sexta-feira, 30 de abril de 2010

E eu ganhei um bolo

Já estou confundindo quantos anos tenho. E tenho errado a conta para cima.
Outro dia li um artigo em que falavam de como Abril é um mês cruel. De imposto de renda, de desastres naturais e uma lista enorme de coisas ruins e fiquei pensando, mas esse camarada não sabe que Abril é o mês do meu aniversário?
E o mês de aniversário do meu sogro, da minha mãe, do meu compadre, do meu amigo, da minha colega de trabalho, da minha sobrinha, da minha sobrinha-neta, caramba, esse camarada não sabe de nada!
Day off no trabalho, é um lindo presente. Dormi um pouco mais, almocei com as meninas e as levei para cortar o cabelo como se eu fosse uma mãe com total autonomia de agenda.
E recebi beijos, abraços, presentes, telefonemas, mensagens pela internet, SMS, arranhões da minha gata, tudo, tudo o que tinha direito no dia 28.
E, como adicional, no dia 29 que era o primeiro dia da minha idade nova recebi mais duas surpresas que dinheiro nenhum compra.
Minha amiga crespinha me ligou cheia de desculpas pelo atraso, mas ela estava na Disney! E falei com um grupo de amigas que deixaram o Pateta de lado para falarem comigo.
Mais tarde, em seguida a um outro abraço de parabéns, cobrei sem dó nem piedade de uma amiga baixinha, filha de confeiteiro, um bolo e não parabéns.
Desdenhou. Sorriu. E eu fiquei firme e forte em minha tese de que esse pai não existe, é um personagem imaginário, idealizado em algum momento difícil.
Pois não deu cinco horas da tarde e meu espaço foi invadido com balões, sorrisos, gente feliz que acredita que simplesmente gostar faz a vida diferente e eu ganhei um bolo!
Um bolo que o pai confeiteiro e mais real do que nunca fez de manhã, mas muito de manhã porque tinha um rodízio no meio do caminho.
Leve, delicioso, recheado de morangos e de uma verdade dolorosa: eu adoro fazer aniversário e ser paparicada, cumprimentada e surpreendida!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Tempos idos

O nome dela era Dina.
Baiana, pouco mais de um metro e meio.
Responsável por manter a casa em ordem, as roupas passadas e a comida pronta.
Brava.
Não gostava de bagunça.
Resmungava pelos cantos.
Mas adorava aquela casa.
Do lado da vila Mariana. Mas Dina nunca, jamais, nem por deus, entrava em uma estação, trem de metrô.
Não admitia medo, só fazia caretas.
Também não gostava do Mappin. Não ia ao Mappin, falava mal do Mappin e ponto, não tinha discussão.
Aniversário da Dina, resolvemos fazer uma festa.
Ficou feliz mas fingiu indiferença e se propôs a preparar comida baiana.
- mas não carrega na pimenta, olha lá as pessoas não estão acostumadas...
No grande dia, ela, agitada, arrumada, feliz e de cara amarrada pra fazer tipo.
A um que mencionou que iria em breve para a Bahia a pergunta:
- i é? eu tenho um "irimão" lá, se encontra com ele fala que eu tô bem que carta eu não escrevo não! eu não!
Ganhou um presente, abriu, e outro, e mais outro, um perfume, abriu, cheirou, passou, animada, feliz.
E mais uma pessoa, mais um pacotinho, que Dina virou, remexeu, chacoalhou e coroou:
- ah, um prefume... já ganhei um prefume hoje, esse eu vou guardar, não vô abri não!
- Abre Dina, veja se é mesmo um perfume, veja se gosta, agradece!
- não, não precisa, é um prefume mesmo, eu tô sentindo!
E saiu pra cuidar da cozinha porque afinal, a festa era dela, mas a cozinha, a comida, a limpeza e a ordem também!

