sexta-feira, 29 de julho de 2011

Praticamente

12 anos faz a minha primogênita.
Há doze anos eu nascia como mãe.
Uma pessoa que teria para quem contar histórias.
Uma pessoa que passaria noites sem dormir e alguns dias com termômetros na mão.
Mas nada muito grave além de um dedo de pé quebrado, um tímpano estourado.
Quando era apenas um pacotinho protegido do frio eu pensava: quando vai sentar?
E depois: quando vai andar?
E então as perguntas são retóricas... depois que começou a andar passou a ser: mas será que não pode parar por um minuto?
Depois a ansiedade pelas primeiras palavras. E segundas e terceiras até um momento em que o tom de voz se altera e a pergunta é: mas será que não pode ficar quieta por um segundo??
É um fantástico mundo real-imaginário.
De expectativas e realidade, nem sempre aumentada.
12 anos faz a minha primogênita.
A idade do praticamente.
Dependendo da situação ela me diz: mãe, sou praticamente uma adolescente... ou... mãe, sou praticamente uma criança!!
E eu a amo em ambas as situações, ainda que ela mesma me tenha dito já há alguns anos:
mãe, você sabe que o cordão umbilical já saiu cortado da maternidade, né?
Eu apenas sorri. Se dissesse qualquer coisa entregaria meu nó na garganta.
E esse não desata enquanto olho pra ela!


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Eu confesso

Eu confesso que todo dia leio o obituário do jornal que assino. Falecimentos.
Por ordem são listadas as mulheres, das mais velhas para as mais novas.
Depois os homens, na mesma ordem cronológica, dos mais velhos para os mais novos.
Leio os nomes e penso sobre eles.
Nomes comuns, nomes antigos, nomes que não se usam mais, nomes bonitos, nomes feios, nomes estrangeiros, nomes esdrúxulos, nomes simples, nomes compostos.
Depois penso nas idades e confesso que tenho menos pesar pelos que passaram dos noventa anos e sempre me surpreendo e sensibilizo com os menores de cinquenta anos.
Não me importa muito o estado civil, mas sim a filiação, quando há, porque é uma continuação da análise dos nomes. Observo se são homenagens a pai ou mãe, se carregam filho, júnior, neto. Se melhoraram ou se pioraram, no meu juízo de valor, ou seja, se mais bonitos ou mais feios os nomes dos filhos do que os dos pais.
Depois me comove saber se tinham filhos ou não. E desses olho os nomes, mas não penso muito sobre eles.
Eu confesso que todo dia passo os olhos por esse quadrado sem vida, cheio de tantas histórias que eu não sei contar.
Os anúncios de missas de sétimo dia eu deixo para os padres.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Cabelos brancos

Ajeitou o cabelo uma vez mais.
Não era um cabelo ruim, mas não era um cabelo decidido.
Nem crespo, nem liso.
Nem claro, nem escuro.
Não gostava de indefinições e já tinha feito interferências.
Muitos cachos.
Sem cor alguma, amarelo ovo.
Um cabelo que recobre uma cabeça de tamanho tão pequeno que chapéus só por encomenda.
O casquete, infantil, confundindo o cavalo. Ajeitou o cabelo uma vez mais.
Nem curto, nem comprido, precisando de cuidados.
E entre os fios indecisos, alguns bem confiantes em sua nova empreitada: embranquecer.
Não muitos, mas determinados.
Ignoram qualquer moda, verão, inverno.
Ajeitou o cabelo com as mãos e os dedos também confabularam sobre a coloração.
Mas há tanto em que pensar e tanto sobre o que deixar de pensar que os cabelos brancos ficarão para depois.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Eu pensava

Quando era criança pensava que meu pai ia morrer bemmm velho, com 43 anos!
Ele morreu muito jovem, com 72.

Eu pensava que era um escândalo o Roberto Carlos cantar "amada amante" porque amante para mim era sempre a mulher que não era esposa, era um absurdo falar dessa situação em uma música. E pior ainda, minha mãe não se importava e deixava minhas irmãs adolescentes cantarem junto com o rádio coisa tão feia.

