prêmio não era nada assim tão raro, que ele mesmo poderia comprar para mim um estojo novo, com todas aquelas coisas e que eu podia escolher a cor, o tipo de régua, a cor do apontador, etc e tal.
Qual nada, nada me convencia, eu estava muito empenhada e seguia escrevendo as cartas e ouvindo o sorteio e me angustiando com o fato de que dia após dia não ouvia o meu nome.
Para desespero do meu pai.
Na última semana do concurso, praticamente no último dia, estávamos tomando café e diferentemente dos outros dias em que meu pai sugeria que ouvíssemos notícias ou deixássemos o rádio desligado ele mesmo fez questão de deixar ligado no tal programa com o volume até mais alto do que o normal, para que de repente eu ouvisse:
- e o lindo estojo completo de hoje vai para... Lusia Nicolino! É, ela é a sortuda de hoje! É só passar aqui na rádio para retirar o seu lindo brinde que vai ser muito útil e blá blá blá.
Eu não me cabia de contentamento e no final da tarde fui com um dos meus irmãos até a rádio buscar o meu tão desejado brinde.
Lembro dele até hoje, um estojo de madeira, cheio de preciosidades, tão organizado, tudo tão novo!
Tempos mais tarde soube que meu pai falou com o locutor, contou da minha ansiedade e se propôs a comprar um estojo, com todas as coisas, para que me fosse entregue como se fosse o brinde da rádio. Ele recusou a proposta em termos, disse que não era preciso comprar um estojo, que ele “sortearia” o meu nome e assim foi.
As coisas que o meu pai fez por mim... deve ter sido muito difícil pra ele fazer esse pedido. Era tão rígido em seus preceitos, desde cinco e meia é cinco e meia e não cinco e trinta e cinco até uma moeda que era preciso voltar de troco.
Te echo de menos papa!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os vira latas

Ouço no rádio a indignação de um rapaz que assistiu a um atropelamento de cão. Levou-o para uma clínica veterinária mas não foi atendido, mesmo muito machucado, porque era uma clínica particular. Recebeu orientação para encaminhamento a uma ONG ou a um pronto socorro veterinário da prefeitura.
Fiquei com vontade de chorar. Eu choro com histórias assim.
Lembro-me de uma vez em que fomos, Beto e eu, comer uma pizza em um domingo à noite no apartamento novo de um casal amigo recém casados.
Eu estava no início da minha primeira gravidez.
Em São Caetano do Sul, não sabíamos bem o caminho, demoramos um pouco pra chegar.
Ao descer do carro vi uma gatinha na sarjeta, deitada, quieta e eu disse:
- olha, ela está prenha! acho que vai ter os gatinhos!
E o Beto consternado:
- não Lu, ela está muito ferida, deve ter sido atropelada, por isso a barriga está assim, tão grande
Não pude subir, não pude comer. Interfonei e disse que precisava do endereço de uma clínica veterinária. Eles sabiam chegar a uma mas não explicar o caminho.
Desceram, pegaram o carro e o seguimos. Ajeitei a gatinha da melhor maneira que pude na carroceria da pick-up com um pedaço de cobertor velho (outra história de socorro a feridos) em uma caixa improvisada.
A tal clínica estava fechada.
Desculpei-me com nossos amigos e disse que precisava tentar fazer alguma coisa. Conhecia uma clínica 24 horas no Ibirapuera e zarpamos pra lá.
Chegou agonizando. Não dava pra fazer mais nada e ela morreu.
Os veterinários de plantão não cobraram pelo atendimento, mas paguei uma taxa para incineração.
Não sei quanto tempo ela ficou agonizando e se teria dado tempo de salvar se tudo tivesse feito imediatamente após o atropelamento, mas pelo menos, ela não morreu sozinha e pode ver em nossos olhos que estávamos ali e que ela era importante para nós.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Bobagens

