quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Fotograma

Ele dirigia um caminhão de lixo, moreno, de boné, entrou na minha frente sem a menor cerimônia quando a preferencial era minha.
Eu não quis voltar a olhar para ele quando fez a curva, porque não queria sentir raiva de um ser humano que é apenas um infeliz exercendo o seu mísero poder.

Eram bonitos eles.
Ela em uma improvável calça cor de limão e camiseta branca apoiada na bicicleta, um pé no chão, um pé no ar. Os cabelos transformados fugindo do rabo de cavalo esvoaçando pelo rosto moreno e sorridente.
Ele suportava o peso da mochila para conversar mais e mais com ela. Parados na passarela da ponte. De onde vinham e para onde iam ninguém precisa saber.

O dono tinha uma aparência lamentável. O cão parecia um príncipe descansado no gramado, sobre o cobertor. Vira-lata. Loiro. Grande. Cara de bonachão. E depois, se fosse uma cadela, seria tudo isso e um pouco mais. Esperando seu destino de vira-lata de mendigo, parecia mais um rei bom.
São bons e fiéis os cães dos desvalidos.

Fotogramas do meu caminho.
Fotogramas da cidade.
Fotogramas que vão compondo o filme da minha retina, que repinta o que me faz sentir.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Véspera

s.f Dia imediatamente anterior àquele de que se trata. A tarde. S.f.pl. Dias que antecedem mais proximamente um fato ou acontecimento: às vesperas da independência, pressentia-se o desfecho iminente.
Religião católica: parte do ofício divino que se celebra à tarde, depois das nonas, hora canônica correspondente às duas ou três horas da tarde.

Mas não é isso o que importa.
O que importa é que uma véspera nunca é lembrada depois que passou.
Nenhum dia é tão intenso de expectativa e ansiedade como uma véspera e tão esquecido na memória futura que se vai construir.


Véspera de casamento.
Véspera de vestibular.
Véspera de um nascimento.
Véspera de Natal e Ano Novo talvez sejam as vésperas que se salvam nas recordações engavetadas porque por si só são os acontecimentos.
Fora isso...
Quem se lembra da véspera?
Se o dia imediatamente posterior é o grande astro do acontecimento.
Véspera do primeiro dia de aula.
Véspera da primeira viagem de avião.
Véspera da primeira estréia.

As vésperas se reúnem em uma daquelas gavetinhas que temos na memória, tantas vezes descritas.
Mas são silenciosas. Não falam nem entre si.
Véspera de coisa boa, véspera de coisa ruim, irmanadas em sua natureza de véspera.

Todo hoje é véspera de amanhã, alguém poderá pensar.
Mas nenhum dia pode se vestir de véspera se o coração não estiver acelerado, enorme, se as mãos não estiverem agitadas, os pezinhos balançando.
Não, as vésperas não vivem de filosofia, elas vivem de ansiedade e quase sempre de alegria.

Eu sou véspera de mim, ansiosa e confinada, alegre e depois resguardada, dia sim, dia não, até a véspera do fim.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ogoláiD

- Bom, é um tempo de tudo sei.
- Ah é? Eu não sei uma porção de coisas.
- Bom, de cara eu já sei que uma pessoa com menos de 30 anos não fala uma porção de coisas.
- Ah não? E fala o quê?
- Sei lá, fala não sei uma porrada de coisas.
- Sei lá não, porque se é um tempo de tudo sei você acaba de cair em contradição.
- É só uma expressão, dãh.
- Certo. Mas como porrada se encaixa nessa frase? Eu sei o sinônimo de porrada e não me parece fazer muito sentido.
- Aí é que tá! Você precisa intuir o significado da coisa.
- Hum, é para mim será bem complicado, eu tenho intuição para outras coisas.
- Você não pode ficar amarrada nas literalidades...
- Está ficando cada vez pior...
- Mas você está entendendo o que estou dizendo, certo?
- Bom, não estou muito segura, mas acho que estou acompanhando o raciocínio.
- Isso, isso, o que não pode é ser lenta, ficar pensando, tem que sacar na hora e responder de pronto!
- Mas, se eu não entendo tenho que perguntar, certo?
- Nem sempre, se é tempo de tudo sei, faz uma cara e depois procura no Google...
- Ok, mas e se para continuar a conversa eu precisar saber com certeza, não posso perguntar?
- Olha, isso era cool nos anos 80, agora não é mais.
- Como assim cool? O que era cool nos anos 80?
- Achar que quem pergunta tudo o que não sabe é que é bacana, inteligente.
- Complexo para mim.
- Oh, eu tenho mó paciência e você pode treinar comigo... eu não quero pagar mico!
- Está bem, saquei.
- Agora! Viu como não dói? Sacou? B'ora lá treinar!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Teatro de Sombras

