sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Canteiro Central

Era bonita. Para olhos não exigentes com a simetria das formas.
Pequena. Morena. Cabelos lisos.
Ele não era feio. Distinto. Negro, magro, maduro.
Ele segurava um papel na mão e ela indicava a direção, o melhor caminho.
Canteiro central da avenida travestida de carros, enfeitada de motos, como se fossem os gigantescos colares de um pescoço disforme.
O guarda no farol olhava mais o rebolado de quem corria para atravessar a rua do que para o motorista inventando uma improvável quarta pista de rolagem.
Eles estão indiferentes. Ele perguntou, ela respondeu.
Ninguém percebeu.
Ele agradeceu comovido. Comovido? Impossível afirmar.
Ela sorriu como quem diz imagina, não foi nada.
Ele foi para a direita e ela para a esquerda.
Ou vice-versa dependendo do olhar.
Eu não fui para lado nenhum, engolida pelo congestionamento, mas pude ver a vida gentil que pode existir no canteiro central.
E então está bem, ficamos assim.




quinta-feira, 29 de setembro de 2011

85

Oitenta e cinco partidas de futebol.
85 estradas percorridas.
Oitenta e cinco palavras boas.
85 piadas.
Oitenta e cinco bacias de pipoca.
85 sopas diferentes.
Oitenta e cinco beijos.
85 broncas.
Oitenta e cinco contas.
85 desenhos.
Oitenta e cinco anos que pararam nos setenta e 2.
Um coração que parou, o seu.
Um coração que acelerou, o meu.
Para suportar olhos que agora veem por dois.
Feliz aniversário pai.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

9 anos de Valentina!


De manhã, enquanto eu tomava café, um beija-flor me espiou pela janela da sala.
Como quem queria entrar.
E queria.
Ele procurava uma flor, Valentina, para dar parabéns pelo aniversário!
Um beija-flor procurando sua flor.
Nove. Nove anos.

Nove, o número da sabedoria. Para um ser tão pequeno?
E tão sorridente, de olhos tão brilhantes, é claro!
Coroamento dos esforços, término de um ciclo.
Há noves anos, na primavera, eu ganhava uma flor.
De inestimável e indivisível amor.
Que ensina pequenos truques.
Que lê as enciclopédias ainda em papel e me conta segredos de animais.
Coisas da ciência.
Que quietinha num canto perguntada sobre o que está fazendo responde:
- Não achei nada legal, então estou lendo sobre a gravidade, você sabia que...
A menina que quer comprar um furão...
A menina que vai pedir ao papai noel um ovo de dragão...
A menina que vai pedir ao papai um tablet...
A menina que gosta de tomar chá...
A menina que adora ajudar, por a mesa, guardar copos...
A menina que adora contar histórias, ler antes de dormir, desenhar...
Quanto mais descubro as pequenas coisas, mais tenho certeza de que lá está uma grande alma porque singela e nada fugaz!
Valentina e nada mais.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Primaveras

Balançou a cabeça para sentir o cabelo nos ombros nus.
Depois passou a mão na testa para descortinar os olhos.
Não eram azuis. Não eram de Capitu.
Mais um ano e seria outra a postura ao apresentar o documento.
Segurança, confiança, despeito pelos guardas que guardam os lugares onde quer estar.
E não pode.
O pai vai tentar impedir.
A mãe vai tentar negociar, fingir que não vê.
Balançou a cabeça.
Balançou os quadris.
A escola já ficara a umas três quadras, mas hoje não.
Hoje era dia de apenas passear e pensar e planejar um futuro luminoso.
Luminoso...
Precisava mesmo era tomar um sol, a primavera é sempre assim fresca?
Ergueu os ombros nus.
Quem precisa saber?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Adolescente

tenho um frágil passarinho nas mãos
não tem asa quebrada, mas ainda tem medo de voar
o medo do coelhinho assustado
que não quer ficar na toca, mas que quando na toca não está
tem medo do que possa ser
transição é uma palavra que assusta
ninguém transita bem por ela
é sempre um não saber alguma coisa
tenho um delicado tecido para bordar
qualquer ponto apertado demais pode rasgar,
frouxo demais pode desmanchar
as minhas palavras dançam melhor em coreografias de papel
não quando são ditas entre caras e bocas
digo o que não penso,
não penso no que digo
cada peso tem sua medida exata
tenho um frágil passarinho nas mãos
que quero forte
que quero livre
que quero de voo seguro
preciso aprender para ensinar