Ai, você tá me apertando.
Ah é? Pensei que tava fazendo um carinho.
Puxa, eu nem sabia que você pensava.
O que é? Acordou com a bunda descoberta?
Acordei! E você nem aproveitou!
Credo, quando você quer baixar o nível sai de baixo.
Nossa, mas só porque eu falei que tava me apertando?
Que coisa mais besta!
Besta é você! Se faço um carinho reclama, se não faço reclama também!
É, mas tem que saber a hora certa!
Ah bom, isso é verdade, isso eu não sei e acho que nem vou aprender, você tá sempre com essa cara azeda.
O que que foi hein? Tá querendo brigar comigo?
Eu? Brigar? Mas eu não fiz nada. Você começou toda essa confusão.
Confusão? Que confusão? Você é muito indelicado, não percebe nada que tá acontecendo ao seu redor.
Quer saber? Vou dar uma volta de bicicleta, você termina de ler a sua revista e depois a gente sai pra almoçar.
Tá bom. Vai levar o celular?
Não, tá carregando e não precisa, eu não vou demorar.
Mas e se começar a demorar?
Lê outra revista!
Tchau!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O tamanho dos sonhos

Morava em uma cidade pequena, sem crimes, sem histórico de roubos e invasões domiciliares e por isso mesmo acordou assustado com um barulho na cozinha.
Levantou para se certificar de que um gato não ficara preso ou uma coruja talvez e, caso fosse um ladrão, não teria com o que se defender. Nem um bastão de beisebol como nos filmes americanos.
Mas foi. Em seu pijama improvisado, calção e camiseta de propaganda política.
Pé ante pé assomou à porta da cozinha e viu uma figura estranha tomando água direto na torneira da pia.
Não parecia ameaçador e apenas pigarreou para ser percebido.
A figura terminou de beber água, virou-se e sorriu.

- ah, olá, eu sou um gênio e estava buscando um camarada gente boa porque é a última vez que poderei conceder um pedido, um só, e depois serei recolhido ao mundo dos gênios que vai acabar essa história por aqui, portanto, vamos lá, capricha...

Pensou um pouco e disse:
- quero passear pela cidade e descobrir os sonhos das pessoas... o que cada uma delas mais deseja, nem preciso sair daqui, quero sentar, fechar os olhos e descobrir
- só isso?
- só, e nem precisa ser de todo mundo não, senão vou é ficar cansado
- tá bom, sente-se confortavelmente e feche os olhos, quando abrir eu não estarei mais aqui, divirta-se e obrigado pela água
Sentou-se no sofá. Apoiou a cabeça em uma almofada e os pés na mesinha de centro. Pareceria dormindo se fosse surpreendido por alguém.
...
- quero reformar a casa, por a porta do banheiro pra dentro, quando chove ou faz frio é um tormento!
- queria tanto que o João passasse no concurso público, teria emprego garantido, aposentadoria
- ai, bem que a Fabiana podia namorar o Carlos, filho do dono da farmácia, casava bem e o moço vive falando de mudar pra São Paulo
- se eu aprendesse a fazer crochet ia fazer uns tapetes lindos de barbante e mostrar pra Marinete que ela não é a única que sabe fazer coisas
- se sobrar um troco do décimo terceiro quero comprar a blusa vermelha! combina demais com a sandália preta
- não queria mais esse neném...
- queria ir na praia grande, todo mundo do colégio já foi
- se eu tivesse um carro podia chamar a Denise pra ir no baile comigo mas "de a pé"!

E foi navegando pelos desejos alheios. Sonhos tão pequenos. Desejos tão possíveis. Quase compreendeu porque o gênio fora recolhido para sempre em seu mundo e quando acordou considerou apenas que tivera um sonho esquisito.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Balanço

O balanço, um contra-peso em minha vida. Balanço de corda e uma madeirinha qualquer como banco. Pedaço de corda amarrada em um galho de árvore. Árvore de quintal. Árvore forte de braços e galhos abertos. O ir e vir do meu corpo leve de criança equilibrando lado direito e esquerdo de um cérebro incansável. Descansar é balançar. Via o movimento do ar. As folhas rindo com minha alegria. Pedaço de céu azul indo e vindo. Nuvens passeando sem rumo. Tardes quentes da minha infância. Pés dando impulso. Mãos seguras, garantindo o sossego do pensar. Sentada, perigosamente em pé, sem as mãos, em um vai e vem sem sair do lugar. Hoje há avisos me alertando para peso e idade, limites a respeitar. Não tenho no quintal nenhuma árvore pronta para receber um balanço. Vejo minhas pequenas voando de lá pra cá. Rindo, experimentando saltos, fazendo estrepulias. É uma alegria profunda, um resgate da alegria da minha infância. Um resgate porque ontem fez 21 anos que balancei sozinha pela última vez, em uma tarde quente, em um sítio, perto de uma lagoa que, sem cerimonia, afogou meu amigo querido. Fiquei balançando devagar, sem pensar em nada, cantando:

...Se eu cantar, não chore não É só poesia Eu só preciso ter você Por mais um dia Ainda gosto de dançar Bom dia Como vai você?
...
Se eu morrer não chore não É só a lua É meu vestido cor de maravilha nua Ainda moro nesta mesma rua Como vai você? Você vem? Ou será que é tarde demais?
Nunca uma música disse tudo o que eu precisava dizer balançando sozinha enquanto alguns me procuravam para me fazer comer, dormir, viver.
Hoje precisei procurar a letra, mas naquela tarde de dezembro eu sabia cada palavra.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Minha boneca de casaco

Nunca fui uma menina de bonecas. Mas tive bonecas e bonecos.
Lembro-me especialmente de uma delas, apesar de não me lembrar do seu nome.
Deve ter tido um, mas não me lembro.
Lembro-me do cheiro de novo ao sair da caixa.
De seus lindos olhos azuis que abriam e fechavam e me olhavam tão profundamente.
Devia ter medo de mim. Medo de que eu cortasse o seu cabelo comprido. Os cabelos eram castanhos, lisos, com a franja mais linda que já vi.
Não era uma boneca de ninar. Era uma criança saudável, não era uma boneca bebê.
Tinha um vestido rosa de listras brancas, sem mangas, com uma cola redonda, recortada na frente.
Um barrado branco e uma margarida delicadamente aplicada, em feltro.
Era a minha boneca. Guardei tantas coisas inúteis, onde será que ela foi parar?
Vive tão perfeitamente em minha memória que posso sentir seu cheiro e tenho a impressão de que pode se materializar se eu fechar os olhos.
Sempre tive frio. Sempre tenho frio. E quando criança queria cobrir tudo e recolher pedras e latas velhas e protegê-las do frio e da chuva.
A minha boneca, em seu vestido tão elegante, não podia simplesmente ser enrolada em um pano ou em uma meia qualquer.
Foi então que a mágica se deu.
A minha irmã Lucia costurou para ela um casaco!
Costurou, na máquina de costura da minha mãe! Um casaco de flanela azul. Da altura do vestido para não comprometer a elegância dos sapatinhos pretos e das meias 3/4 branca.
Com retalhos brancos fez um punho, bolsos e uma gola.
Até hoje me impressiono com a habilidade para costurar peça tão pequena, tão caprichada, tão bonita, tão cheia de detalhes!
Ela era uma mocinha cheia de coisas mais interessantes para fazer, mas dedicou uma tarde de um sábado ou um domingo talvez, me fazendo um presente que a faz presente em minha vida em todos os momentos, mesmo naqueles em que não estou pensando nela.
Teceu mais do que um casaco de boneca, teceu um elo de amor que me protege daquele frio que às vezes invade a alma.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Quando viu o mar

Quando chegou ao mar pela primeira vez era noite e não pode vê-lo.
Apenas ouvir. Um som que penetrava nos ossos que se arrepiavam de frio.
Um frio de maré. Um frio de vento que quer refrescar o calor do dia quente.
Um cheiro de sal que não se sabia sal.
Um ruído de folhas balançando de uma árvore escondendo seus frutos no escuro da noite.
Não era obrigação da lua iluminar as praias e o mar?
Não, a lua faz o que bem entende, não tem obrigação nenhuma.
O grosso da areia massageando os pés.
E aquele barulho cada vez mais íntimo de seus pensamentos.
Aquele barulho de mar que convida. De mar que duvida. De mar que envolve a água que mora em você.
É alegre sempre?
Não, que alegria sempre é desespero.
Cheira a sal sempre?
Não, que a chuva gosta de tingir as cores e confundir os cheiros.
Quando viu o mar pela primeira vez todos os sons da noite tinham sido engolidos por uma horda de gente em busca do sol com suas cadeiras e seus apetrechos, com seus mal jeitos e, foi então, que decidiu nunca mais voltar ao mar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Pessoas de fora da minha vida

Andava apressado como quem tinha um compromisso e não olhava para lado nenhum.
Os pés descalços há tanto tempo já não se importavam com tantas pontas, pedras, com asfalto quente ou com água suja escorregando em córregos impensáveis.
Uma visão do acostamento da Bandeirantes.