terça-feira, 27 de abril de 2010

Produto tipo exportação

Estava trabalhando, pensando em qualquer coisa que não me lembro, quando um colega de trabalho se aproxima;
- você vai para Barcelona não vai?
Olho surpresa e confirmo:
- sim, hoje a noite, vou para uma reunião, quem te falou?
- pois é, aí é que pega, quem me falou foi o Carlos (o nome é fictício, não porque eu queira proteger o Carlos, mas é que não me lembro do nome do sujeito) lá do México
- nossa, como ele é bem informado! eu não comentei com quase ninguém, é uma reunião da área de planejamento estratégico
- então, é que a Nora (esse nome é de verdade) vai pelo México e ela comentou com ele
- e?!?...
- ele me pediu para enviar uma encomenda, você pode levar? daí você entrega pra Nora e ela leva da Espanha pro México e entrega pra ele
- e vocês não conhecem FedEx, DHL? Cast Away???
Ele riu e pediu que eu não fosse má, que o Carlos era um cara legal e que não custaria nada.
- está bem, mas estou saindo e vou para o aeroporto as 21h00, você já está com a tal encomenda? e o que é afinal?
- eu vou agora no shopping comprar e levo na sua casa e se eu chegar e já tiver saído, azar
- mas o que é? grande? pequeno? cabe na mala?
- é um par de sapatos e um pacote de pó para fazer pão de queijo
- sapatos? pão de queijo?
- ele é maluco por pão de queijo e adora sapatos brasileiros
- ai meu deus, e essas coisas não vendem pela internet?
- não ainda
- então tá
E lá fui eu rumo a Barcelona com um par de sapatos e um pacote de pó para pão de queijo recebidos dez minutos antes de entrar no táxi.
Pensando se a pobre Nora tinha sido avisada de que levaria uma encomenda na mala.
Quando desço em Barcelona, ¿dónde están las maletas de viaje? Perdidas em algum lugar.
Direto para o hotel, largar o pouco que tinha comigo, correr para El Corte Inglés, comprar algo para vestir no dia seguinte até esperar a bagagem.
E ela apareceu? Sim apareceu, com sapato, com pó de pão de queijo que na sequência voaram para o México e todos fomos felizes para sempre não é Hugo?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Entrevistando Valentina


- e então, qual é o seu nome?
- Valentina Nicolino Pereira
- quantos anos você tem?
- 7 anos
- do que você mais gosta de brincar?
- de esconde-esconde com a minha irmã e o meu amigo
- que bacana e quem são eles?
- minha irmã Antonella de 10 anos e meu amigo David
- e a escola, você está na escola?
- eu estou no segundo ano
- e você gosta?
- gosto um pouco
- um pouco? e de que matérias você gosta mais?
- de ciências e de história e geografia
- que interessante! você gosta de ler?
- eu gosto
- que coisas você gosta de ler?
- alguns livros que falam de coisas, falam de cachorro, e de livros de poesia e de poemas
- poesia e poemas? que lindo! e qual é o seu livro preferido?
- ai eu esqueci o nome, mas é um livro que fala de cachorro
- e de desenho animado, você gosta?
- gosto, gosto do Naruto
- Naruto? e qual é o seu personagem preferido?
- eu gosto do Pain, ele é do mal
- do mal? e você não tem medo?
- mãe, ele não existe!
- e você gosta de desenhar?
- eu amo desenhar, gosto de desenhar o Pain
- legal, muito legal! vamos falar de animal de estimação, você tem animal de estimação?
- eu tenho, eu tenho uma gatinha e um whippet
- e como eles se chamam?
- a gata chama Dora, de Dora aventureira do desenho e o cachorro chama Haku
- e como eles chegaram na sua casa?
- o whippet eu comprei e a gatinha eu achei na rua
- na rua? e quando você pegou ela não te arranhou?
- não, ela é bem boazinha
- e do zoológico, você gosta do zoológico?
- eu gosto, mas faz tempo que eu não vou, mas eu gosto muito
- qual seu animal preferido no zoo?
- hum, deixa eu pensar, o lobo!
- ah, o lobo é bonito! o que você pensa ser quando ficar adulta?
- dona de zoológico
- olha, precisa estudar os animais então?
- um pouco...
- quando você faz aniversário?
- dia 28 de setembro, a minha amiga Isadora também faz aniversário em setembro
- é um mês lindo, mês da primavera! e comida, qual sua comida preferida?
- lazanha, macarrão, nhoque e batata
- nossa, quanta coisa! então tem que beber algo pra acompanhar tudo isso, não?
- gosto de suco de uva, milk shake, água e detesto refrigerante
- hum, parece bem, qual sua cor preferida?
- azul, vermelho, laranja porque é a cor do cabelo do Pain
- nossa, quantas, você tem sempre muitas opções?
- é
- de que festa mais gosta? natal, páscoa? festa junina?
- festa junina, natal e páscoa
- de todas então?
- de todas
- o que ganhou do papai noel?
- o Flufy, um bull terrier de pelúcia, ainda bem que ele é de pelúcia, porque o de verdade é bem bravo! e o coelho da páscoa trouxe muitos e muitos ovos, eu comi tudo até acabar!
- e durante a semana, além de ir na escola, o que você faz?
- eu brinco, tem uns dias que eu vou na escola de inglês, eu como, escovo os dentes, assisto tv, brinco de novo e de noite eu janto e durmo
- do que você gosta no papai e na mamãe?
- o papai me gira na sala e a mamãe gosta muito de mim
- é verdade, vamos falar de música? você gosta de música, qual sua música preferida?
- eu gosto de música, mas não gosto que minha irmã cante, me irrita um pouco
- é? e música preferida?
- new new york
- olha, quem canta?
- a Dolores
- ah, cranberries...
- é, isso mesmo
- e games, gosta de games, qual seu preferido?
- prefiro o Sonic que eu jogo no meu PSP, mas mãe, eu quero um Pain de pelúcia, vende no Japão! eu já vi na internet!
- mas será que entregam aqui na Brasil? não sei não
- mas eu vou pedir pro papai noel, ele já me deu coisa que era dos estados unidos!
- ai, ai, vamos falar de cinema, gosta de cinema?
- adoro cinema e meu filme favorito é senhor dos anéis
- nossa, um filme de adultos!
- é mãe, mas você me deixa assistir! e eu gosto
- hum... e filme infantil, você tem, qual você gosta mais?
- perdi a conta de tantos dvd´s que eu tenho, e eu gosto de deu a louca na chapeuzinho
- vamos terminar?
- vamos
- vamos fazer uma foto sua com um desenho do Pain?
- lá fora...

