E por fim decidiu que recomendaria mesmo, ao paciente, sua mudança radical do uso da internet.
Não que fosse contra a internet. Longe, muito longe disso! Uma maravilha dos tempos modernos.
Mas estudou, leu e releu as anotações das sessões anteriores.
O paciente cada vez mais deprimido e quase tudo pontuado com coisas que aconteciam pela internet.
Listou alguns exemplos para reforçar a tese.
O paciente tinha um blog onde escrevia sobre coleções inusitadas, um blog muito, muito bacana e, depois de um tempo, deixou de escrever porque encontrou outros blogs sobre o mesmo assunto e os considerou melhores que o seu. De cara mais bonitos, mas de conteúdo muito menos rico! E, como gostava de escrever e deixou de fazer, ficou deprimido.
Depois, ficou muito mais criterioso com as fotos que andava subindo nesses sites de relacionamento: Nossa, nessa aparece a parede da minha casa e não está bem pintada. Essa de jeito nenhum, que camiseta mais cafona! Como pude usar isso em plena visita a Berlim?
Começou a acompanhar a rotina de alguns amigos por esses mesmos sites e não fazia outra coisa a não ser pensar: nossa, a Aninha está em Paris? Nem me falou que ia viajar! Olha o Diego meu, de namorada nova, tomando vinho em Buenos Aires e eu não tenho nenhuma foto nova pra colocar. Como esses caras tiram férias? Com que dinheiro esses caras viajam? Onde circulam para arranjarem umas namoradas tão descoladas?
E nesse tom seguia a lista de exemplos. Sem dúvida a depressão do paciente estava piorando com o uso da internet. Recomendaria que usasse de outro modo, sem comparações, sem julgamentos.
Começaria pelo tema das férias e questionaria: Pode alguém estar realmente aproveitando as férias se fica o tempo inteiro narrando: acabei de acordar, está sol e vou pra piscina. Pouco depois: caminhando pela praia. Mais tarde: o jantar será no... e o cardápio será...
Duas hipóteses: não, a pessoa não está aproveitando e fica narrando apenas para que os amigos, incluindo o paciente, pensem que sim, que está uma maravilha ou, sim, a pessoa está aproveitando muito, inclusive aproveitando a internet para descrever coisas legais já que quando está trabalhando os tópicos são: o cliente não é tão flexível como eu gostaria, em reunião chata, não reembolsaram meu estacionamento, esqueci de enviar o email...
É, é um bom começo para a sessão de hoje. Mas cadê o Dagoberto que não chega? Já passa e muito das treze horas e ele nunca se atrasa! Não deixou recado com a secretária, não ligou no meu celular nem mandou um SMS. Será que me deixou um recado no Facebook? Melhor olhar de novo.
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