Sentado em sua esquina como quem se senta na sala de sua casa passava tardes infinitas rodeados por seus cadernos e suas anotações.
Erguendo a caneta e o olhar, pensando profundamente, buscando as melhores palavras, as melhores conjugações, não se incomodava com o vai e vem de carros, motos e pessoas.
Uma visão da avenida Brasil em São Paulo.


Sorriso aberto, banguela, as pernas esticadas na calçada onde eu evitava passar mas me obrigava a encarar, ela cuidava de seus gatos e muitas vezes, quase todas as vezes, investia toda a arrecadação do dia em ração Whiskas para seus gatos. Puxava conversa, dizia boa tarde, boa noite. Esses dias a vi em uma matéria de revista de grande circulação. Uma visão de uma rua do Itaim em São Paulo.


Nenhum sorriso. Olhos apagados. Fome escancarada na boca de dentes ainda branco.
Gestos desenhados, delicados. Coluna reta. A mão grande e suja esticava os dedos para pegar pedaços de pizza fria.
Uma visão da Alameda Casa Branca, Cerqueira Cesar São Paulo.
Um dia vi sua foto e li sua história. Bailarino que em depressão deu um gole e deixou seu rastro em uma casa para a qual nunca mais retornou.
Um bailarino.
Mendigos do meu caminho. Mendigos da minha vizinhança. Mendigos que retratam vidas desgarradas da vida.
Por que nunca lhe ofereci uma carona?
Por que nunca pedi para ler um texto seu?
Por que nunca perguntei sobre seus bichos escondidos na alma?
Por que nunca lhe pedi uma coreografia? Por que nunca o vi como um Danseur e por que nunca lhe convidei para um... Allegro?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A manicure

A pele morena tenta se sobrepor ao branco que tudo quer cobrir.
Pedaços tímidos entre o final da luva branca e a manga comprida do jaleco, branco, querem aparecer.
O jaleco protege a blusa branca, com um discreto decote em V. O que permite ver um pedaço do colo e um pedaço do pescoço, já protegido pela cabeça sempre baixa.
A máscara branca sobre a boca, a touca escondendo os cabelos.
A orelha exibindo-se livre, um brinco de bijouteria barata, já sem uma das quatro pedrinhas.
O que pago a essa manicure é mais do que o lixar de unhas e o colorido atrevido trocado todas as semanas.
Essa manicure está em uma saleta pequena, silenciosa e refrigerada.
Não trocamos mais palavras do que oi, como vai, como estão as meninas, as minhas bem e as suas? Que cor vamos por hoje?
E nada mais.
Até porque o silêncio agora ronda o mundo dela. Está ensurdecendo e muitas vezes percebo que não ouviu uma ou outra coisa que eu disse e eu sempre acho melhor deixar pra lá.
Pago pelo silêncio. Pago por quarenta minutos em que posso ficar com as mãos nas mãos de alguém que não quer pintar minhas unhas pra combinar com a minha roupa ou para que eu esteja apresentável em uma reunião.
Ela quer apenas cuidar das suas pequenas.
Eu quero apenas pensar ouvindo uma música suave. A manicure é parte fundamental da manutenção do meu equilíbrio que começa na segunda-feira.
Hoje pintei as unhas de Noite Quente da Colorama. Não tem importância nenhuma, informação irrelevante, o bom de ter escolhido rapidamente essa cor foi poder dedicar-me a pensar em espanhol, língua que tanto me encanta, e encontrei nos meus guardados uma frase interessante para começar:

A Dios no lo puede ofender nada ni nadie. Equivaldría a que el rasguño infinitesimal que una hormiguita hace al trepar por una montaña, pudiera causarle dolor a la montaña.

Pois é, a mim também, hoje e espero que por muito tempo, os brutos serão formiguinhas andando pela montanha, não poderão me machucar!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Músicas