Eu tinha certeza de que o mundo era redondo, mas pensava que morávamos dentro da bola oca e que o céu era uma espécie de cobertura e que o maior progresso científico seria furar essa camada e descobrir o que havia fora da bola.

Eu pensava que não merecia mais do que tinha porque não era  uma boa menina.

Eu pensava que um bom cantor, cantora, já nasciam sabendo fazer aquilo e achava uma farsa ter que estudar canto. Quando eu cresci eu mesma estudei canto, mas só serviu para confirmar a minha tese de que para certas coisas ou se nasce ou se nasce.

Sobre todas as outras descobri que não estava exatamente certa.
Não quero estar certa, quero é nunca perder a capacidade de duvidar, de questionar, de confrontar e de dar a mão à palmatória quando estiver errada.
Só isso. É o que eu ainda penso.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Considerações

Achou que tinha achado o grande amor da sua vida.
Mas que nada! Maria era daquelas moças que não dão sorte com essa coisa de namorado.
Quando era mais jovem era muito exigente e não conseguia namorar ninguém.
Achava todo mundo meio bobo.
O tempo foi passando e Maria foi diminuindo os itens da sua lista de exigência.
Até namorou um ou outro de um jeito mais sério, mas de gostar, amar, com vontade de ficar velho junto, nada, ninguém.
Acabou concluindo que isso era coisa de novela. Ia mesmo escolher um mais ou menos e tocar a vida.
Era melhor que fosse um pouco mais feio, um pouco mais pobre do que muito namorador e foi por aí.
Até que não demorou muito pra encontrar. Achou que tinha achado o grande amor da sua vida, assim mais racional do que emocional.
Mas que nada!
Não foram nem seis meses e o Joaquim anunciou que não estava feliz, que estava pensando em voltar pra terra natal e começar a vida de um outro jeito, mas sem ninguém. Por enquanto. Era um tempo.
Maria achou que não tinha que ficar esperando esse tempo e apenas sorriu.
Acabou o jantar, pediu uma sobremesa bem gorda, perguntou se ele não se importava em pagar a conta toda, pegou a bolsa e saiu.
Voltou andando pra casa decidida a não procurar nada mais, foi quando o Orlando, o dono da banca de revistas recomendou que ela não andasse sozinha àquela hora.
Primeiro ela se assustou, depois olhou para ele como nunca tinha olhado e reconsiderou as considerações de há pouco.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Planos

Não somos donos de nossos planos e nossas expectativas se divertem com nossa angústia.
A vida não para, alguns ficam pelo caminho. Há os que ficam por decisão e os que são arrastados, como se já estivessem indo na contramão.
Quando alguém se vai uma porção de perguntas vêm.
Sabemos como nossa história começa, aguentamos o seu desenrolar, mas nunca sabemos como é que vai terminar.
Cada um de nós tem um roteiro, mas é uma criação coletiva, podemos inserir uns "cacos", admissíveis por qualquer diretor.
Mas toda a história pode se modificar a partir daí e qualquer um pode perder o controle.
Não somos donos de nossos planos.
Ficar quieto e esperar não é o mesmo que sentar-se e ficar inerte.
Quem não encontra a conjunção entre corpo cansado e alma tranquila pode não entender e passar a vida procurando algo que está bem debaixo do seu nariz!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Imagem de Santa

Quebrou a imagem da santa
que não se protegeu com seus milagres
e espatifou-se pelo chão da cozinha
Ela escondeu-se embaixo da mesa
e não sabia se rezava ou se tentava entender
os mal ditos em italiano
que poderiam ser em português, inglês, espanhol
isso não fazia diferença
a diferença era o medo entre o calmo e o assustador
imagem de santos existiam muitas
existiam naquela época e existem hoje
imagem de dor e fúria por um destino incontrolável
já paira embaçado na memória
quebrou a imagem da santa
ela ficou quieta embaixo da mesa
e não sabia se contava os cacos ou as batidas aceleradas do coração
toda ordem tem momento de ruptura
toda ruptura estabelece um novo começo
todo novo começo dói
toda dor estabelece uma ruptura
e o círculo gira tranquilo porque já sabe onde vai chegar

