sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Notícia

Recebeu a notícia como quem já sabia e se comportou bem.
Por um tempo que pareceu interminável manteve um sorriso leve no rosto.
Depois desabou e chorou tudo o que estava acumulado.
Depois as horas foram escorrendo pelos relógios e o coração acertou o compasso.

Recebeu a notícia com a surpresa dos que vivem em outro mundo.
Por um tempo que pareceu interminável apertou as mãos, balançou os pés, escancarou um sorriso.
Depois gritou de alegria e rodopiou como se alguém lhe tivesse dado corda.
Depois as horas foram escorrendo pelos relógios e o coração acertou o compasso.

Entre o riso e o choro, extremos de calmaria.
Entre o medo e a alegria, um coração que comanda o fígado.
Entre os dedos que apertam marcando as palmas das mãos com unhas fortes, anéis inquebráveis.
Depois as horas foram escorrendo e ficaram fotografias em máquinas digitais.
Não há mais papel.
Não há mais nada entre os extremos a não ser uma espera que não antecipa.
Rabiscou em um pedaço de papel o trecho da velha canção... nem um santo tem pena de mim...
E riu de si mesmo enquanto as horas escorriam.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Più Mentali

Pensei em tudo e em nada.
Queria só encontrar o gênio da lâmpada, pedir 3 coisas simples.
3 coisas humildes.
O ar é pesado.
O tom é duro.
A mensagem não é clara.
Para os outros ou para mim?
O barulho irrita. O vento artificial do ar condicionado atrapalha.
O riso foge pelos dedos das mãos.
Se tudo depende de mim, como mudar isso?
Se há um bloqueio, pode ser mais mental que físico?
Fiquei pensando na linda foto que recebi da minha amiga querida.
Que vive longe e perto.
Pensei em tudo e em nada.
Eu gostava de mudar o mundo. Nem que fosse o das formigas.
Impedir a água de destruir o formigueiro. Deixar as folhas mais perto.
Tornar-me tão pequenina e forte como uma delas.
Mas isso é para quando eu estiver pensando com mais clareza.
Por enquanto, vou olhar de novo para a foto e enxergar-me ali, enquanto não encontro o gênio.
Alguém sabe onde se esconde?

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Anhanguera

Anhanguera, apelido de Bartolomeu Bueno da Silva, bandeirante que ameaçou os índios dizendo que iria colocar fogo na água deles se não lhe entregassem o ouro que tinham.
Anhanguera, espírito maligno, diabo velho.
A Rodovia se recente desse nome. Corre quase paralela à Rodovia dos Bandeirantes. Esse nome sim, justa homenagem.
E ela sabe também que não é a minha preferida, que quando por ali estou é porque a Bandeirantes sofreu algum contratempo, obras ou acidentes que retardam a viagem.
E me olha de lado, estreita as pistas, faz brotar caminhões e ônibus e carros mais acelerados do que indicam as placas.
E se curva, sinuosidades sem sensualidade, assustadoras.
E enquanto me assusta, me afronta, exibindo suas margens verdejantes de uma beleza que não posso admirar.
Atenção redobrada que tensiona as mãos. 
Anhanguera.
Ela se recente do apelido e atropela os incautos.
Abre uma faixa extra como quem vai receber bem e de repente se dobra em curva e se recolhe em sua estreiteza.
Escancara sua mágoa.
Separa ir e vir em muro duro, baixo, carrancudo.
A Anhanguera tem mágoas que não posso descrever.
Acumula histórias que não sei narrar.
Vou insistir na conquista.
Vou desacelerar.
Vou olhar os morros.
Vou encontrar uma árvore magnífica para fotografar.
Como bandeirante vou desbravar sem pedir nada em troca, a não ser, que me deixe passar!
Carregamos nossos nomes, ela precisa aprender que isso não pode nos martirizar.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um Santo de Confiança

