Tinha
um frio na barriga desde que nasceu.
Mas
levou mais de cinquenta anos para entender que o frio na barriga era só medo do
futuro.
O
futuro nunca chega. A gente vai vivendo devagar e tem a sensação que o futuro
vai acontecer como uma apoteose.
Como
quando vamos dormir em noite de tempestade e acordamos com um céu claro, azul
vibrante, sol brilhando de ofuscar o olho mais escuro que se pode encontrar.
Quando
entendeu que o frio na barriga era medo do futuro começou a listar os “ses” e
quase se desesperou.
E
se tivesse largado os estudos, se casado com o primo do sítio e apenas criasse
galinhas?
E
se tivesse estudado inglês, alemão, francês e se tivesse feito jornalismo e
viajado o mundo escrevendo histórias maiores.
E
se tivesse tido filhos?
E
se tivesse tido um gato, um cachorro ou mesmo um papagaio?
E
se tivesse se atrevido a beijar aquele moreno na quermesse da igreja?
E
se tivesse prestado um concurso público e tivesse um trabalho burocrático e
silencioso onde o problema maior seria atualizar os carimbos no final do ano?
E
se tivesse frequentado a igreja e se tornado uma voluntária?
E
se tivesse se tornado uma nadadora de mar aberto?
E
se tivesse aprendido a sambar e se trabalhasse o ano todo só pra juntar o
dinheiro pra fantasia e pra passagem até o Rio de Janeiro em todo fevereiro?
Por
mais que listasse os “ses” o frio na barriga não passava.
Quando
esquentou foi de repente e ela demorou um tempo para entender que o menino que
pedia a bolsa no ponto de ônibus tinha uma faca bem afiada.
Morreu.
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