Enquanto minha pequena treina para seu futuro brilhante eu testo meus conhecimentos.
E se me perguntarem: qual seu passatempo favorito?
- Redescobrir minhas pequenas. Encantar-me com o simplesmeste estar junto.


sexta-feira, 23 de abril de 2010

O que posso fazer?


Quem determina onde nascemos, se nascemos homens ou mulheres e quanto tempo devemos durar?
Não, a resposta não deve começar com no princípio era o verbo!
Fico pensando nas mulheres. Não sou feminista nem feminininha, de usar lacinho, sou ser humano do sexo feminino, mas às vezes ouço ou leio algumas coisas e obrigatoriamente tenho que calçar os sapatos alheios e me transportar para as situações.
Uma província da China, mulheres que não podem dirigir, é lei e já tem quase dez anos, motivo: elas causam muitos acidentes.
Não concordo nem discordo com a teoria, se é machista ou não. Às vezes deixo alguns marmanjos no chinelo, em outras sou apenas esforçada, mas na média me locomovo bem de carro na cidade ou na estrada, tenho medo de ladeiras e como questionava ontem um dos meus amigos, na maioria das vezes, não entro na vaga de ré.
Como seria não poder dirigir? Moraria em São Paulo, perto do trabalho? Ou moraria em Jundiaí e trabalharia em uma banca de frutas? Não trabalharia e iria sempre com marido para os lugares? Faria tudo, tudo, de ônibus, trem e metrô? Táxi? Teria motorista?
Para cada pergunta uma variável capaz de mudar todas as repostas.
Ser uma afegã e usar burca, ser uma afegã, morar na França e usar burca.
Como seria usar burca? Calor. Cuidados especiais com a pele? Roupas improváveis por baixo do encerado? Seda pura? Para quê? Para quem?

O que faço com todos os sapatos que posso usar? Com todos os carros que posso dirigir? Com toda profissão que posso escolher? Com todos os livros que posso ler? Com todos os filhos que posso ter? Com toda religião que posso rezar? Com todo voto que posso votar? Com todos os blogs que posso escrever? Com todas as viagens que posso fazer? Com todos os olhares que posso olhar?
Com toda comida que posso comer? Com toda bebida que posso beber?
O que posso fazer para que todo ser possa simplesmente ser?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Desejos