As músicas são muito mais do que pensamos.
Elas nos traduzem, as vezes tão cruelmente que podemos chorar no carro, dirigindo e ouvindo uma música.
Brega para alguns, completamente indiferente para outros, importante para tantos outros, tema de tese para algum estudante.
Hoje ganhei café na cama. Um carinho já retratado em alguma canção e depois, quando dirigia ao trabalho, ouvi:
- cuide bem do seu amor, seja quem for...
É, eu sendo cuidada, mesmo sendo como sou.
Depois outro trecho de música invade esse pensamento que me fez rir. Dirigir para mim é quase um estado de meditação.
Eu gosto de ouvir música no rádio, eu gosto de ser surpreendida por músicas que nunca ouvi, por cantores que desconheço, por velhas canções esquecidas, por músicas eternas da MPB, por músicas de novela, por músicas que entraram na lista de alguém que fez uma programação simplesmente porque é o seu trabalho. Será que só isso? Business a parte, o que mais pensava quando decidiu? E por que nessa ordem?
- que os braços sentem, e os olhos vêem, que os lábios sejam, dois rios inteiros, sem direção
Essa não é uma frase que mora em mim, ela mora em uma canção, mas quantas vezes já me peguei escrevendo uma combinação de palavras muito, mas muito parecida com um trecho de uma música qualquer. Porque mora em mim e em algum momento quer escapar.
Música. O que cantar quando há encanto? E quando não há?
E sempre há uma música. Para mim há a música que dancei, a música que analisei na aula de literatura, a música que coreografei, a música que não coreografei até hoje e quando ouço, faço movimentos involuntários, a música que me acalma, a música que me faz rir, a música que me faz pensar além do que eu poderia, completamente seduzida.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Como perdi o medo do homem do saco

Quando eu tinha uns cinco, seis anos, eu tinha muito medo do homem do saco. Minha mãe sempre me assustava com a ameaça de que ele me levaria embora se eu não ficasse no quintal e fosse brincar na rua, se eu me afastasse em uma compra ou um passeio e eu tinha realmente medo dele. Não eram ameaças de violência física, de trabalho escravo, nada disso, só a separação da família.
Que medo!
Em uma tarde ensolarada, aproveitando que meu irmão estava na escola eu saí para brincar com a preciosidade que ele guardava a sete chaves: um caminhão de madeira, vermelho, com uma carroceria enorme, rodas pintadas de preto, lindo!
Brincava na calçada em frente de casa. Subia até a esquina - morávamos quase no meio da quadra - e descia com ele carregado ora de pedras, ora de folhas, uma brincadeira solitária, que me concentrava (coisa difícil) e me dava muito prazer.
Mas de repente, quando estava preparando uma carga, o homem do saco apareceu.
Não tinha mais ninguém na rua naquela tarde de sol a não sermos nós dois.
Ele materializou-se na figura de um mendigo muito magro, alto, pele escura queimada de sol, uma barba comprida, grisalha e um saco sujo e quase vazio que segurava nas costas.
Sorriu para mim e eu desci correndo para casa, corri mais do que minhas pernas podiam aguentar. E, claro, deixei o caminhão lá, nem tive coragem de pegar.
Encontrei minha mãe na cozinha e fiquei por ali, ofegante, mas não disse uma palavra.
Ela estava ocupada com alguma coisa e não me observou, não perguntou nada.
Não demorou muito e ouvimos alguém bater palmas. Meu coração disparou.
Minha mãe foi atender o portão e eu fui espiar, atrás, querendo ver sem ser vista.
Era ele, o mendigo. Sorrindo, com o caminhão na mão disse a minha mãe:
- a menina se assustou e deixou o brinquedo, vi que ela entrou aqui, se deixar lá algum moleque vai levar é um caminhão bonito demais!
Minha mãe não entendeu muito bem mas agradeceu muito.
Serviu a ele um pão com manteiga, que não tinha nada do almoço e não tinha preparado o jantar ainda. Deu-lhe um grande copo de suco, bem gelado.
Ele bebeu o suco, agradeceu, e foi embora comendo o pão.
Desapareceu da minha infância para sempre.
Não me lembro da conversa que tive com minha mãe depois que ele se foi, mas certamente começou com uma bronca.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Famílias