O teatro já fez parte da minha vida.
Já fiz parte da vida do teatro.
Da parte boa e da parte ruim.
Da parte boa de conhecer Paulo Autran.
Da parte ruim de esquecer o texto e quase ter um acesso de riso.
E hoje, uma vez mais o teatro cresceu em nossa rotina.
Teatro de Sombras.
No país dos prequetés de Ana Maria Machado.
Estrelando Valentina.
Voz, sombra e para mim pura luz.
Identificar uma sombra entre tantas sombras como figura que te ilumina...
Não tem campainha no início ou aplausos no fim que possam competir com o pulsar do coração.
A escola, às vezes, me obriga a quebrar a rotina e é bom que faça isso para que eu possa sempre ter bons olhos e outros olhos para o que me faz ser feliz: Valentina!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Água de beber

Quando era pequena, leite. Não lembro.
Não lembro de gostar de leite.
Quando era menos pequena, água.
Água da torneira, água da geladeira, água da moringa, água da mangueira.
Água debaixo de sol, quente.
Pra quem está descalça, suada, brincando no quintal, que mal?
Coca-cola.
De garrafa grande pra toda família.
De domingo.
De tampinhas com personagens da disney.
Cuidado ao abrir para não amassar.
Coca-cola - bolinhas rasgando a garganta.
Guaraná para as visitas.
k-suco de uva todo dia.
Uma jarra inteira para meu irmão adolescente.
Sucos de frutas verdadeiras.
Laranja, abacaxi, melancia, limonada.
Leite com chocolate, leite com groselha.
Quando era menos pequena ainda... vinho, vodca, pinga pra caipirinha - tudo baratinho, de turma, de vaquinha.
Quanto menos menos pequena... vinho do porto, cerveja premium, vodca importada.
Água de coco.
Água quase nunca, mas sempre gelada, sempre com gás.
Água.
Água sem final.
Quando era pequena, leite.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Eu leio

E sobrevivo e sobrevôo porque leio.
Não lembro de mim sem ser um ser leitor. Pequena na constituição, mãos grandes e magrelas e fortes o suficiente para segurar livros.
Eu leio.
Eu passo pelas vitrines e posso resistir até mesmo a um sapato e uma bolsa.
Mas dificilmente eu posso resistir a um livro.
Leio a resenha na revista.
Leio um pouco mais na internet e fico a um clique pulsante de mão e coração para comprar.
E esgotado é a palavra que mais perturba nesses momentos.
Livros são sempre caros. De queridos, nunca precificados. A racionalidade fica para depois.
Sempre há uma listinha que me segue, no excel, no celular, no que a cabeça dá conta de armazenar.
Nomes. Capas. Histórias que sei começar mas não sei como acabar.
Na livraria passo os olhos pelas prateleiras.
Não resisto em perguntar.
A moça é mais que simpática, é hábil para encontrar: Grotescas - Natsuo Kirino.
Não é um livro barato, mas não posso me separar dele.
Ele me espera na mesinha de cabeceira, enquanto termino E depois, de Natsume Soseki.
E se me perguntar com que personagem eu poderia me identificar eu posso dizer que acabei de encontrá-lo, ali mesmo em E depois, na página 192 - quando Natsume descreve Daisuke:
E, pela força do hábito, sentia-se arrasado se ficasse um único dia sem ler ao menos uma única página. Por isso, houvesse o que houvesse, sempre procurava dar um jeito de manter intimidade com as letras impressas. Às vezes, tinha a impressão de que seu único e verdadeiro talento era o de leitor.