Era preciso um Santo de confiança que tirasse aquele homem dos braços da bebida.
Era preciso um Anjinho novo que ficasse o tempo todo zelando por aquele bebe.
Era preciso um Amor grande demais para atravessar todas as impurezas, todas as imperfeições e olhar o feio atrás do bonito que se esconde e descobrir.
Descobrir lágrimas secas nos olhos azuis.
Descobrir palavras doces na boca sem riso daquele que sabe que cometeu o erro.
Descobrir abraços nas mãos cerradas dentro dos bolsos.
Era preciso um Santo de confiança que desse conforto à mãe que tem medo do filho sem rumo.
Era preciso um Anjinho que desse forças àquele bebe que luta em silêncio.
Era preciso um Amor grande demais para atravessar tempos de incertezas.
Em cada casa um caso.
Em cada caso um drama.
Em cada drama uma trama que cresceu em um jardim distante.
Em cada trama uma rama que pode florescer.
Outras farão o trabalho mais duro ao se agarrar a terra e sugar tudo o que for possível e se agarrar insanamente para não ser arrancada com a ventania.
Em cada ventania um Santo.
Em cada Santo um Anjo aprendendo o Amor.
Em cada Amor uma vida de confiança zelando para corrigir as imperfeições.
Descobrir o bonito no feio enquanto tudo está escuro.
A grandeza da alma na palma da mão de quem levanta o próximo, em silêncio.
Um Santo de confiança.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Palma da Mão

Sigo as linhas das palmas das minhas mãos.
Não me dizem nada. De onde vem, para onde vão.
Não começam, aparecem.
Não terminam, são interrompidas.
Cruzam-se desordenadamente. Sobrepõem-se inusitadamente.
A cigana espanhola olhou para elas espantada e não quis me dizer nada.
Porque não paguei. Só por isso.
Andavam com rosas nas mãos queimadas de sol e agarrando as nossas com sofreguidão.
Cariño...
Gostava de ouvir. Mas não de acreditar.
Gostava de traçar as rotas eu mesma, como o moderno sistema touch... puxar para cá, ajustar para lá.
São profundas, rascunhadas, com serifas, se é que se pode assim descrever traços incertos.
Vento no deserto que desenha linhas finas na areia.
Que mudam de lugar, que mudam com o vento, que redesenham o caminho.
Um caminho que nunca leva a lugar nenhum.
Procuro um camelo entre as linhas traçadas do meu deserto.
Água fresca. Um lugar de chegada.
O que há no final do arco-íris eu já sei.
Não me interessa. Um tesouro de ouro que não paga nada daquilo que quero.
Quero chegar ao final das mal traçadas linhas da palma da minha mão.
Ora direita, ora esquerda, mas mãos minhas, que seguram minha cabeça com carinho em momentos de aflição.
Sigo as linhas das palmas das minhas mãos.
Quem quiser me seguir, trilhas por descobrir.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Saia de Café

Limpava as saias do cafezal.
Não por prazer, por obrigação.
Tinha nascido por ali.Crescido pelos sítios da redondeza.
Com pai e mãe que também trabalhavam na roça.
Tinha orgulho daquele cafezal. Cuidava sozinho dele e tinham as saias mais bonitas da região.
Carregado.
Gostava de comer a frutinha vermelha do café.
Gostava de descansar, logo após o almoço, embaixo de uma das saias.
Chegava a sonhar depois que esvaziava a marmita que a mãe preparava ainda de madrugada.
Gostava de tudo isso, mas tinha sonhos de ir para a cidade grande.
Trabalhar em alguma coisa que entrasse as oito, que saísse para almoçar e voltasse à tarde.
Para um quarto de pensão, com televisão.
Usar roupa sempre limpa.
Comer um prato feito no bar da esquina.
Sonhava com isso. Quando contava para um ou outro amigo, nenhuma reposta de incentivo.
Todo mundo estranhava.
O único que dava uma força era o Tonico. Mas o Tonico achava esse sonho pequeno demais.
Ir para a cidade? Sim! Mas para a cidade grande, a maior de todas, São Paulo.
Trabalhar? Sim! Mas trabalhar no Banco do Brasil ou nos Correios ou na Caixa Econômica!
E usar roupas limpas? Sim senhor, camisas brancas, gravatas, sapatos engraxados!
Morar em pensão... Imagina. Primeiro alugar um apto, pequeno, mas bem localizado e depois comprar!
Era sonho demais pra ele, o Tonico sempre exagerando!
A mãe não podia nem ouvir falar que já saia assoando o nariz e enxugando os olhos.
O pai balançava a cabeça. Queria concordar, mas tinha medo da mãe.
O silêncio que mora embaixo de uma saia de café é cúmplice de toda dúvida.
O Eustáquio sabia disso como ninguém, mas com ninguém podia dividir esse outro segredo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sala de reunião

