segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O meu 31 de outubro

Gosto de pensar que já passei por 47 dias 31 de outubro.
Pelo menos nos primeiros 40 essa coisa de dia das bruxas era só parte da cultura americana cultivada nas escolas particulares de inglês.
E foi daí que de repente eu me vi ajustando fantasias nas meninas e orientando o passeio pelo condomínio para o fatídico gostosuras ou travessuras.
Mas o que gosto mesmo é de entre tantos escolher um especial e relembrar.
Pois eu me lembro do dia do casamento da minha amiga Marianne.
Era uma sexta-feira.
Era no Rio de Janeiro e eu fiz todas as escolhas erradas possíveis!
Escolhi ir de carro, não de avião.
Escolhi passar no escritório de manhã.
Portanto, sai atrasada do escritório, de casa, desconsiderando que o Rio de Janeiro em uma sexta-feira tem trânsito igual São Paulo.
Preocupadíssima com o transtorno que eu iria causar, seguimos e seguimos.
Direto para a casa da amiga Rosely, com quem iríamos para a igreja.
Outras considerações: Marianne avisara que não atrasaria a entrada na igreja, no que sempre a apoiamos.
Coisa mais chata essa de noiva atrasar! Tem o dia todo só para pensar na cerimônia...
Rosely grávida da caçula, madrinha!
O meu par se enroscou no nó da gravata, Nuno, acho que nunca agradeci seu nó!
Não sou menina de maquiagem, mas comprei coisas especiais! Depois de um tempo foram descartadas porque até essas coisas caras tem data de validade. Não usei.
A estrada da Floresta da Tijuca é linda, quando pode ser vista sem ter que segurar o coração na mão por mais arregalados que os olhos estejam!
E o desconforto daquele barrigão lindo, todos atrasados por minha culpa, minha inteira culpa!
Chegamos com a linda noiva se preparando para entrar.
Entramos pela porta lateral.
Igreja linda, noiva linda, uma madrinha linda!
Esse é o dia 31 de outubro que escolho como o mais especial entre os meus 47.
Não me lembro em que ano foi, mas não importa, no meu coração foi o ano passado!
Ser feliz nada mais é do que ter histórias para contar, mesmo que você não esteja lá muito bem na foto!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Rotina


A gata tem rotina.
A gata tem nome: Dora.
Dora Aventureira.
Por volta das seis horas da manhã mia para entrar e dormir quinze minutos aos meus pés.
Quando precisei acordar as 5h30, não sei como, as 4h20 ela já estava em seu ritual de "querer entrar".
A gata, depois que levanta dos meus pés, quer comida.
O pote pode até estar abastecido, mas ela só come a ração que se põe enquanto ela observa.
Fresquinha. A comida, posta assim, fica sempre mais fresquinha.
O pote fica sobre um balcão.
Era uma precaução de quando tínhamos o cão que adorava a ração dela.
Pois ela prefere ser alçada até lá...
A gata tem bons hábitos como beber água. Diferente de mim.
Mas a gata só bebe água corrente e por isso espera que alguém abra a torneira do lavabo do corredor.
Às vezes espera no banco em frente, às vezes mesmo na pia onde nem a vemos pela iluminação.
Mas a gata mia.
A gata mia um miado manhoso.
Depois de tudo, até mesmo de usar a caixinha de areia, a gata vai passear.
Inspeciona o quintal.
Vaso por vaso vai experimentar. Arranha, deita, se estica.
Escolhe um canto e espia o portão.
Depois pula o muro e então não sabemos mais como a rotina segue.
Quando volta, a gata mia no alto do muro.
Alguém tem que pegar.
Alguém não, um adulto, porque é alto e... ela mia até o chefe da família a salvar.
No corredor entre a sala e a cozinha se esparrama como a rama se esparrama pelo chão.
Descansando.
A gata deve ir longe, de telhado em telhado, de muro em muro e volta dona de si.
A gata tem rotina.
Tem brinquedos divertidos.
E um rato peludo destroçado preferido.
A gata adora uma sacola.
A gata adora deitar no teclado do computador.
A gata gosta de se ajeitar em nosso colo sozinha, não precisa ajudar.
A gata mia quando a poltrona que gosta está ocupada com livros, brinquedos, uma bagunça de lar.
A gata tem nome.
A Dora explora a nossa vida e sempre nos faz abrir um sorriso com o seu rebolar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