Eu apenas trocaria uma única página por uma pagininha...

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Desalento

Amanheceu, mas já era de noite.
Terminou de ler o livro, mas não lembrava do início e, portanto, não sabia se a história fazia sentido.
Apaixonada por sorvete de limão pediu um crocante de chocolate.
Ficou o dia todo em casa e preferiu caminhar a noite.
Não, não é perigoso quando se é invisível.
E era assim que se sentia.
Sentia-se invisível desde que fora deixada de lado. Deixada pra trás.
Dizia sempre com todas as letras e com a boca cheia que cada um é absolutamente responsável por tudo aquilo que lhe acontece, mas e agora? Fazia o que com essa filosofia barata.
Pagou tão caro pela consulta com o médico recomendado para ouvir dele que tinha que mudar de vida e esquecer o que havia passado.
Que isso não é fácil, mas com o remedinho que lhe receitaria tudo seria uma fase de transição.
Apenas isso.
Amanheceu, mas já era de noite.
Sonhou tudo de novo.
Não via a menor luz no fim do túnel e que importava?
Se não sabia nem mesmo onde o túnel começava...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Trocado

- Tem um trocado?
- Tenho
- Então me dá
- Não posso
- Por que?
- É o único que tenho e vou tomar um café, não como desde ontem
- Nossa, mas o senhor tá de terno
- É, mas procurando emprego há meses
- Sério?
- É, e andando a pé porque nem para o ônibus e metrô eu tenho
- Mas gente de terno anda de carro
- Você que pensa
- Você não tem carro?
- Tenho, mas não tenho dinheiro pra por gasolina
- Põe álcool
- Também custa dinheiro...
- Puxa, que chato
- Toma o trocado
- Não, pode ir tomar o café
- Melhor não, daí vou querer fumar e não tenho para o cigarro
- Peraí, vou pedir para aquela mulher ali, se ela me der um trocado eu tomo um café com você...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Cotidiano resgatado

Saio apressada para o almoço. Frio em plena primavera. Tempos esquisitos.
O sol com cara de preguiça, sem vontade de esquentar me obriga a andar com mais vagar e observar.
Duas moças estão sentadas em uma muretinha baixa na beira da calçada.
Uniformes de quem limpa, serve café.
Uma delas usa uma melissa transparente.
As unhas dos pés bem pintadas de um roxo colorido, que ultrapassa o transparente do calçado.
Impossível não olhar.
E não lembrar que sou da geração das primeiras melissas.
Transparentes.
A minha substituiu minhas havaianas amarelas no verão que me deixava caminhar pela avenida paulista, um cinema e um sorvete.
Não tenho mais melissa.
Não compro mais melissa.
Não me ocorre transpirar o pé em uma sandália de plástico, mas tenho um carinho enorme pela lembrança que ela carrega de mim mesma e de minha juventude despreocupada.
Almocei.
Quando voltei a moça da melissa não estava mais e a companheira explicava no celular:
- meia noite do dia 11 não é mais dia 11 é dia 12, então...
Não pude ouvir o resto da conversa, mas devia ser deveras interessante!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Férias

Abasteceu a alma no supermercado.
Andava tão sem paciência.
Ouvia sem prestar atenção, fazia que sim com a cabeça sem saber se era mesmo sim que queria dizer.
Abasteceu o coração na banca de revistas.
Não queria mais protestar sobre nada nem assinar nenhum abaixo assinado.
Caminhava sempre pela mesma calçada, os mesmos buracos, as mesmas lixeiras fora de lugar e agora, agora umas bituqueiras.
Abasteceu o fígado no bar.
Vodca.
Andava tão sem amigos que a cerveja não fazia sentido.
Não queria mais enviar um e-mail, uma mensagem pela rede social, um sms marcando um almoço que nunca ia acontecer.
Abasteceu as mãos com um lápis e um poema, os pés com um cobertor quentinho, mas não pesado e resolveu tirar um sabático de si mesmo.
Abasteceu a alma de seu cansaço e agora espera reintegrar-se como uma lagarta que saindo do casulo se incorpora ao grupo de devoradoras de folhas.
Depois das férias.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Manga