Quando o sol entra de mansinho pela janela, deixando tudo amarelo, eu me lembro.
E quando vai escurecendo, o coração vai ficando apertado porque eu me lembro.
Dos primeiros passos. Das primeiras pegadas que foram ficando.
Da confiança que foi nascendo.
Como criança que se sente pronta para pedalar sem rodinhas.
A mesa comprida, cheia de cadeiras presunçosas enquanto vazias e depois humilhadas, pesadas, ocupadas, arrastadas em reuniões sem fim.
A parede azul.
O silêncio protegido pelos vidros grossos da janela anti-ruído.
Esperava com o coração na mão.
E enquanto esperava escrevi um poema a meu pai, que poderia tê-lo lido se eu tivesse mostrado, coisa que já não é mais possível.
A conversa tímida.
O sotaque do outro que tardei a identificar.
O olho ávido pelo sim, mas as mãos sempre se despedem com uma promessa.
Nada planejado, mas tudo iniciado.
Uma indicação.
Uma paixão.
Uma vontade de fazer.
Se eu fosse mais displicente me entregaria menos, sofreria menos, cresceria mais.
Não teria saudades, não me lembraria quando o sol entra de mansinho pela janela, deixando tudo amarelo.
O barulho do ar condicionado ocupando as paredes brancas.
As plantas são de verdade.
A verdade é que somos o que vamos escrevendo ao longo da vida, não importa em que papel.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Extratos de Biografia

Quando eu nasci, minha parteira foi minha avó materna, Amélia.
Nasci em casa e ela me levou para ser pesada no armazém.
4,5kg – quem pode garantir?

Quando eu tinha quatro anos o meu melhor amigo se chamava Diamantino, o nome do pai dele.
Eu o chamava de Nenê.
Nós roubávamos caixinhas de fósforos de nossas casas e, escondidinhos, riscávamos todos.
Quando acabavam ele me olhava e dizia:
- ih... acabou o carbureto!

Quando eu tinha uns 9, 10 anos, a minha melhor amiga se chamava Nilda. Ela tinha uma irmã caçula que se chamava Neucimara.
Tínhamos idades parecidas e nossas irmãs caçulas também. A minha se chama Laís.
Não tínhamos telefone. Eu escrevia bilhetes combinando encontros e brincadeiras e Laís levava.
Outras vezes eu recebia bilhetes trazidos por Neucimara.
Será que nos perdoaram por essa exploração?

Quando eu tinha 12 anos eu ganhei o concurso de redação da minha escola escrevendo sobre a história da cidade: Tupã.
Disputei a etapa seguinte com representantes de todas as escolas e, para essa etapa, a redação era escrita in loco. Minha mãe me levou até o local. Eu era a menorzinha de todos, em tamanho físico e em idade. Todos os participantes estavam quase entrando na faculdade! Não ganhei.

Quando eu tinha 17 anos eu me mudei para São Paulo, com a minha irmã Lúcia, que cuidava de mim como meu pai e mãe.
Era preciso sair da casca do ovo.
A saudade apertava muito o coração. Mas eu me mantive firme e chorava no banho.
O meu pai nunca mais chegou em casa assobiando porque eu não estava mais lá para responder ao assobio.
Até hoje eu assobio no banho!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Acabou-se

Não podia falar tudo o que queria porque fazia sofrer as pessoas.
Não podia comer tudo o que queria porque faltaria para outras pessoas.
Não podia estar sozinho o tempo que queria porque diziam dele que era solitário.
Não podia beber todos os dias porque falariam dele que precisava de tratamento.
E assim ia rabiscando em um caderno tudo o que não tinha feito naquele dia pensando nos outros.
Chamou-o diário de privações e esperava que quando morresse alguém pudesse divertir-se com aquilo.
Fora alguns que poderiam ficar ligeiramente chateados.
De vez em quando folheava para consultar velhas anotações.
E divertia-se também.