How

O silêncio faz a palavra recolher-se sem alarde.
Ele impera, domina sem imposição.
O silêncio não precisa de coroa, de trono, de nada além de silêncio.
As palavras se atropelam.
As palavras se confundem.
As palavras se perdem.
As palavras nunca andam sozinhas.
Mesmo as más sempre estão acompanhadas.
As palavras transformam um pequeno tijolo em palco.
As palavras buscam a luz como faz o girassol.
O silêncio acompanha e quando decide que é seu momento
não tem palavra que o demova dessa ideia.
As palavras estão por toda parte. Visíveis.
Quem consegue enxergar o silêncio não tem palavras para descrever.
How can we find the silence?
As palavras não querem contar.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Passando a limpo

Se eu voltasse à fazenda hoje eu desceria logo depois de Gália, nas cruzinhas.
Sairia correndo sem olhar pra trás para chegar primeiro que minhas irmãs mesmo estragando a surpresa.
Sob gritos de protesto.
Pararia na "calça comprida" para descansar. Um tronco de árvore que mais parecia um banco e que pela formação dos dois galhos lembrava uma calça comprida.
Mas antes de minhas irmãs me alcançarem eu já estaria de fôlego recuperado e partiria novamente em disparada.
Depois do beijo do avô e dos afagos da tia iria para a cozinha verificar se o bolo de milho - o melhor que já comi em toda a minha vida - estava esperando por mim. E se não, faria a encomenda.
Se eu voltasse à fazenda hoje, logo depois de descalçar os sapatos de viagem eu iria surrupiar uma espiga de milho, uma única, e jogar aos porcos, sem atinar que era maldade pura incitar uma disputa considerando que alguns mal podiam se levantar.
E depois iria olhar o Pombinho tomar banho. O cavalo branco xodó do avô.
E espiar as casas da colonia.
E sentar na sala tão limpa e tão quieta e pensar que aquele silêncio podia me devorar e por isso eu não podia estar ali mais do que cinco minutos.
Se eu votasse à fazenda hoje talvez eu encontrasse lá pessoas queridas, que deixaram marcas no meu coração.
Talvez encontrasse a minha tia Cida, a tia do bis, do jeito carinho de lidar comigo, com os meninos e com o meu tio Nelson que me deu o apelido mais apropriado que já tive até hoje: mosquitinho elétrico.
Se eu voltasse à fazenda hoje eu sairia nessa foto com um sorriso bem maior!
E, claro, ia perguntar pro Luis Otávio porque ele ainda não tinha relógio?

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pinceladas de uma segunda-feira

Preparar o espírito para o que nos espera, por menor que seja o que nos espera, nos torna grande.
É uma constatação. 
Mais fácil de fazer quando o coração está tranquilo e a data da TPM ainda está restrita ao aplicativo do celular.
Quando a segunda-feira chega sem dó nem piedade.
A chuva que a meteorologia previra só caiu no final da noite e onde eu estava, em conta contas. 
Fui trabalhar de vestido preto, em uma sala em obras. Passei o dia limpando os traços brancos que minha pressa ia deixando na saia rodada.
Saia do vestido. Eu não tenho saias. E adoro saias. Nesse verão hei de ter saias.
Equipe. Gente que vai, gente que veio.
Tudo ao mesmo tempo e agora.
Viver é uma eterna adaptação.
Quando atendo o telefone apesar do número identificado, é uma oferta de não sei o quê.
E quando desconfio do bloqueado, é a voz doce da minha querida amiga.
Uma segunda-feira de peças pregadas.
A festinha de aniversário é à fantasia.
Já não servem mais a de abóbora, a de esqueleto, mas nem que servissem...
A ideia da caçula é ir fantasiada de gato preto, afinal, toda bruxa tem gato preto.
A lógica que vence meu cansaço.
- Porque não tenho camiseta preta?
- Preto não é exatamente cor de criança
- Não concordo, se preto é cor e criança gosta de cor, tem que ter de cor preta
Camiseta comprada. Falta uma pluma preta para ser a cauda.
Uma mensagem no celular chama para almoçar.
Quero ir mas dependo da agenda que depende de...
Variáveis que não controlamos.
Faróis que não controlamos.
Temperatura que não controlamos.
Li mais uma parte do livro. Ler livro como trabalho é uma variável que quero sempre controlar.
Avancei no relatório.
Quando a segunda-fera chega sem dó nem piedade, é melhor ter pensado nela com carinho já no domingo.
Ufa, sobrevivi!