Manga suculenta.
Manga de camisa.
Mangueira para lavar a calçada.
Maneira de sentar.
Madeira na beira da estrada.
Madureira bairro que não visitei.
Madura a manga mancha a manga da camisa, agacha, abre a torneira, pega a mangueira que dá pra lavar.
Madeira na beira da estrada é tronco caído, dá pra sentar e esperar carona pra Madureira.
Manga suculenta.
Manga que... voglio mangiare e nada mais!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Límpido

Apenas sorriu.
Tinha os olhos claros como águas límpidas.
O rosto pálido que conseguia um tom rubro quando envergonhada.
O lábio fino como não gostava.
Apenas sorriu.
Recolheu as mão magras de dedos longos no colo aquecido.
Não sabia muito bem como se comportar.
Nunca soubera, tímida que era.
As meninas não gostavam dela.
O caderno era organizado, mas não enfeitado.
Os trabalhos eram corretos, nunca exagerados.
Os lápis sempre muito bem apontados.
O discurso era na medida exata para não ser de menos para o professor nem demais para os colegas.
Apenas sorriu.
Depois arriscou esticar o pé porque já estava há muito com ele na mesma posição.
A canela fina e branca espiou por baixo da barra da calça.
Sem nenhuma perspectiva de sair do lugar.
Tinha os olhos claros.
Tinha medo da mãe mais do que do pai.
Ela chegaria a qualquer momento. O pai não mais.
A diretora iria fazer cara de espanto ao explicar.
A mãe cara de ódio para encarar.
Apenas sorriu.
Nem mesmo ela sabia o quão má podia ser. E de repente era assim.
A escuridão também pode ser límpida?
Podia ser um tema para a próxima redação.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Entorpecido













Entorpecido.
E outra palavra não tinha para descrever como se sentia.
A mão pesada.
O coração leve.
A perna tensa.
O fígado comprimido.
Entorpecido.
E outro mundo não havia além daquele que já conhecia.
Um olhar de nuvem.
Um sol de rascunho.
Um sono profundo que adiara.
Entorpecido.
E outro sentimento não tinha para curar aquela dor.
Recolhido.
Traduzido.
Confundido.
Tinha ido.
Tinha sido.
E mais não era do que um sonho adormecido.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Infortúnio

Quis o infortúnio - acredito piamente na inocência do destino - que no dia 26 de julho de 2011 Haku nos deixasse.
Infortúnio: s.m. Fortuna adversa, desgraça, infelicidade: viver no infortúnio. Fato, acontecimento funesto.
Haku: cão da raça whippet, predominantemente branco, tigrado, 7 anos completados em 22 de janeiro de 2011.
Pois quis o infortúnio que saísse pelo portão da casa onde era visita, na cidade em que visitava vez ou outra e que nada do que foi feito resultasse em sua volta.
Nem as caminhadas, nem os folhetos, nem os anúncios, nem a internet e seus asseclas. Nada, somente pistas falsas.
O infortúnio é inimigo do destino.
Destino: s.m. A fatalidade a que estariam sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo; fado; fortuna: ninguém é senhor do seu destino.
O infortúnio faz acontecer de maneira tal que toda a culpa caia sobre o destino.
Mas eu acredito piamente na inocência do destino.
Já acreditei também que Haku pudesse voltar.
Lembro do seu olhar, dos seus pulos na hora de passear, do jeito de balançar a cabeça me pedindo pipoca.
A guia vermelha, a guia verde, ficaram penduradas como os enforcados das histórias que decorei para as provas escolares, sem vida.
Quis o destino que o infortúnio levasse o primeiro cão que tive, eu que cresci sem eles, aprendi muito depressa que, sem eles, a vida tem menos graça.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nome de rua