Outro dia, ouvindo no rádio o meu programa de esportes, acompanhei a preocupação dos jornalistas sobre a situação perigosa da África do Sul para o mundial. Um jornalista que teve a bagagem roubada no trajeto que ela faz entre a aeronave e a esteira do aeroporto. Outro, ou o mesmo não sei, que foi assaltado nove vezes no mesmo dia.
Ouvia, mas não pensava até que um deles disse: eu ainda acho que a copa não vai acontecer. Sabe como quando somos crianças e em vez de estudar para o exame ficamos torcendo para a professora morrer?
E aí eu pensei: caramba, mas não podia ser algo mais simples, do tipo uma nevasca? Mesmo em um país tropical? A professora morrer já é demais.
Sempre nos excedemos em algumas situações para aumentar a dramaticidade. E era apenas isso o que ele estava fazendo.
E então, mergulhei nas minhas histórias de soluções mágicas para problemas bem reais.
Lembro-me de imaginar planos de como situações inusitadas poderiam me salvar de apuros, mas não me lembro com detalhes e entristeci.
Parte da minha história se foi.
Já bem mais velha, quando saia da escola em noites frias e precisava esperar o ônibus, desejava muito que meu namorado aparecesse em seu carro novo para me pegar.
Mas que carro? Se não tínhamos nem carteira de habilitação?
Prova, nevasca.
Apresentação na frente de trezentas pessoas, queda de energia.
Encontro com cliente novo vindo da África do Sul, alagamento em São Paulo.
Algumas coisas eu nem dou conta de imaginar.
Um dia desses, várias reuniões agendadas, caiu uma árvore em frente ao prédio. Todas as reuniões canceladas. Já faz mais de um mês e ela ainda está lá, recolhidinha, encolhidinha na calçada, envergonhada diante das companheiras que resistiram ao vendaval. Humilhada.
Reunião remarcada, o comentário:
- olha, a árvore ainda está aí, você não estava me dando uma desculpa para não ter a reunião e caiu na gargalhada
- é, na verdade eu pedi à prefeitura que a deixasse ali até você vir, mas agora que ela está tão seca, vou pedir que deixem para que façamos uma fogueira de são joão, vai ser uma fogueira linda!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Histórias da Cozinha

Era assim quando meu pai resolvia ser um homem moderno e ajudar minha mãe na cozinha:
- Luzia, eu vou ajudar, eu posso descascar as batatas, num tá bão?
- Tá ótimo!
Aí ele se sentava na mesa, empurrava a toalhinha o vaso e começava:
- Lucia, pega uma bacia e umas batatas pra mim?
- Luzia, qual que é a melhor faca? Você pega pra mim?
- Lusiinha, me dá ali aquela vasilha plástica que é lá que eu vou por as cascas
E depois de um tempo...
- Nossa Luiz, mas assim não sobra batata nenhuma, olha que casca grossa que você tira? As batatas estão quadradas!!

Era assim quando meu pai acordava com sintomas de pressão alta:
- Hoje eu não tô muito bom, pra janta podia fazer uma saladona de chuchu, é bom pra pressão
E a noite quando chegava em casa:
- Nossa, quanto chuchu! Não sobrou daquela carne de ontem? Esse negócio de chuchu não dá, chuchu é metade água e metade chuva!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Repensar a vida

Sentou-se para descansar, mas a mente não se senta, não se deita.
Enquanto maquinava como se desligaria de tudo, esticava as pernas, bebericava uma cerveja.
Não estava gelada como gostava, mas estava tão cansado para reclamar.
Beliscou o queijo mal cortado, espetou uma azeitona enquanto outra, mais esperta, escapuliu para debaixo da mesa.
Tudo se resumia a isso então?
Acordar cedo, tomar um café na padaria, esperar o ônibus. Bater o cartão, esperar as ordens do inspetor, executar, ouvir uma bronca ou outra, elogio jamais.
Almoçar no barracão. Suco sabor amarelo, porque a fruta não se sabe.
Carne sempre a mesma, qualquer alcatra colchão duro. Batata sempre, que batata dá sensação de barriga cheia.
Café pelando, um pelando de requentado. Quem conhece sabe a diferença!
O trabalho depois do almoço é mais do que sacrifício. Um esforço sobrehumano.
E depois, pegar o trem, o ônibus, chegar em casa e ser tranquilo, mesmo escutando as lamúrias sobre as contas que ficaram sem pagar.
Hoje decidiu que não ia chegar. Que ia parar no boteco e por a cabeça pra descansar. Uma cerveja gelada não deixa ninguém mais pobre. E nem tão gelada assim.
Sentou-se para descansar, mas a mente não se senta, não se deita, ele achou que era hora de repensar a vida. Foi então que a coisa se deu!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sem palavras

E se um dia eu acordar e não tiver absolutamente nada para dizer.
Nada para escrever.
Nenhuma história para relembrar.
E se meus personagens, Maria Eugenia, Ana, Venâncio, não se apresentarem, não se dispuserem a ser parte de nenhuma história que eu possa criar.
E se um dia eu acordar e escolher um livro para me distrair e as letras começarem a fugir, desmanchar frases e histórias e um vazio enorme começar a tomar conta de tudo.
Por isso, talvez seja melhor fazer anotações em um caderninho de algumas palavras.
Aleatoriamente.
Depois, se um dia eu acordar sem palavras, talvez eu possa recuperar algumas desse tal caderninho.
Ainda não tenho o tal caderninho.
Algumas palavras já me escapam.
Venâncio me ignorou quando pensei em contar uma história de um menino que tinha estilingue, mas não mirava direito porque no fundo, no fundo, não queria acertar. Mas se não tivesse um trem daqueles, não podia estar à vontade na turma. Venâncio não se apresentou para ser esse menino.
Ana se foi, Maria Eugenia apenas sorriu.
Mas talvez não seja hoje, ainda, o dia em que acordei sem saber o que escrever.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A macaca