Cresci em uma família de pai, mãe e cinco filhos no total, eu aí incluída na quarta posição.
Não morávamos perto de parentes e convivi um pouco com meu avô paterno e com minha avó materna.
E achava que eles deviam se casar, já que ambos eram meus avós e todo mundo tinha par de avós.
Mas não é esse o tema.
Sempre tivemos almoços de domingos e brigas no final da tarde. Uma irmã brigada com a outra por conta de uma bota ou por conta do uso infinito do banheiro para o banho, mas para mim família era assim, pai, mãe e irmãos. Todos juntos, na mesma casa.
Depois a minha irmã se casou.
Minha outra irmã, a mais velha, se mudou para São Paulo.
Meu irmão se casou.
E a casa foi ficando cada vez mais pequena para tanta saudade e tanto silêncio!
Quando chegou a minha vez de partir encontrei abrigo, aconchego, proteção, carinho, um espelho da minha casa paterna no convívio com a minha irmã Lucia, que vivia em Sâo Paulo e foi então que eu descobri. Descobri outras composições de família, as famílias dos meus amigos.
Um tinha uma irmã com síndrome de down e um irmão preso. Do pai eu nunca soube.
Morava em uma casa grande, bonita, em um bairro arborizado. Ele era alegre, não se podia imaginar!
Outro morava com a mãe e mais quatro irmãos, um quinto, casado, morava em outro apartamento, mas eram próximos, amigos, agregadores. Dormiam todos no mesmo quarto, adultos, homens e mulheres. Em um apartamento de tantos quartos, de tantos cômodos, nunca entendi porque. Nunca me ocorreu perguntar, pareceria uma agulha furando uma bolha de sabão. O pai vivia em situação difícil, mal via os filhos. Alcoólotra.
Outra morava com a mãe e dois irmãos. Visitava o pai para pedir dinheiro.
Cada um tinha seu horário e pouco se viam, o que era melhor porque ao estarem juntos, sempre havia discussão.
Famílias sem pai. Claro que outras tantas com pais, mas essas eram iguais as minhas.
Eu observava, me preocupava por eles, sentia uma ausência que não me cabia, que não me dizia respeito.
Mesmo hoje, quando digo ah... filho único? Não vai ter um irmão para dividir, compartir, relembrar as histórias de sua infância, de seus sonhos e de seus pesadelos? Com quem vai exercitar essa arte? Ouço respostas como: não deu tempo, eu me separei, mas quem sabe...
Não é da minha conta. Nem a separação, nem o filho único, se é uma decisão, uma falta de opção, não me cabe ter nenhum juízo da valor, mas fazer o quê? Tenho um dó...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Poderia ter feito diferente

Há muitos anos atrás o mundo corporativo não fazia parte do meu dia a dia e meus planos estratégicos, minha preocupação com o posicionamento diziam respeito a textos de Dostoievski e músicas improváveis me despertavam de madrugada quase exigindo uma coreografia.
Em uma tarde desses anos distantes, me lembro bem, não estava frio mas já escurecia apesar de não ser seis horas ainda.
Atravessei a rua correndo porque estava ligeiramente atrasada, para meu desespero, porque nesses momentos a figura de meu pai sempre se agigantava dizendo: cinco e trinta são cinco e trinta, nem cinco e vinte e cinco, nem cinco e trinta e cinco!
E foi então que ele cruzou a rua comigo. Não me abordou, não me olhou, não me incomodou, mas quando acabou de atravessar a rua ele começou a gritar:
- eu estou com fome... pelo amor de deus alguém me ajuda, eu tenho fome!
A rua era a Dr Vila Nova, eu estava a caminho do SESC. Ia fazer um teste para uma peça.
Sempre encontrava mendigos, alguns resmungando, alguns discursando, sempre falando bobagens, voz enrolada, mas aquele não, aquele gritava em alto e bom som e eu segui meu caminho.
Ninguém se aproximou dele. Ninguém nada.
Esperei um tempo enorme, sentada no chão, vendo o mesmo texto sendo dito por pessoas tão diferentes e um diretor exigente que não parava de ajeitar os óculos no nariz adunco ficar cada vez mais impaciente.
Teste por ordem alfabética. O L não ajudava muito mas eu esperava.
Lá pelo H/I o diretor se cansou dos testes. Na verdade creio que ele já tinha encontrado a sua menina na letra G, e então, decidiu que o melhor jeito de continuar o teste eram as meninas entrarem na coxia da direita e, sem roupa, atravessarem o palco até a coxia esquerda.
Levantei e fui embora, não fiz o teste. Aquilo não era um teste era um descaso. Eu e outras tantas meninas fomos embora, outras ficaram. Sempre há as que ficam.
A menina escolhida, na letra G, ganhou o papel, depois projeção na TV, de vez em quando ainda ganha umas páginas de Caras. Bom o teste dela, merecido o papel.
Não me arrependo de nada, a não ser, de não ter atravessado a rua de volta e ter dado o dinheiro do metrô e ônibus que eu carregava em uma bolsa enorme para aquele homem comer.
Era tudo o que eu tinha, mas certamente, hoje, eu seria um tantinho mais feliz se tivesse outro final para essa história.