16 de agosto de 2008
De manhã não pude tomar suco de morango porque é o preferido da Eva e tinha muito pouco.
Fiquei olhando ela tomar e babar naquele copo de flor, aquele líquido vermelho e quase cremoso. Pensei em passar no supermercado, comprar um litro e tomar sozinho quando chegasse ao escritório, cedo, ainda sem ninguém.

Não fiz isso.
E não fiz isso porque tive que deixar a Ana Elisa no trabalho e ela não poderia saber. E o percurso todo seria modificado. E o horário todo seria modificado.

E assim seguia o dia 16 de agosto com algumas outras privações.
Tudo tão nonsense que só a ele cabia entender.
Aceitar a situação. Registrar para metabolizar a frustração, muitas vezes a raiva.
E foi folheando esse caderninho, o último de muitos, ouvindo música com o fone de ouvidos, que foi deixado à deriva quando o curto circuito começou e a tragédia toda se deu.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Bicho de rua

Os bichos das ruas e das casas que ficam abertas para as calçadas são uns bichos dos quais não posso esquecer.
O gato branco na calçada, olhos tão verdes e cristalinos que cor como aquela não há de ter em nenhum pantone.
Cara de bravo, mas um encontro de olhar e lá vem ele, naquele rebolado, ronronado de quem sabe que vai ganhar carinho.
E depois da cabeça, pernas para o ar para ganhar um chamego na barriga.
Pelos duros de quem anda despreocupado pela vida, espreitando pombas e passantes.
As pombas...
Que despertam ânimos de extermínio nos mais exaltados. Nos que tem medo dos piolhos. Dos que não gostam do arrulhar, dos passinhos apressados buscando farelinhos.
E me encantam.
E me encantam as corujinhas que me ignoraram no estacionamento do supermercado.
Sábado quente, noitinha cheia de aleluias na luz do poste que caindo indefesas, nada mais do que refeição para as corujinhas.
Foto. E enquanto me aproximo para caprichar, a mulher ralha com a filha:
- credo, não olha, dá azar!
Os bichos que não posso cuidar.
Os bichos que cuidam de mim porque basta olhar para mudar o humor.
As andorinhas que nem se vê mais por aí.
O cachorrinho preto, que sim, tem casa, mas hoje de manhã, com o portão fechado, esperava resignado na calçada, já todo molhado da chuva.
E os bravos.
E os machucados.
E os perdidos.
Os bichos para mim são almas circulando por aí. Não me dizem muito bem a que vem, mas uma razão, e muito boa ah tem, oh se tem!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Trovão

Um barulhinho... Trovão?
E meu coração dispara.
Quer competir com o barulho do céu.
Fico feliz por alguma razão inexplicável.
Aguço os ouvidos esperando ouvir as primeiras gotas.
Fortes, marcadas.
Quando o vento é quem as traz, aparecem por todos os lados.
No telhado, nas vidraças, nas coisas deixadas pelo quintal.
Gosto.
Gosto da chuva. Gosto do vento. Gosto da tempestade.
E fico culpada temendo que alguém tenha a casa destelhada,
a varanda invadida pela água da enxurrada.
Mas por um momento deixo isso de lado.
Fui ao quintal, olhei tudo, guardei a bicicleta menor.
Abriguei-me.
Quando chove eu preciso estar de meias, mesmo que seja uma chuva de verão.
Quando era criança corria o quintal todo atrás de qualquer coisa que eu pudesse proteger.
Uma lata velha de tinta. Um tijolo. Um guardanapo no varal.
Proteger.
Depois aquecer os pés.
E sentar à janela de vidros transparentes e olhar tudo.
As gotas como lágrimas na plantinha do vaso.
Um barulhinho... Trovão?
Não, agora ainda não.
A previsão do tempo prometeu para o final da tarde, mas aí... ai do trânsito
E de mim, que me imputam a culpa por trazê-la, simplesmente por gostar e, não,
Não é bem assim!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Um homem feliz