Para algumas meninas os pais são heróis tão perfeitos que nada de ruim se supõe que pode vir deles.
Comigo se passou isso.
Eu sempre dando de ombros para as coisas não tão boas do meu pai, e aquele hum característico da minha mãe, o máximo que ela conseguia expressar de sua desaprovação. Tão consciente de que nada me poria contra meu pai. Tão boa a minha mãe.
E o mesmo se deu com meu avô Augusto e não se deu com meu avô Mário porque não o conheci, mas ele também era perfeito.
Muitas vezes pensei em guardar essa história horrível de meu avô Augusto só para mim. Dói manchar a biografia do bom italiano. Mas tenho que resgatar histórias. Não posso me furtar.
Moravam em uma fazenda.
Minha tia Helena, muito vaidosa, penteadeira cheia de cremes, pó arroz e batons!
Uma janela ampla, que deixava o quarto iluminado, uma janela baixa.
Uma grande árvore fazendo sombra em toda a frente da casa.
E uma macaca que achava mais divertido aproximar-se das coisas humanas do que das coisas da mata.
Uma macaca bicho, uma macaca de verdade.
Ela roubava alguns ovos, chuvapa e no alto da árvore, diante das mulheres atarantadas da casa, exibia sua boca amarela, fazendo ruídos de quem estava zombando.
Mas eram tantos ovos produzidos ali que mais achavam graça do que qualquer outra coisa.
Porém, um dia, a macaca descobriu a janela aberta e a penteadeira repleta de minha tia Helena.
Começou a roubar batons. Passava na cara toda e ficava lá, na árvore, fazendo fusquinha para minha irritada tia Helena!
Pois foi então, que de tanto a mulherada reclamar, meu avô Augusto preparou a espingarda e ficou alerta para mais uma traquinagem.
Não demorou muitos dias para a tal macaca aparecer. Seu Augusto não se apiedou, mirou e derrubou!
Dizem que ela mostrou um macaquinho, um filhote, na esperança de que ele não atirasse, mas isso eu já não sei.
No fundo, no fundo, as mulheres deviam ter maneirado com as reclamações e então, eu não teria essa coisa horrível para contar de homem tão bom!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Chapa

chapa. S.f. 1. Designação comum a qualquer peça lisa e pouco espessa... 2. terreno ou outra superfície plana. 3. chapa eleitoral... 4. camada fina e lisa... 5. grav. desenho aberto... 6. Fot. Chapa fotográfica (2)..................... 17. Bras. Pop. Companheiro, camarada, amigo e cheguei onde queria chegar.

Queria entender porque se chamam chapas os homens que ficam na beira da estrada, acenando para os caminhões como se os motoristas que neles vão, cansados, saudosos, dopados, fossem seus velhos amigos, velhos camaradas.

Quando preciso meditar escolho um e traço-lhe uma biografia: metalúrgico demitido, três moleques para criar, uma mulher que trabalha como manicure e faz um arroz com feijão e mau humor, reclamando da vida.
A estrada é um caminho. Que tem ida na boleia até um destino certo para ele, incerto para o condutor, que depois implica em uma volta. A pé? De ônibus? De trem?

São homens invisíveis na beira da estrada.
São homens que no verão carregam em suas mochilas surradas um garrafão de água e um sanduíche.
São homens que no inverso reunem gravetos para uma fogueirinha.
São homens que literalmente veem a vida passar.

A vida passa em caminhões carregados.
A vida passa em carros mil, que sofrem na subida e querem descontar na descida.
A vida passa em carros do ano, vidros escuros, macios, velozes.