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Festa

Olhou e não viu
Olhou de novo e tudo pareceu reluzir
Nunca se sabe onde os sentimentos se escondem
Nem dentro da gente
Nem fora
Nem além
Festa Junina
Festa da escola
Festa na rua
Festa - quem define a festa é o estado de espírito
Um estado inabitado
Olhou e não viu
Olhou de novo e tudo pareceu reluzir
Aproveitou a luz
Depois perdeu
Buscou outras festas
Lembra do nome
E de nada mais

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Pode xingar?

Quando eu era criança eu xingava.
Longe dos ouvidos da minha mãe, claro.
Porque se tem uma coisa que a propaganda não conta é que havaianas, além de não soltar as tiras, voa!
Longe dos ouvidos do meu pai também, e de seus olhos azuis vigilantes.
Eu xingava de bobo, de feio, um dos meus xingamentos preferidos e que eu achava o máximo de tão ofensivo era: sua pessoa sem graça!
Eu xingava de tonto.
Xingava às vezes de burro, mas eu tinha pena do burro e então só usava isso quando a briga era feia, composta por um repertório maior de xingamentos e eles iam acabando.
O repertório não era tão grande.
Era disso que eu xingava. Nada mais.
Hoje em dia eu tenho vergonha de ouvir os xingamentos que as crianças usam.
E não adianta olhar espantada para os pais ou os adultos responsáveis porque eles parecem surdos-mudos, mas quando abrem a boca, muitas vezes falam igual.
Eu só arregalo o olho.
E essa criançada toda tem ido parar em grandes empresas, em agências de publicidade e não raro usam essas palavrinhas para expressar uma coisa boa do tipo: nossa, essa campanha ficou do...
Não posso escrever, mas tenho certeza que todo mundo foi capaz de completar.
Sou antiga.
Eu para mim mesma diria: sua pessoa sem graça! Se incomodando com o linguajar dos outros, sua fora de época!
É, eu sou.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Álibis


E o que aconteceu naquela quarta-feira foi que saí desavisado
de que choveria e não levei a capa nem o guarda-chuva. Aliás,
esqueci-me até do chapéu.
Saí atrasado, apressado.
Queimei a mão na caneca de café, pisei no rabo de Aristodemo,
que como sempre, dormia na porta da cozinha.
A verdade é que não dormi bem. Tive pesadelos, fui picado por
pernilongos.
E como se não bastasse a noite infernal, o dia! Tem muitas
goteiras na repartição, eu não sabia se trabalhava ou se acudia os
móveis do aguaceiro.
Não pode me poupar? Vou para casa, tomo um banho e volto.
Como naquele dia, saí sem o guarda-chuva e preciso tirar essa roupa
molhada.


Faço questão de dizer que não sei de nada. Vim porque fui
obrigada.
Naquela quarta-feira eu fiz o que faço todos os dias. Sou uma
mulher de respeito, não fico de lá para cá.
Levantei cedo, fiz o café, arrumei a mesa e fui lidar no quintal.
Vi quando ele saiu porque Aristodemo gritou. Ele sempre pisa
no rabo do bichinho.
Eu sabia que ia chover porque tinha escutado no rádio. Por
isso nem fui para o tanque, fui fazer uns consertos nas roupas. Pregar
botão, arrumar barra, essas coisas.
Não posso ajudar. Não saí de casa, eu tenho medo de chuva.