Do que mais gostava era de ser deixado em paz.
Em sua cadeira, na varanda, com um vento fresco batendo no verão.
Em um canto do sofá da sala, quando o vento esfriava anunciando o inverno.
E, sem sair do lugar, viajava mundo pensando em lugares.
Pensando nas pedras do Algarve.
Lembrava sempre e ainda achava graça do amigo português que, surpreendido com a notícia de que ele embarcaria para Portugal perguntou assustado:
- Portugal? O que vai fazer lá? Lá só tem pedra...
Achou que o amigo ficaria orgulhoso de visitas em seu país natal.
É, nunca se sabe tudo sobre as pessoas.
E do que mais gostava, quando estava entregue as suas lembranças, eram os cheiros que lhe chegavam, frescos como da primeira vez.
O perfume suave da professora de catecismo.
O perfume do refogado do arroz fritando na panela.
O perfume da dama-da-noite plantada na calçada.
Tudo o que tinha vivido tinha servido para lhe deixar descansar em paz.
Do que mais gostava era ver crescer os netos cheios de alegria.
As meninas sempre aprendendo mais depressa do que os meninos.
As noras tão jovens e tão bonitas.
Os filhos tão respeitáveis em seus carros novos.
A televisão que preferia desligada tão moderna em sua finura de botões escondidos no controle que sim, queria remoto.
Ver a vida era apenas olhar para dentro de si e ao redor, sem precisar ir muito longe.
Do que mais gostava era de ser deixado em paz para saborear as escolhas certas que tinha feito na vida.
Só o que não previra era que Madalena se fosse tão antes dele, antes mesmo do segundo neto nascer, e isso era uma mágoa que tinha com a vida e sabia, que em algum momento, iriam ajustar essa conta.
A única que lhe ficara pendente.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Nem sempre poesia

Não quero o ônus de dizer sim
Não quero o medo de dizer não
Entre tantas coisas que são ditas,
As que ficam entre as entrelinhas     
Exasperam de menos
Desesperam de mais
Não quero o medo do dedo em riste
Não quero uma aventura sem limite
Ônus de dizer sim
Bônus de ficar sem saber
O tempo que corre
Escorre pelos dedos magros
Os olhos perdem o brilho
O sorriso perde o encanto
Que medo da vida que vem
Que alívio da história que se constrói
A olhos nus crescem
A olhos nus emudecem os pedidos
De dia das crianças
De Natal, de Páscoa
E que desespero se noite dessas
Eu encontrar a fada do dente
Sentada em um canto com um resto
De presente
Não quero o ônus de dizer sim
Quando o coração diz que não
Não quero o bônus de uma vida inteira
Por uma metade que deixei de cumprir
Há um conta gotas que me conta
Em um canto qualquer
Uma música? ... tira o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor!
Põe o seu carro na minha vaga
Que eu não quero voltar não senhor...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O óbvio...

Seguimos reclamando do óbvio: uma hora de trânsito!
Claro, mas queria o quê? Mora em uma cidade caótica como São Paulo, mora em um bairro e trabalha em outro...
Joga um papel de bala no chão (ah, tão pequeno, não tem lixo, não tenho bolsa), mas reclama das enchentes depois de uma chuvinha de nada.
Ah, seguimos reclamando do barulho. Mas atendemos ao telefone no elevador e todos ficam sabendo que o encanador não foi.
E reclamamos do encanador.
Se está sol, o calor é de matar.
Se está chovendo, é um problema caminhar, tropeçar nas calçadas esburacadas, sujas, com poças d´água.
E como chamamos o santo nome em vão!
Meu Deus, Minha Nossa Senhora, Jesus Maria José.
Minha Santa Madalena.
Nossa Senhora da Bicicletinha.
Seguimos reclamando do óbvio: uma fila no supermercado! Uma caixa lerda!
Enquanto espremo as mãos de ansiedade com o tempo a caixa comenta com a cliente da frente que queria ser cantora.
É o que basta para me distrair da minha pressa.
Ela não estava reclamando. Era apenas um lamento suave de algo que poderia ter sido e não foi.
Quero ouvi-la cantar, mas não ouso pedir.
Ela se despede da cliente, olha para mim sorridente e não tenta fazer nada ligeiro.
Ela queria apenas ser cantora, mas passa meus produtos por aquela maquininha que engole os números, ajeita sacolas, papéis e o cabelo que escapa do coque.
Seguimos reclamando do óbvio porque nos concentramos no excesso.
Pudesse agora trocar o sapato pela relva fresca molhada de chuva e olhar para o céu apenas para desenhar uma nuvem tudo seria diferente.
E não é apenas porque não tenho coragem de parar de reclamar do óbvio!
Às vezes me canso de correr atrás de mim.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ira