A que horas chegam e a que horas se convencem de que deu para a féria do dia não sei dizer.
Não sou chapa dos chapas.
Observo suas placas, de papelão, de madeira, e desejo que sejam visíveis e felizes.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Tem mato que nasce no mato


Tem mato que nasce no mato. Na floresta fechada. E passa a vida inteira sendo mato do mato.
Ninguém pisa, ninguém arranca, ninguém retrata, ninguém escreve poesia.
Mato do mato. Mato pra sempre.
Tem mato que nasce no jardim e é um mato indesejado.
Um mato bonito, mas logo pisoteado, xingando, arrancado. Um mato mal amado, um mato maldito, um mato natimorto.
Tem mato que nasce na beira da alto pista.
Enquanto a prefeitura não vem ele fica ali, um mato de cidade.
Um mato empoeirado, um mato acanhado, um mato sem nem mesmo saber que é mato.
Tem gente que nasce no mato.
Tem gente que nasce na cidade grande.
Tem gente que nasce no mato e vem para a cidade grande.
Escrever sobre o pobre mato perdido na beira da marginal.
... oh mana deixa eu ir, oh mana eu vou só, oh mana deixa eu ir pro sertão do caicó...
eu aqui só tenho medo... de um dia deixar de ver o mato assustado

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Delicadezas

Não sabia o que fazer com a sensação de o tempo está passando e nada está acontecendo!
Mordia os lábios. A unha não roía porque além de feio não é nada higiênico. Mas mordia a base do dedão. Tem um nome essa parte gordinha, quase palma, que quando fechamos a mão se avoluma?
Ali sim gostava de morder.
Olhava na agenda e as semanas pulavam umas sobre as outras. Sem constrangimento, sem desfaçatez.
Gostava de pular amarelinha. Isso sim faz sentido. Tem ordem, ida e volta e a sorte é toda sua da pedrinha cair na casa certa ou não. E o equilíbrio é todo seu. Tudo sob controle.
Carregava um mundo de idéias ensacadas, esperando o momento de transformá-las em é isso!
Mas quando é que isso acontece?
Conheceu gente que viveu a vida toda sem conhecer o mar.
Conheceu gente que nunca saiu da cidade onde nasceu.
Conheceu gente que deu de ombros por não saber uma coisa ou outra.
Conheceu gente que riu a valer de suas aflições.
Apenas vá vivendo minha velha, dizia a velha Açucena. Como teria sido seu rosto agora tão enrugado quando tinha lá os seus dezessete anos? Uma flor que ninguém colheu?
Uma angústia de quero mais, preciso mais, de temor do futuro, de aflição pelas coisas que se arrastam.
Resolveu que todo dia escreveria uma coisa boa que lhe aconteceu para cultivar pequenos prazeres. Preparou um caderno bonito, escolheu uma caneta macia e ficou com a mão suspensa, esperando desesperadamente se lembrar de algo bom para escrever.
Foi então que o telefone tocou e ela anotou:
... hoje, no final do dia, não atendi o telefone porque estava ocupada comigo, era hora de um copo d´água fresca e uma espiada pela janela...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Eu tenho um par

Eu tenho um par. Ímpar.
Ele é meu par há 21 anos. Maioridade. Casados "no papel" serão 20 em setembro.
O que eu mais gosto no meu par é que eu o escolheria de novo para fazer essa travessia comigo.
Às vezes, quando conto coisas cotidianas sobre o meu par, fico pensando se eu realmente demonstro o quanto as pequenas coisas que ele faz para mim são grandes.
O meu par tritura linhaça de manhã para eu comer com frutas ou iogurte.
O meu par sabe o meu tamanho e é capaz de me surpreender com uma peça de roupa, um sapato que não precisam de troca.
O meu par desenhou um anel para mim, ainda não fizemos, mas já ganhei a pedra.
O meu par me leva café na cama.
O meu par escolhe o pior lado da garagem porque sabe que eu não sei estacionar direito.
O meu par me elogia.
Ouve atento as lamúrias do trabalho e me dá conselhos.
O meu par me manda links com matérias de negócios, com uma música que o fez lembrar de mim ou com uma piada engraçada.
O meu par me fotografa.
Preocupa-se comigo quando atarefada ou desconcentrada não ligo para casa.
O meu par me desenha.
O meu par é ímpar.
Ele tornou possível o grande sonho de ter menininhas, que como ele, são talentosas, divertidas, bonitas.
O meu par separa matérias no jornal e as lê para mim enquanto janto, tarde da noite, fora de hora.
O meu par fica com as crianças quando viajo a trabalho.
Cozinha, conhece as carteirinhas de vacinação. Tem o telefone da pediatra, do otorrino, lembra o nome dos remédios do dia a dia.
Com meu par quero ver o crespúsculo. A lua cheia. Correr da chuva. Passear com o cachorro.
Tomar um vinho, tomar uma cerveja.
Com meu par quero ir ao cinema e ver um jogo de futebol no sábado a tarde.
Com meu par quero voltar a ser criança, enquanto nossas crianças crescem.
O meu par nem sempre lê as minhas prosas e as minhas poesias, mas também, nunca conheci ninguém que tivesse um par perfeito!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Juca & Jaqueline