Gozado, eu não me lembro bem daquela quarta-feira. Mas
também, não sou um homem de ficar recordando, observando,
guardando detalhes.
Sei é que choveu muito ali pelas dez da manhã.
Disso eu recordo porque era a hora que eu ia ao Dr. Veiga e
nem pude sair. Meu dente está sem arrumar até hoje.
Fiquei na sala fazendo contas, sabe como é, hoje em dia é tudo
na ponta do lápis.
Pois é isso, fiquei em casa o tempo todo.
Almocei. Sentei um pouco na varanda e fiquei olhando a
chuva.
Passei o dia olhando a chuva.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Tempo perdido

ah perdeu algumas horas que o tempo lhe reservou para perder mesmo
perdeu olhando uma margarida
tão branca no meio de mato tão seco
perdeu olhando a avó esperando pelo neto
quem mais lento que o olhar que perdia?
perdeu algumas horas
folheando revistas na banca de jornal
se a banca é de jornal porque as revistas abundam?
perdeu o trem porque demorou comendo
devagar o pão na chapa com café quentinho
perdeu algumas horas porque trocou
o pneu da moça que saiu com o carro do pai
ah perdeu algumas horas que o tempo lhe reservou exatamente para isso mesmo
para perder
deixar escorrer
deixar a formiga passar
deixar a tia contar toda a história de novo daquele moço que arruma panelas
deixar a jaboticaba amadurecer
deixar o vento dessarumar o jornal
ah perdeu algumas horas escutando o garoto do vizinho aprendendendo violão
e porque era exagerado essas horas não foram mais que minutos
e minutos assim o tempo separa na vida de cada um
pra que ela floresça e cresça sem piedade
das horas que tanto se quer economizar
pra que?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Bonito, né?

Terno bem cortado, sapato bom.
Mas acha que bituca de cigarro não é lixo e joga no chão.
Bem em frente ao prédio onde trabalha.
Prédio bonito. Todo envidraçado, colunas de aço escovado.
Mas não cumprimenta o porteiro quando chega.
Nem se preocupa em ajeitar o carro na vaga.
Deixa assim mesmo, torto, mesmo ocupando duas vagas.
As unhas bem cuidadas, parecem esmaltadas de tão limpas.
Mas não dá seta quando vai mudar de faixa.
E, falando em faixa, não respeita faixa de pedestre.
Quem olha nem imagina.
Não se sente pedestre nunca e por isso abomina as esquinas.
Não deixa ninguém entrar e qualquer movimento é gatilho para acelerar.
Na reunião fala inglês, espanhol, bom português!
Mas não agradece a água e o café, nem sabe que a moça chama Maria Inês.
Bonito.
Namorada bonita.
Carro bonito.
Apartamento bonito, minimalista.
Mas feio, de hábitos muito feios.
A mãe nem imagina, mas a babá bem que tentou avisar!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Balão

Balão de ar
Balão de água
Brincadeira de criança
A criança que fui
A criança que sou
Quando chove eu me lembro da enxurrada
E da mãe apavorada pra não deixar a gente se molhar
Pirulito e brigadeiro
Bala e goma de mascar
Peteca e pião
Carrinho de rolemã
A goiaba meio verde comida assim, direto do pé
A água que se bebia na torneira do quintal
O sol que escaldava os ombros saltitantes
Balão de ar
Balão de água
A criança que fui
A criança que sou
A criança que guardei
A criança que nunca parou de se encantar
Um dois, feijão com arroz
Mãe da rua e esconde-esconde
Esconde que eu quero encontrar
Em cada verso que eu ainda puder cantar
A menina magrela e sardenta
Que coreografa a vida com palavras que dançam para não se sentirem sós

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Juarez

e o que sabia de si mesmo era tão pouco que nas horas vagas vasculhava tudo dentro de si
e as horas vagas que tinha eram tão poucas que vasculhava no tempo os minutos que compunham horas escassas
e o que encontrava na arqueologia da vida sem graça era guardado como tesouro
e por isso falava sozinho quando almoçava sozinho no restaurante barulhento e disputado na fábrica
e porque falava sozinho era cada vez mais sozinho porque levantava suspeitas de que não era lá muito certo das ideias
e o que sabia sobre os outros era quase nada porque quase nada falava
absorvido
movimentos iguais
peças de peças que fariam uma peça final, sempre igual e para ele tão sem importância
o quarto nu da pensão
o jantar que era quase sempre pão
a tv com tão poucos canais
e o que sabia de si mesmo era tão pouco que não carecia explicar
vasculhava uma história dentro de si
vagueava nas horas que custavam a passar dos domingos de sol
absorvido
consumido por um destino que não tinha vontade de alterar
prazer, Juarez
mas tanto faz, tanto fez

