quinta-feira, 30 de abril de 2009

Cláudia Única

Estava olhando o céu com seus olhos escuros como quem procura uma luz.
Na foto em preto e branco que retrata a beleza de maçãs do rosto salientes e boca que não querendo dizer pensa tudo.
Estava tão perto de mim, mas tão longe lá do outro lado do oceano que não pude abraçar quando sofreu o acidente, quando caminhou atrás de um projeto, quando ficou triste, quando ficou alegre, quando descreveu a neve caindo.
Mas agora vai voltar.
Vai fazer boquinha de modelo para esconder o aparelho.
Vai falar palavrões em espanhol porque claro que os aprendeu!
E vai resgatar todas aquelas palavras que minha mãe diz que são feias e que de sua boca saem suavemente.
Vai chorar quando nos encontrarmos, porque eu vou chorar e ela é uma manteiga derretida.
Onde é que derretiam essa manteiga? Eu derreto no microondas, mas essa é uma velha expressão, quem sabe a origem?
Vai trazer todos os seus cremes e perfumes em uma necessaire maior que a mala.
Vai recomeçar. Vai rever os amigos. Vai visitar os gatos, que vão lhe ignorar! Vai procurar trabalho. Vai comprar um celular. Vai ao cinema.
E algum dia vai embora de novo, porque é uma alma cigana que tem um nome elegante só pra disfarçar.
Minha amiga está chegando e eu tenho que ficar bonita pra não levar nenhuma bronca.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Auto estima

Olhou de lado como quem desconfia do espaço que ocupa.
Depois manteve os olhos no chão como quem não esconde a timidez.
Mas dava para sentir o coração palpitando.
Então atravessou a rua e esbarrou no camelô que vendia óculos.
Alguns caíram, outros ficaram pendurados como quem olha a cena de cima para baixo.
Desculpou-se, mas não esperou para ouvir os impropérios do trabalhador informal.
Entrou rapidamente no bar e declarou:
- é um assalto!
- ah, é? e vai levar o quê? uma média com pão requentado?
- tô falando sério
- sua voz nem sai e tá aí tremendo que nem vara verde, tú tá é com fome... o isso é coisa de droga?
- é um assalto! me passa a grana senão vai dá merda
- olha aqui filho, se quiser um emprego, pode ir lá dentro trocar essa camisa por um avental que o Juventino deixou e me ajuda a limpar as mesas
Saiu desconcertado.
No dia seguinte chegou pelo mesmo lado da rua e entrou com passo decidido, mas ainda com a cabeça baixa, olhos erguidos como quem espia por cima dos óculos, mas ele não usava nenhum.
- e aí, vai assaltar o quê hoje?
- onde é mesmo que fica o avental que o tal Juvêncio deixou?
Com o dinheiro da primeira semana comprou um óculos no camelô que não o reconheceu e passou a andar de cabeça erguida.

terça-feira, 28 de abril de 2009

28 de abril

O que sou hoje é o reflexo do espelho que não precisa ser vermelho.
Quase cheguei na metade, mas ainda tenho energia para umas três jornadas.
Energia não é sinônimo de paciência! As vezes eu gostaria de experimentar outros ritmos.
Pensar mais devagar, falar mais devagar, ver mais devagar. Ser mais de mim mesma sem tanta ansiedade pelo minuto seguinte.
Mas ainda assim seria eu? Em que espaço e em que tempo? Eu vejo detalhes que dimensionam a vida de uma outra forma, mas não me permito ocupar esse universo e assim, sou espectadora do caramujo no muro, da aranha que desce da lâmpada da cozinha tecendo seu fio, do marimbondo que ocupou um espaço no patinete, o que esperava? Ter uma casa móvel? E acompanho o caminho das formigas estrategistas. Se leio esse mundo mínimo porque não absorvo dele a sustentável leveza de apenas ser?

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Já morei em tanta casa que nem me lembro mais

Cantou Renato Russo com a sua legião urbana.
Eu também já morei em muitas casas, com a diferença de que me lembro de quase todas elas.
Seus detalhes, suas histórias boas e ruins. E, já que estamos em véspera de começar um novo ano, vamos fazer um balanço.

Nasci em um endereço em Osvaldo Cruz, já contei essa história aqui.
Dessa casa eu não me lembro, mas conta minha mãe que em determinado momento houve uma verdadeira invação de formigas e ela, criativamente, colocou os quatro pés do meu berço em forminhas de alumínio com água.
Depois, ainda em Osvaldo Cruz, morei em outra casa, com varanda e uma árvore que dava flores cor-de-rosa no jardim. Lá tive o meu primeiro amigo, que já se foi, com quem eu brincava de riscar fósforos, de caixinhas surrupiadas de nossas mães. E ainda me lembro de sua voz grossa:
- xiii, acabou o carboreto...
depois que riscávamos o último palito.