Tinha raiva. Tinha muita raiva, mas sabia o quanto era importante preservar.
Idéias óbvias. Promessas não cumpridas. Comemorações sem sentido.
Tinha tanta raiva, mas respeitava o momento e o tempo alheio.
Por isso, quanto a raiva era insuportável abria a janela e escolhia o primeiro carro que passava e escrevia uma história sobre quem lá ia dirigindo.

A mulher simpática, cara de mãe, perguntava ao homem do ponto de ônibus por um endereço.
Ele instruía virar a esquerda, mas ele a via dobrando a direita. Pronto. Perdida para sempre.

O rapaz de boné, acelerando muito o carro preto. Primeiro? Do pai? Roubado?
Avançando o sinal entre amarelo e vermelho e sumindo para sempre.

O senhor distinto, de óculos, folheando papéis enquanto espera o farol abrir.
Quase se sente o perfume suave de quem viveu dignamente e de quem não será surpreendido em desalinho quando a morte chegar.

O carro vermelho, vidros tão escuros, quem vai á?
Um jogador de futebol? O dono da padaria? A atriz que acaba de gravar a sua primeira novela?
Um minuto mais e lá se vai um carro sem história.

Tinha tanta raiva e conhecia tanto tantas técnicas para acabar com ela, mas de vez em quando não queria aplicá-las!
Queria consumir-se, esvaziar-se dessa coisa ruim que se aloja e cresce e toma conta da expressão, da boca dura, dos olhos sem brilhos, das mãos fechadas.
A ira.
Ira. S. f. 1. Cólera, raiva, indignação. 2. Desejo de vingança.
Era iracundo.
Iracundo. Adj. 1. Propenso à ira; irascível. 2. Irado, colérico, enfurecido.
E assim ia sendo levado pela vida e só, nada mais.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Na festa de casamento

Se fosse um moleque estaria correndo pelo salão, tropeçando nas cadeiras, levando bronca de alguns adultos, mas ainda assim correndo suado em algazarra.
Mas não. Estava enclausurada dentro de um vestido de babados cor-de-rosa e um sapato boneca.
Já se vê que tem esse nome porque bonecas não se mexem e, assim, não machucam os pés.
Os cabelos em cachos dourados sobre a fase rosada.
Os olhos azuis ávidos de nada, porque nada podia fazer.
Tédio.
Fosse um moleque e não teria tantas vezes a cabeça acariciada, os ombros sacudidos, nem precisaria fixar um sorriso para ouvir um rosário elogios:
- como está crescida!
- que boneca!
- como está linda essa menina!
- meu deus que olhos são esses
- ai, não, e esses cachos louros!
- nossa, que encanto!
- puxa, papai vai ter problemas, hein?
- mas que mocinha que está!
E por aí afora.
Tédio.
Fosse um moleque e se enfiaria embaixo da mesa para roubar uns docinhos pela parte de trás, que era bem possível. E eles nem perceberam!
Mas, talvez se fosse um deles também não percebesse.
Se fosse um moleque não precisaria passar frio com aquele agasalho tão leve para não “atrapalhar” o vestido!
Se fosse moleque, apesar do terno, estaria correndo pelo salão, tropeçando nas cadeiras, levando bronca de alguns adultos, mas ainda assim correndo sem saber para onde, quem sabe feliz, quem sabe não.
Essas coisas não se sabem quem decide!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Outubro ou Nada