Ele loiro, de olhos cor de mel. Meigo, matreiro.
Ela morena, de olhos verdes. Meiga, ladina.
Gatos que me acompanharam nos anos 90.
Viralatas, oportunos, companheiros.
Ele, jogado no quintal de uma amiga com um punhado de irmãos, me foi entregue porque, segundo ela, eu gostava de gatos amarelos e desde criança não tinha um. Verdade.
Teve raquitismo porque não mamou na mamãe gata.
Levei-o ao veterinário diariamente por dias a fio porque extraí-se com sonda os restos do pouco que comia ou bebia.
Alimentado com sardinha crua, comprada na feira de nariz não tapado apenas para não ser indelicada com o vendedor.
Deitava-o em uma almofada no sol e era preciso ajeitar a posição porque sozinho não podia.
Um gato desenganado que sobreviveu para me mostrar que paciência e cuidado podem muito.
Ainda tenho isso?
Enquanto cuidava dele nada mais me importava. Que bom.
Viveu mais de dez anos. Sossegado em meu colo em tardes frias enquanto eu lia um livro qualquer. Um atrás do outro e mais outro. Tardes de sossego.
Ela, salva por tia Ana de um ataque feroz de um pobre coitado de um ser humano, que achou por bem amarra-la toda com barbante depois de espancá-la e jogar na rua.
Em um almoço de domingo ela me escolheu.
Pulou no meu colo, olhou nos meus olhos e nunca mais deixamos de nos entender.
Eu a levei para casa em um domingo de muito frio escondida em meu sobretudo, mesmo dentro do metro.
Seu único medo de gata arisca, de gata esperta, de gata inteligente, era da vassoura. Nunca precisou me contar o porquê.
Deitava-se sobre o livro que eu pretendia ler. E aprendeu abrir a maçaneta da porta da cozinha, subindo em um canto da pia, se resolvíamos que podia dar um tempo na área de serviço.
Jaqueline & Juca gostaram um do outro.
Companheiros por circuntâncias namoraram e tiveram filhotes.
Nos deixaram por velhice, quando as crianças chegaram.
Sem eles nossa vida teria menos graça.
Quase dez anos depois Dora chegou.
Minha caçula comentou:
- sabe mãe, ela anda pelo condomínio, todos gostam dela, mas ninguém quer ficar, ficar com ela e hoje ela me seguiu até aqui
- é mesmo? ela seguiu você pelo condomínio afora?
- bom, ela seguiu um pouco, depois ela ficou cansada e então eu acabei de trazer no colo mesmo
- hum...

Alimentada, registrada, com horário na veterinária para todos os procedimentos, dominou a casa, as crianças, o cão.
Acorda agitada e uma das principais tarefas dela é divertir-se com uma bolinha de papel, enquanto eu tomo café e contemplo a vida. Abasteço meu olhar de sua existência simples e descomplicada para encarar o dia a dia.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Vida besta

Carregava o mundo nas costas.
A mãe doente, resmungona.
O irmão mais velho, alto executivo, aparecia no Natal por obrigação, não para a ceia, no meio da tarde, um beijo, uns presentes comprados pela secretária.
O pai já se fora. Ele sim saberia lhe contar uma anedota e tornar tudo mais leve.
A vizinha implicava com as flores que ela tinha no parapeito da janela. Folhas secas sujam quintais.
O filho, um adolescente estudioso, trabalhador, tão calado que nem se deu conta de quando a voz de menino engrossou.
A irmã, no terceiro marido e de cabelos de cor indecifrável, sempre alegre, sempre sem problemas, sempre de bom humor e por isso sempre sem nenhuma responsabilidade sobre nada.
Os sobrinhos gêmeos do segundo marido, mais na casa da avó paterna do que em qualquer parte.
Carregava o mundo nas costas.
O marido? Ah sim, um motorista de caminhão, braço tatuado: amor de mãe, amor eterno.
Não é preciso nenhuma outra explicação.
Carregava o mundo nas costas. O viralata de nome Simpático o único que lhe fazia festas.
Planejara muitas vezes juntar umas roupas numa sacolinha de supermercado e deixar que a vida a encontrasse em algum lugar.
Mas nunca teve coragem nem de contar que juntava moedas do troco da feira para comprar coisinhas de mulher: uma calcinha nova, um batom.
Onde descarregar o mundo?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Onde andará Ana Maria