Sonhava ser nome de rua.
Sonhava com coisas tão bobas.
Ficava pensando que se salvasse alguém de um incêndio, um bebê, uma senhorinha, poderia ter sua foto no jornal e depois virar nome de rua.
Sonhava com isso.
E ficava pensando que coisas aquelas pessoas tinham feito para terem seus nomes nas placas da rua.
Um era médico que ele sabia.
O outro era fundador da cidade.
Um dos nomes mais esquisitos tinha sido um padre alemão que ensinava ler e escrever além de rezar.
Sonhava ser nome de rua.
Talvez se fizesse um grupo bem grande de amigos e depois se candidatasse a vereador, depois poderia ser nome de rua.
Confessava esse sonho a qualquer um que lhe desse atenção.
Normalmente a mãe.
A avó também, mas essa mal ouvia, nem devia entender o que era tudo aquilo.
Um dia teve um incêndio enorme na loja de tecidos na rua principal da cidade.
Estava do outro lado da calçada.
Não duvidou, entrou, ajudou as moças a saírem, voltou e salvou uma peça inteira de tecido desses que se usa para fazer vestido de noiva.
Ficou com o cabelo sapecado. Com o braço e as mão queimadas.
Esperou uma notícia no jornal. Nada.
Sonhava ser nome de rua, outro sonho não tinha.
Viver pelo simples pode ser mais doloroso do que viver pelo glorioso.
Quem define?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aceitação

Era tão seguro de si que nenhuma mudança mudava nada nele.
Era valente. Sempre cara de contente.
Não tinha dia de chuva ou sol ardente que tirasse aquele sorriso daquela cara de cara polivalente.
Era até de desconfiar.
Não tinha essa de chefe zangado, não tinha isso de insubordinação.
Era um cara durão.
Nem que o time perdesse, nem que o pneu furasse, nada que atrapalhasse os outros parecia interferir na sua sensação de que nada muda nada se você mesmo não deixar.
Era espantoso.
Era chato até.
Era tão seguro de si que quando se deu conta, tudo o que tinha engolido, porque santo não era, começou a brotar aqui e ali.
Levou um susto.
Era tão seguro que era sozinho.
Não soube o que fazer.
Uma mudança começou a se desenhar, mas não deu tempo de ver no que ia resultar.



terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os mortos

Só estão mortos os que não viveram para amar.
Aqueles que foram surpreendidos pelo fim sem ter um bicho de estimação andando pela casa.
Só estão mortos aqueles que não se aventuraram a aprender a andar de bicicleta, de skate, de patins.
Aqueles que nunca tomaram chuva.
Aqueles que nunca tomaram um gole da cerveja ainda quente.
Só estão mortos aqueles que não roubaram um beijo, aqueles que não rabiscaram um poema mesmo que em pensamento, escondido no banheiro.
Só estão mortos aqueles que nunca passaram vergonha.
Aqueles que nunca parabenizaram pela gravidez uma mulher fora de forma.
Só estão mortos aqueles que nunca trocaram o nome de alguém.
Aqueles que nunca tiveram um desafeto.
Aqueles que nunca fizeram careta em frente ao espelho.
Só estão mortos aqueles que não olharam com carinho um avô, uma avó, mesmo que de um amigo.
Aqueles que nunca foram verdadeiros e esconderam momentos de raiva.
Momentos de raiva são vida da vida que não queremos ter.
É luta pura e só estão mortos aqueles que apenas sorriram, porque as lágrimas lavam a alma.
Só estão mortos aqueles que não deixaram uma história qualquer para contar.
Só estão mortos aqueles que passaram pela vida com indiferença.
Só estão mortos os que não viveram para amar.
Uma pessoa, uma árvore, um bicho.
Só estão mortos os que não deixaram raiz.