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Indolência

A primavera é uma morena indolente, que pega os dias de um inverno cansado e os entrega ao verão.
Com sedução, com indolência.
Dias de primavera com sol preguiçoso, com vento que sopra em qualquer direção.
Dias que convidam a sorrir e prestar atenção.
Almoço sem fome, caminhada sem pressa.
O desfile dos grupos que saem para almoçar.
O quase uniforme das calças pretas com suas camisas brancas. Algumas alinhadas, outras em desalinho com o sobrepeso.
Saltos improváveis em joelhos que não se sustentam.
Quase todos os cabelos são loiros. Ou castanhos? Já se confundem no cruzar das ruas.
Quase todos os ternos são mal cortados e os ombros desaparecem na esquina das costuras apressadas.
A calçada desafia saltos finos e os bicos dos sapatos engraxados.
Os buracos são trapaceiros.
Os sorvetes vem derretendo a dieta que não se cumpriu.
A saia é bonita, mas curta demais.
O casaco é bonito, mas a cor não conversa com nada mais do que decidiu trajar.
Trajar é uma palavra perigosa.
A primavera é uma morena indolente.
O meio do dia pode mudar nossa direção.
Olhar a vida com indolência pode nos ensinar paciência e sim, eu preciso muito dessa lição!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

SIC

- ô Virgulino, o teu pai te boto esse nome porque ele gostava dessa coisa de escrever, ponto, vírgula, essas coisas?
- magina, que o pai nem sabia escreve lá ia sabe isso de vírgula?
- então é por causa de que? tinha um vô com esse nome?
- não, sei lá, acho que era nome de moda
- moda, que moda? se fosse de moda tinha um monte de Virgulino da sua idade né, não?
- ué, mas eu não nasci aqui, nasci lá no sertão, lá deve de te um monte
- será?
- ah num sei, morre muito minino pequeno, vai ve no cimiterio tem um bucado!
- hum
- e por causa de que voce tanto quer saber do meu nome? um cabra que chama Marinaldo!
- pelo menos eu sei explicá, minha mãe Marineuza e meu pai Reinaldo, junto os dois Marinaldo!
- gosto não, por isso lá em casa os menino tudo chama Pedro, João, José e Tereza - é nome feio mas todo mundo sabe escreve e falá
- feio nada, é tudo bunito, agora tem é um monte de rico que chama esses nome, é só que é tudo de dois, é João Henrique, Pedro Paulo, tudo assim
- ah eu simplifiquei tudo
- melhor, eu só tenho minha Maria Cláudia - Maria da minha santinha mãe do meu Senhor Jesus Cristo e Cláudia de uma patroa linda que tive lá em Santos...
- é?
- a Gisleine nem sonha que é isso, mas é...
- ó só Marinaldo, eu gosto é de cochilar depois de comê não de fica de papo, agora já tá quase na hora de voltar
- ié... e com esse sol, mas Virgulino, escutá só
- não, num quero escutá mais nada não, deixa eu descansá home!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Do's & Don'ts