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Sabores

Gomo de laranja, suculento, fresco, textura indescritível.
Jaboticaba. Adjetivo de olhos bonitos das morenas jambo.
Jambo. Fruta com gosto de perfume. Divertida, desconhecida.
Suco de tamarindo. Na casa de sucos da estrada que leva a Presidente Prudente.
Trava o maxilar. Desce desafiando o paladar.
Tamarindo marrom, formato e tato que escondem a impossibilidade de sabor.
Frutas da minha infância.
Amoras caídas no quintal.
Mexerica azeda que trinca dentes e abre a gargalhada.
Brincadeira de criança.
Maça não. Maça era fruta que a mãe dava quando estava doente!
Uva pequena de parreira.
Melancia e abacaxi.
E todas aquelas que não estão aqui, desculpe caqui.
Não tenho fome de frutas, tenho fome da memória que as  frutas guardam em mim.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nicanor

Inóspita pode ser a vida
De trânsito carregado
De horário apertado
De fome fora de hora
De lanche beliscado no carro
Inóspita é a motorista do Audi
Impaciente, descontente ser
Inóspita é a parede que separa
Inóspita pode ser a vida se você
não vê o que é transparente:
que a arrumadeira precisa de um sorriso,
que o porteiro precisa de um bom dia,
que a moça do café precisa de um elogio,
são presentes fáceis de dar
e hoje aprendi mais um:
flores e cumprimentos na manhã
de trabalho corrido
só para celebrar a chegada da primavera
só?
Inóspita pode ser a vida se não souber dizer:
obrigada Nicanor!


quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Emiliana

Deixou que o vento levantasse a saia.
Trigueira ela.
Sempre ouvia essa palavra para definir sua morenice: morena trigueira.
Nem sabia o que era isso.
Por enquanto não lhe servia para nada.
Sonhava sonhos de adolescentes.
Comprava revistas com os trocados que a mãe lhe dava.
Olhava os mínimos detalhes de cada foto.
A correntinha no tornozelo da modelo.
A cor do esmalte da unha de outra.
O jeito de prender o cabelo.
Isso era sempre tão perturbador...
Porque elas pareciam sempre descabeladas
e mesmo assim lindas
ao passo que ela, quando descabelada tão feia
e quando o cabelo arrumado com cara de tão antiga...
Acelerou o passo.
A mãe precisava das compras.
Depois esperou para atravessar a rua e foi então
que ele sorriu.
A mãe precisava das compras,
mas ele era tão bonito
A mãe ia ficar tão brava, mas ele era tão educado
A mãe ia desfiar o sermão que já tinha até decorado,
mas ele parecia saído daquelas revistas que ela guardava com tanto cuidado.
Trigueira ela. E muito bonita.
A mãe precisava das compras, mas ela nunca mais voltou.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Iluminada

quando faço silêncio consigo escutar a voz que preciso
quando fecho os olhos consigo ver a luz que me ajuda a enxergar melhor as pedras
não preciso me livrar delas
ora servem para eu me sentar, ora para marcar o caminho
ora as pedras servem para machucar os pés na trajetória
como se um aviso fosse: não é preciso ir mais devagar?
quando respiro profundamente limpo o ar poluído que me rodeia
quando deixo a expressão tranquila
as únicas rugas que aparecem são as da idade, não as de preocupação
quando faço silêncio consigo que meus lábios digam pelos meus dedos
em um teclado cheio de tecnologia
o que vai guardadinho em meu coração
e o que vai guardadinho em meu coração é a certeza
de que apenas sendo seguirei iluminada