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Destino de Pipa

Nem a mãe, nem a manhã fria tirou do moleque o prazer de empinar a pipa.
Nem o lugar inóspito onde os seus o levaram para morar: beira de estrada, um quase barraco em um quase barranco pendurado ao lado de uma sofisticada auto-estrada.
Mas algumas pipas são indomáveis.
Aquela de um amarelo ouro fugiu do seu rapaz.
Enroscou-se no para-choque do caminhão e foi embora para sempre.
Até onde não sei.
Só sei que quando passei pelo caminhão o movimento diferente chamou a minha atenção.
A pipa fujona pegou carona enroscando-se ali e descansando de seu vôo solitário fazia planos para a próxima parada.
Quase adivinho o motorista de mãos duras desenroscando a pipa delicadamente.
Não porque pretendesse fazê-la voltar ao céu, não. Apenas porque com certeza ela lhe fazia lembrar de um tempo em que ele fora moleque.
Nem a mãe, nem o menino, nem o motorista e nem eu fomos capazes de convencer a pipa de que aquele não era o seu destino.
Mas as pipas são teimosas e o fluxo da Bandeirantes não deixa espaço para essas melosidades, como diria minha primogênita.
Fugiu do seus destino de pipa, mas não encontrou nada além da linha que a conduziu.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Fiquei doente

O corpo adoeceu e o espírito ficou encolhido.
As palavras ficaram assustadas, recolhidas em um canto qualquer.
Com medo de nunca mais serem recrutadas para nada.
O corpo adoeceu. Deixou os dias passarem sem ânimo pra seguir com eles.
Deixou-se ficar.
Emagreceu. Empalideceu.
As palavras ficaram espiando tanto descanso sem nem um livro na mão.
Não entenderam nada, mas estão felizes agora com essa súbita chamada.
Mesmo que para um texto tão frágil e sem poesia estão animadas.
As palavras estão se aquecendo, há cheiro de coreografias novas no ar!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Próximo Passo

perdeu o sentido do tempo
de um tempo que não se demora
podia listar coisas boas e coisas
não tão boas
e o tempo que cada uma delas levou
para ir embora
perdeu a razão
encontrou a solução sem sentido
quando apenas esperou
leu no verso do verso
um endereço há muito esquecido
lembrou do nome da mulher
fez uma oração
entregou-se ao pedaço de papel
e recompôs o verso
ela gostava de experimentar
perdeu o sentido do tempo
experimentou um cheiro de chocolate
o frio altera os sentidos
procurou na fotografia um último sorriso
e decidiu não procurar mais nada
ser encontrada poderia ser o próximo passo

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Primeiro de Julho

Hoje é aniversário da minha irmã Lucinete. Não é a mais velha, nem a mais nova.
Carrega o nome que o tio lhe escolheu e que significa o diminutivo de Luci em francês.
Mas ela é uma italiana querida, não carrega a baguete embaixo do braço.
Para mim ela é a "suinete" jeito manhoso que arrumei para pedir coisas. E sempre pedi coisas:
quero um carrinho de boneca de natal, quero o livrinho de capa amarela só para mim, quero uma cadeira igual à da Laís, quero... E, piedade, quero ir ao Museu do Índio.
Todo final de semana ela me levava para visitar o Museu.
Se voltarmos lá, o livro de assinaturas deve ter uma centena de lusia rabiscado em letra infantil porque imagino que não muitas pessoas o visitavam mais de uma vez. Nada de novo para ver.
E ela me conta rindo que eu parava, olhava, admirava cada peça como se a tivesse vendo pela primeira vez!
Pode ser triste alguém como eu? Que tem uma irmã assim? Puro amor e paciência?
Está longe dos meus olhos, mas dentro do meu coração.
Ouvir sua voz no telefone me brilha os olhos e aquece a alma.
Hoje é aniversário da minha irmã querida. Mãos de fada para fazer bolos, brigadeiros e proteger minha existência!