Não atendeu o telefone.
Não atendeu a campainha.
Não abriu a porta nem para pegar o jornal.
Ele ficou esperando.
Primeiro um telefonema, depois um recado, uma carta, um anúncio no jornal.
Ela não sabia como dizer.
Ela não queria dizer.
Na verdade ela nem entendia o que precisava dizer.
Mas o fato é que o amor se fora.
A vontade de conversar se fora.
Ver um filme? Não, melhor ler um livro na cama.
Jantar? Não, melhor preparar um sanduiche e mais tarde um copo enorme de chocolate.
Por isso deixou passar.
Ele questionou os amigos.
Ninguém sabe, ninguém viu.
Um dia ela resolveu que dispensaria a ajudante e ela mesma lavaria as roupas e os pratos.
Talvez passasse. E compraria um aspirador moderno.
Melhor não ir à festa da Mariana.
Nem pensar em ir ao casamento do Cadu.
No outro dia ela acordou mas resolveu não ir trabalhar.
Ficou na cama. Tudo desligado. Telefone. Som. Luz. Janela fechada.
Se não fez nada, não era preciso tomar banho.
Foi se deixando ficar.
Se ontem não foi trabalhar, por que deveria ir hoje?
Não tinha mais o luminoso do hotel em frente para distrair-se, era uma lei isso de não ter mais nome de nada em lugar nenhum?
Que importa?
Apavorou-se quando abriu o último pacote de biscoitos e puxou o último pedaço de papel higiênico.
Enquanto arquitetava estratégias para vencer esses desafios, toda gente andava se perguntando:
- onde andará Ana Maria?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Não agora

De vez em quando tenho inveja dos loucos.
Do poder de apenas ser sem se importar com nada.
E na sequência fico com medo de ter inveja, porque inveja é um pecado capital.
Não tenho medo do fogo eterno.
Não acredito em cores para a inveja, branca, que não faz mal.
Não faz mal aos outros, a nós sempre há de fazer.
Se eu simplesmente saísse andando.
Andando e rindo e cumprimentando as pessoas.
Arrastando como a calda de um vestido branco que não usei a torrente de impropérios que me seriam ditas.
- como assim? não entregou o plano?!?
- não depositou o dinheiro da empregada?!
- não sei, não apareceu na reunião...
- minha mãe não pode vir na apresentação de música!
- não era pra ter um presente de aniversário para a Carolina?
- deixou o carro aberto, no meio fio, farol aceso
- levantou mas não escovou os dentes

Será que seriam essas as observações?
E onde estaria eu?
Num banco de nuvens fofas. Contando passarinhos.
Repousada de minhas obrigações.
O telefone toca. O telefone sempre toca quando queremos enlouquecer.
Um frio na barriga e um desejo enorme de que seja engano.
Tenho inveja dos loucos, mas não posso simplesmente decidir que vou enlouquecer.
Não agora.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Fugas

Sentou na calçada e disse que não ia mais a lugar algum.
A mãe caminhou serenamente e dobrou a esquina. Com as mãos frias, ficou quietinha, esperando.
Apareceu correndo, assustado, coração aos pulos.
- mãe, eu tava brincando, eu vou com você, não quero nunquinha ficar longe de você...
O olhos se encheram de lágrimas. Os quatro olhos.

Eu quero ir embora dessa casa! Eu não aguento mais. É tudo não. É tudo depois. É tudo a gente não pode filha! Que saco!
Era um tempo difícil. De viuvez trágica e recente. De filhas adolescentes para acabar de criar.
Uma tão quieta. Não só de tristeza, de natureza.
A outra tão ardida. Não só de revolta, da vida.
Sabe do que mais? Eu vou tomar veneno. Eu vou me matar! Não foi isso que o meu pai fez?
Num gesto extremo e misturado, deixou a filha no quarto. Na cozinha, pegou meio copo de água, misturou água e sal, gosto ensebado.
Voltou ao quarto, pegou a menina pelos cabelos, sentou na cama e foi obrigando-a a beber a mistura inocente.
- não quer tomar veneno? não quer morrer? pois toma, toma logo, toma tudo e acabamos já com isso
Sentindo o gosto estranho, esperneou, se sacudiu, se soltou, cuspiu e seguiram suas vidas silenciosas e cheias de dor.

- Olha, ganhei um desenho... que bonito!
- Não mãe, não é um desenho bonito. É um recado.
Sou eu e o Haku. Aqui é nossa casa ficando para trás. Essa é nossa trouxa de roupas.

Vamos para Hollywood, aqui em casa não dá mais. É todo mundo contra mim...

A minha caçula é bem menos radical em seus arroubos de fugir de casa.
O meu medo é que o destino é sempre muito longe, Estados Unidos, Espanha, França, mas como ela sempre leva o cão, devo confiar de que ele saberá trazê-la de volta!