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Retalhos de ontem

Dias de offline guardam histórias para o dia seguinte.
15 de setembro entregou para 16 de setembro um presente: hoje é o primeiro dia depois de 21 anos de casamento e eu me casaria de novo, com o mesmo rapaz, só mudaria a temperatura daquele setembro de 90 que me fez usar um sobretudo e mesmo assim bater queixo.
Certo, eu exagero. Mas quero ficar com a lembrança que lembro, não quero consultar o google para checar exatamente o número que o termômetro marcava.
Agora podemos checar nossas memórias.
Quem me fez atentar para isso foi outro presente, um que eu mesma me dei e pelo qual estou encantada: "Se eu fechar os olhos agora" primeiro romance de Edney Silvestre.
Cheguei cedo ao aeroporto, impossível não comprar um livro.
O Rio de Janeiro estava nublado.
O taxista me perguntou porque eu não ia ao Rock in Rio. Respondi que estava velha e ele, despreocupado, apenas completou dizendo que tudo bem porque todos os bons roqueiros estão velhos.
Sensato.
Revi pessoas que vão e vem nessa deliciosa aventura que é viver.
Ouvi coisas novas, almocei explicando a um inglês como é facebook, orkut e twitter aqui no Brasil.
Telefonei para casa.
Minha caçula pediu pra eu tomar cuidado com o Mauro... Um personagem do filme Rio.
Espirituosa.
Dias de offline guardam histórias para o dia seguinte, hoje.
Tantas notícias ficam para trás.
Viver é ir juntando letras, palavras, uma frase e outra.
Viver feliz é poder colecionar dias com o seu amor, eu já tenho 7.760.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Constatação

Sacrifício. s.m. Oferta feita à divindade, em meio a cerimônias. fig. Renúncia voluntária ou forçada a algo que se possui: sem algum sacrifício nada se obterá. Santo sacrifício, a missa. Sacrifício humano, imolação de uma pessoa à divindade. Sacrifício de Jesus, sua morte na cruz.
Espírito de sacrifício, tendência a sacrificar-se ou a ceder sem benefício imediato: só com espírito de sacrifício atingiremos o objetivo.
s.m.pl. Privações, despesas voluntariamente impostas: fazer sacrifícios pelos filhos.
Sim todos sabemos o que é sacrifício e não é preciso recorrer ao dicionário.
O que não sabemos é o contexto de cada um, em suas situações particulares ou públicas.
O que não sabemos é que seria bom trocar um por outro em alguns momentos da vida.
E o melhor é mesmo reconhecer que estamos nomeando uma situação, uma emoção, com uma palavra mais pesada e enegrecida do que realmente é preciso.
Um sacrifício andar de salto? Não, uma opção.
Um sacrifício deixar de comer um pudim? Não, uma intenção.
Um sacrifício ficar em casa? Não, uma birra.
Um sacrifício ler um livro? Não, uma preguiça talvez!
As coisas possuem o peso que lhes damos e sempre carregamos na tinta com nossa dramaticidade latina.
Para mim, um sacrifício almoçar em uma livraria e não comprar nenhum livro, mas um alívio saber que eles sempre esperam por mim!
Fazer amigos novos, abraçar os de longa data e entregar o coração para atravessar o mar.
Tchau Rositta, até logo mais!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Demais

Quis o destino que nascesse pastor alemão.
Não um religioso ou camponês nascido na Alemanha, não.
Cachorro.
Mas não quis o destino que ele ganhasse uma fazenda, um sítio, uma chácara ou mesmo um quintal para cuidar.
Eu o vi de relance, inquieto, na viatura cinza de número 94332, batalhão de choque.
Lindo, enorme. Protegido ou preso na parte de trás da viatura?
Poderia deitar, mas ia em pé.
Não entende o congestionamento, mas entende o confronto.
Não roeu pés de cadeira.
Não roeu nenhum chinelo havaiana.
Não engoliu nenhuma bola de meia.
Treinado para trabalhar e depois de um tempo se aposentar e aproveitar a vida.
Reconhece os bandidos.
Enfrenta as pessoas nas manifestações.
Tem um parceiro, mas não toma café e nem come rosquinhas como os policiais de filmes americanos.
Quis o destino que eu o visse hoje pela manhã.
Quis o destino que nascesse pastor alemão.
Às vezes, eu penso que o destino quer demais.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Xangai