Eu não falo palavrão.
Eu não faço gestos obscenos.
E eu não tenho o poder da síntese.
Portanto, concluo que não me comunico com outros motoristas enquanto dirijo e, não raro, eu quero me comunicar.
Segunda conclusão: eu poderia criar um intercomunicador já que temos tanta tecnologia disponível.
Wi-fi, tablets, projeções em 3D, painéis interativos, bluetooth, rfid, a lista não tem fim.
Eu poderia criar um dispositivo que me permitisse falar o que quero enquanto dirijo e esse recado seria projetado para o motorista do carro com o qual quero falar... No painel, em um leitor no centro do volante, no espelho interno e aceito sugestões.
Eu até poderia praticar e aprender algumas abreviaturas comumente usadas na internet além do vc, 4u, para ser ágil.
E o que eu teria para dizer? Posso listar, ainda sem síntese nem abreviações:
- o que seta significa para você?
- seu farol alto está ligado, piscando para mim, me conhece? ou pretende que eu te explique que não sairei para o canteiro central, que vou terminar de ultrapassar os três caminhões, das três pistas de rolagem, que andam a mais de 90 km/h dentro da maior velocidade permitida na rodovia.
Nossa, essa nem com síntese, nem com abreviação, só em uma palestra para motoristas idiotas.
Idiota não vem a ser exatamente um palavrão.
- Não fique nervoso, o pedágio se aproxima e há redução de velocidade. Eu vejo as placas, você não? Que perigo!
A única frase bem curtinha e bem maldosa, já que eu sei ser bem má quando quero seria: BEM FEITO.
Talvez com um canhão de luz colorido? No céu?
Daria pra ver de qualquer parte...

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

maçã mordida












sem pai, sem mãe
com amigos
com inimigos
com uma cabeça
que poderia ser a de um dragão
um homem manso
com quem nunca se encontrou
uma fera de homem
que sempre se reclinou
não está no sorriso
não está na lágrima
está em um tempo que transformou
sem pai, sem mãe
aprendeu a enfeitar letras
aprendeu a viver sem letras
aprendeu e dividiu
sem pai, sem mãe
que os postiços
lá serviram pra alimentar
de um amor que amor
bem que foi
se foi
sem pai, sem mãe
um cara que só mordeu
um pedaço da maçã

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Provas de Vestibular

Agora que tenho uma adolescente de doze anos preciso de uma auto avaliação.
Chegar aqui significou fazer a primeira prova do vestibular.
Estudar, pesquisar, experimentar coisas diferentes. Ficar sem dormir, conversar com outras pessoas o tempo todo sobre o mesmo assunto.
Contar o que senti.
Contar o que não senti e deveria ter sentido.
Exercícios importantes que deixei de fazer.
Exercícios inúteis que refiz muitas vezes.
E não adianta aproveitar tudo isso para a prova que ainda tem nove anos porque há perguntas diferentes.
Perguntas que podem ter duplo sentido nas respostas.
Pegadinhas.
Agora preparo-me para a segunda prova, a de aptidão, habilidade, específica ou seja lá que nome essa prova tenha agora.
Passei na primeira fase. Passei? Ainda não sei em que classificação, mas passei, sim.
Rumo a segunda.
Sempre fui boa aluna, mas provas, vestibulares sempre me deixam um pouco aflita.
A sorte é que posso fazer a prova em dupla e escolhi e fui escolhida pelo melhor "carinha" dessa classe - a vida.
Vamos em frente! A banca está sempre atenta!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tio

Assombrado por seu tempo não sabia mais como se comportar.
Quando tentava ser moderno, alguém sempre olhava torto, como se fosse um pecado.
Quando tentava contar as coisas do seu tempo, alguém sempre balançava a cabeça como quem diz essa história de novo?
Usava e-mail como ninguém, mas as respostas começaram a rarear e então descobriu que as pessoas não tinham mais tempo para esperar pela resposta, por isso se falavam por um quadradinho chamado de mensagem instantânea e mal aprendeu a lidar com isso, ninguém mais estava online.
Estavam todos nas redes sociais.
Chegou. Meio atrasado, mas chegou.
Primeiro só observou e depois arriscou os primeiros posts.
Eram sempre longos por mais curtas que fossem as ideias porque escrevia todas as palavras por inteiro.
E deixou de entender muita coisa porque não entendia as abreviaturas, mas não se entregou.
Fez novos amigos, encontrou antigos, a sobrinhada toda logo curtiu uma foto e ele se empolgou.
Um dia fez uma viagem espetacular a Nova Iorque, visitou uma feira de tecnologia e se fotografou em um painel interativo.
Postou usando o celular. Incrível. Estava tudo bem até que o primeiro comentário apareceu: ai que legal tio, como tá aí?
Nunca a palavra tio tinha pesado tanto. Nem respondeu!