Outubro ou nada.
Ou tivesse o ano dez meses já estaríamos nele.
Gosto do dia 3 de outubro, promessa que não se cumpriu.
Ou tudo ou nada.
Exageros. Arrebatamentos.
Outubro e nenhum outro mês com O,
Que Janeiro, Junho e Julho, trio.
Abril, Agosto, antipáticos.
Março, Maio, gentis, mês de santos,
mês das águas, das noivas.
Fevereiro tímido, pequeno expoente de
Quatro em quatro anos e nada mais.
Súbito setembro, novembro, dezembro, se não de começo igual,
De igual final e Outubro
Ou nada
Quase igual no final, nada igual em nenhum começo.
Ou então, tudo de novo.
Dez. Meses. Dias 31.
Abusado, ousado, de quase acabar para recomeçar.
Mês de mudar. De comemorar.
É agora ou nada.
Outubro ou trem

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Não era assim, não era?

E todo mundo pensou que tudo estava bem.
Mas o jardim era artificial.
A luz era fria.
A janela era pequena.

E todo mundo achava que ele era feliz.
Mas a namorada não o queria mais.
A mãe já não ligava nem no aniversário.
O livro que ia escrever não saia da página três.

E todo mundo acreditava que ela era do bem.
Mas articulou e se alojou em espaço alheio.
O bom dia já não era necessário.
Estar sempre foi mais importante que ser.

E todo mundo sonhou que seria melhor.
Mas o sol não nasceu.
O caminho não funcionou.
O café não aqueceu nenhuma discussão.

E todos sempre esperam o melhor.
E por isso quando as coisas dão errado, ah...
É preciso lamentar até esgotar um pouco
Até cansar e depois ir descobrindo as pequenas
Coisas boas se é que há
Há, há que procurar, há que ter paciência
Há que pensar que a chuva acomoda a alma
Dá-lhe tempo para se reanimar
Ah, será que dá? 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Datan e o conceito de tirinha

E então recebi um convite para levar as meninas para conhecerem a redação da Revista Recreio, na Abril. São assinantes, colecionam os brinquedos e as enciclopédias, enviam desenhos e fotos para a reunião.
E fomos.
Gentilmente recepcionadas, com direito a sorvete e passeio pelo pátio e circulação pelo espaço entre jornalistas, computadores, exemplares, bonequinhos, desenhos, uma delícia de lugar.
Antonella levava a tiracolo os seus números de mangá para apresentar.
Valentina levava os seus desenhos, de Festa Junina, de Páscoa e, sedutora, descobriu um armário mágico, cheio de brinquedinhos.
Ganharam várias edições de Clássicos da Literatura em quadrinhos e outras tantas publicações!
E foram descobrindo como tudo é feito, quem desenha, quem escreve, até que Antonella identificou quem decide, quem define e se aproximou:
- Com licença, eu queria perguntar quem é o digitalista...
E a editora-chefe:
- Ah, quem digita? Depende da seção, da matéria, por quê?
- Porque minha irmã enviou uma foto nossa, e foi publicada, mas escreveram meu nome errado! Ele é meio diferente, mas ficou muito esquisito!
E ela, gentilmente, olhando os mangás desenhados sugeriu:
- Então vamos fazer assim, você faz uma tirinha apresentando o personagem principal do seu mangá e nós publicamos.
Ótimo, ficamos combinados assim.
Passaram-se dias, depois semanas. Dei tempo, mas tempo demais se passou e perguntei:
- Antonella, não vai fazer a tirinha apresentando o Datan?
Desconversava até que um dia esclareceu:
- Mãe, você não entende o conceito de tirinha? Tirinha é para ser divertida, é uma piada, não é pra apresentar personagem. Acha que em três quadrinhos eu consigo apresentar um personagem e ainda fazer uma piada? Teria que ter uns seis, nove...
- Mas você consegue, faça então uma coisa divertida, está perdendo uma grande chance!
- Mãe, você não entende mesmo! Ela quer publicar na seção de correios! Meus mangás, minhas tirinhas, na seção de correio?!?
Entendo outros conceitos, que ela ainda precisa de tempo para entender.