Ela sou eu
com tudo o que não precisava ser, ter
as palavras servem
para a poesia e para as histórias longas,
mas para mudar uma ação, não
Ela sou eu
com todas as dores que eu sei
com todo o descontrole que já herdei
o carinho não serve
quando as partes direita e esquerda
se convertem e se misturam e não há
filtro que salve
um gesto,
um olhar,
um acaso,
um descaso,
quase um desamor
Ela sou eu
Já estou perdendo o que ainda não tive
Tenho esquecido de tantas coisas,
mas as coisas que quero esquecer
ficam pulsando em mim como os luminosos de Xangai
Ela sou eu
Não há nada que se possa fazer

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Desconhecida

Um dia começou.
Os cremes já não bastavam, nem a caminhada, nem tão pouco os remedinhos que tomava.
Foi de leve, na barriga.
Dores e mais dores por algumas semanas e depois o prazer de um biquini mais ousado.
Depois que começou não parou.
A perna, os braços pra melhorar o tchauzinho, os seios que até então se mantinham fortes apesar de não tão firmes.
Resistiu o quanto pode mas chegou ao rosto.
Não era preciso. Tinha sabido envelhecer e estava bem, mas era uma coisinha de nada.
E outra e mais outra até que um dia se deitou para dormir.
A alma saiu para passear como sempre fazia, mas ao voltar não reconheceu aquele rosto.
Reconhecia tudo ao seu redor, mas não aquele rosto.
Não podia voltar para uma desconhecida.
Ficou vagando, procurando.
Enquanto a Marilene chamava na porta do quarto a patroa que nunca, jamais dormira até tão tarde.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Rositta

Exuberante.
Foi a primeira palavra que usaram para descrevê-la.
Cheia de vigor e alegria, foram os sinônimos que usaram para traduzir!
E então ela chegou.
Cheia de histórias para contar de um mundo que eu ainda não conhecia.
De uma Espanha do outro lado do oceano.
De um Canadá muito gelado.
De uma Porto Alegre cheia de graça e amor.
Ruiva.
Ruiva como eu sempre quisera ser.
Cheia de presentes e mais do que presentes, de palavras doces sempre com a intenção de acolher.
E tinha as meias-calças mais lindas e charmosas.
Um carro roxo que caia bem para uma corintiana de coração.
Que amava uma dálmata e em nada lembrava a Cruela!
Que tratava a Susan como filha.
Que falava inglês como ninguém.
Que indicou-me para um contato profissional que me abriu um novo mundo.
Uma risada sem preguiça de ser sonora.
Um choro que guardava no coração.
Um apartamento nas ladeiras da Vila Madalena e tudo ia tão bem,
mas quis o destino que cruzasse o oceano de volta para o frescor
dos cogumelos.
Levou Theodoro.
E todos os adoramos.
E agora, o que faço eu com essa pessoa linda que faz aniversário hoje?
Rabisco umas palavras apressadas para lembrar que ela nunca será esquecida, onde quer que esteja.
Mulher de nome comprido, mas que para nós é Rositta.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Entrevista

Não tinha nada para fazer e ficou apenas pensando em tudo o que tinha acontecido em sua vida.
E tudo o que tinha acontecido era tão sem graça que não se animava a continuar pensando.
Vida sem graça.
É, não tinha a menor graça.
Então resolveu brincar de sonhar e se ajeitou melhor no banco.
Já não era ele, mas alguém.
Alguém importante de quem todos queriam saber coisas sem importância, como nas revistas de fofocas.
Seu signo: aquario
Sua comida preferida: lasanha, não, lasanha não, Coq au Vin
Um lugar: Hanauma Bay
Um doce: Fluden
O que não pode faltar na sua geladeira? água com gás
Uma mulher bonita: Juliette Binoche
Um...
E então o ônibus chegou, lotado, e a brincadeira de sonhar acabara por aí porque em pé, chacoalhando, ele não conseguia pensar nas melhores respostas.
Talvez outra hora.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Para olhos azuis

Com meu pai aprendi a gostar de pipoca
a ser honesta
a gostar de futebol
a olhar o relógio e obedecê-lo
cegamente
Com meu pai aprendi a gostar
das estradas e dos mapas
como veias serpenteando um corpo
Com meu pai aprendi a gostar
de música sertaneja
de assoviar
de fazer troças com os medos
da minha mãe
Aprendi a gostar de milho cozido
de sentar à cabeceira da mesa
Aprendi a desconfiar de meio-sorriso
Com meu pai aprendi a vida
e a ver tudo azul
numa tentativa desesperada e
inútil de imitar nos meus,
a cor inconfundível dos seus olhos azuis!

Escrito em 21 de fevereiro de 1999, as 8h14 - seis meses depois de seus olhos terem se fechado para sempre.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Apelidos perdidos

Marcado que era pelo destino resolveu arriscar tudo.
Começou rabiscando um bilhete de despedida.
Teve medo de que fosse confundido com um bilhete de despedida dos suicidas e, por isso, não teve dúvidas, rasgou e rabiscou palavras no espelho, nas paredes, na geladeira, onde foi possível.
E então fotografou como se estivesse em uma dessas instalações modernas, mas no fundo, só queria recordar suas palavras.
Ajeitou tudo o que cabia na mochila.
A única coisa que lhe doeu deixar, do fundo da alma, foi a bicicleta.
Em dado momento pensou que ela poderia ser útil, mas prontamente reconsiderou.
Não podia ter nada que não pudesse carregar ou que não pudesse lhe acompanhar.
Lembrou-se de algumas frases de efeito apenas para se auto estimular. Resumiu em: uma grande caminhada começa com um pequeno passo e então quando fechou a porta tropeçou no degrau.
Teve a impressão de que era um mau agouro e de que o pequeno passo era só um tropeço e que nada daria certo.
Mas era tarde para recuar.
Seguiu firme sem se voltar para olhar.
Marcado que era pelo destino resolveu arriscar tudo.
Em dado momento, o Dado, o Duda, o Edu, o Dudu eram de novo o Luis Eduardo e talvez tudo pudesse ser diferente.
Arriscou.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Haku

Notícias ruins nos abalam por um tempo, mas depois você segue em frente. Já a esperança é paralisante.
Eu ouvi isso em um seriado de TV que assisto pela internet e fiquei paralisada pensando no que acabara de ouvir.
Se não fosse esse o momento, o contexto, eu talvez não tivesse prestado atenção.
Acontece que passei quarenta anos sem ter um cão e os últimos sete anos fazendo parte de uma "matilha", porque é assim que nos vêem os cães.
Porque nunca antes eu tivera um cão é uma história para ser contada em algum outro momento.
É que nesse momento, tudo gira em torno da matilha que se desfez. Paralisante.
Em um momento estava lá, dormindo coberto com uma camiseta velha em sua caminha nova, vermelha. E no momento seguinte não estava mais.
Cidade algumas vezes visitada, casa frequentada, mas a euforia de um passeio independente o levou para longe, para não sei onde, para sempre?
E então a esperança é paralisante, apesar de nos fazer agir - cartazes, anúncios, carro de som, procura incessante, comunidades virtuais, promessas - nada nos dá a resposta que tanto queremos ouvir: está aqui!
Quando perdemos um bichinho por morte é uma perda com recordações.
Quando perdemos um bichinho assim, é uma dor com suposições.
Haku, dove sta bambino?