Nos mudamos para Tupã.
Foram 4 casas nessa cidade.
Na primeira levei a primeira bronca de verdade do meu pai, porque eu estava furando as bolas de sabão do meu irmão, de propósito, e era um campeonato!
Na segunda, ganhei o meu gato amarelo. Eu fiquei doente de saudades do que eu tinha em Osvaldo Cruz e que por nenhum esforço manteve-se na caixa em que tentamos transportá-lo.
Na terceira eu inventei o teatro de joelhos. Punha um lençol no varal, ficava atrás, mostrando apenas do joelho para baixo. Pintava carinhas nos joelhos e inventava uma historinha. Movimentando os músculos as carinhas parecem mesmo falar e fazer caretas. Minha irmã caçula era minha platéia, querendo ou não tinha que participar da brincadeira e... tinha que pagar ingresso!
Na quarta eu tive um pato. Não dá para fazer balanço sem assumir certos delitos. Eu roubei o patinho que escapara da cerca de uma casa e passeava pela calçada enquanto mamãe pata e a ninhada já iam longe no quintal. Minha mãe aceitou a história de que eu havia ganhado de uma vizinha da casa da minha amiga de onde eu acabara de chegar.

Nos mudamos para Presidente Prudente. Um endereço. Quando minha família se mudou para o segundo, onde vive até hoje, eu já havia me mudado para São Paulo.
Nessa casa, em Presidente Prudente, eu passei pela adolescência e por essa informação, não é preciso dizer mais nada.

Em São Paulo foram muitos endereços. Com minha irmã, no Ipiranga, na Vila Mariana e depois no Cambuci.
No Ipiranga ajudei a fundar o Grupo de Teatro Cio da Terra que durou em todos esses endereços.
No segundo a delícia de ir a pé ao cinema, principalmente em dias de chuva para saborear as galochas e a sombrinha vermelha. Ir ao cinema sozinha era um prazer.
Na terceira um hiato em que morei em um endereço em Pirassununga por alguns meses. Se eu já soubesse o que sei hoje nunca teria tomado essa decisão.
E, voltando de Pirassununga, do Cambuci direto para Recife.

Um endereço em Recife. Balé de Olinda, Praia da Boa Viagem, a Veneza brasileira. Bom apenas para ter histórias para contar.

De volta a São Paulo mais um endereço com uma amiga e depois encontrei o meu par.
Mais 5 endereços.
O primeiro era sua casa de solteiro.
O segundo nosso primeiro apto, tão pequeno que não cabia insistir.
O terceiro, Alameda Casa Branca, tomar café na Oscar Freire sábado de manhã e ir de bicicleta até o Ibirapuera.
O quarto, nosso primeiro bebê. Perto do trabalho, ir a pé. Rua da Mata, que de mata tem apenas o nome.
O quinto, estratégico porque tivemos nosso segundo bebê, que também precisava de mamãe por perto e por isso, perto do escritório.

Jundiai. Nossa casa de familia de comercial de margarina.
Quintal, cachorro, cama elástica, casinha de boneca, área verde, pé no chão, aranhas em garrafas pet, casa enfeitada para o Natal.

Já morei em tanta casa que nem me lembro mais... Eu moro comigo mesma onde quer que eu vá, ainda bem que sou boa companhia!

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Madrinha de marcas

Eu gostaria de já ter lido o livro Não leve a vida tão a sério de Hygh Prather, que está em minha estante mas foi sendo deixado para trás por tantos outros.
Talvez eu não sentisse tanto a notícia de que a General Mills está disposta a vender as marcas Frescarini e Forno de Minas. E quem é a General Mills? Não sei bem, mas sei que eu sou a madrinha dessas marcas.
Quando somos madrinhas, padrinhos de um bebê temos co-responsabilidade, não é assim que a Igreja prega?
Estamos presentes nos bons momentos. Nascimento, o batizado é nosso grande palco, aniversários, passeios ao zoológico, festinhas da escola. E quando as coisas apertam, fralda suja, manhas, chocolate escorrendo pelo pescoço, brinquedo quebrado e nariz escorrendo, atendemos o celular e fazemos um gesto carinhoso para a mamãe ou para o papai ou para quem estiver mais próximo.
Não é exatamente assim para todos mas digamos que na média representa um bom grupo.
Pois assim são para mim essas marcas.
Fui a gerente de pesquisa que coordenou muitos dos estudos para a ainda Pillsbury no relançamento da marca Frescarini. Estava lá nos grandes momentos!
Centenas de rótulos para serem avaliados. Cor, tipologia, qualidade da informação, layout, presença em gôndola, market share, qualidade do grão, eficiência das campanhas publicitárias, tudo, tudo, tudo, para agora...
Sinto-me como a madrinha que vê de longe o seu afilhado tentar pela 3a/4a vez entrar na faculdade. Ou aquele outro que está no meio de um divórcio litigioso.

Sem contar com a compra bem sucedida da Forno de Minas.
Passei horas enfiada em uma cozinha industrial com um americano tentando desesperadamente produzir um pão de queijo com engenharia reversa!
Deveria ter pedido adicional de insalubridade por ter provado tanta coisa ruim com cara de menininha da pesquisa!
Que alegria quando nossas recomendações para adquirir uma marca local começaram a ser ouvidas e quanta comemoração quando tudo terminou bem. Bem? Esse conceito se perdeu já na primeira semana quando Belo Horizonte amanheceu pixada:
não comemos pão de queijo com ketchup!
Premonição do que enxerguei apenas como bairrismo, tão presente nos mineiros, nos gaúchos, nos paulistas, nos cariocas, nos baianos, nos...

Bem, uma fábrica será fechada, mais de 500 pessoas perderão seus empregos e se não houver compradores essas marcas podem desaparecer.
E porque eu ainda me importo se depois disso fiquei anos no mundo online vendo produtos surgirem e desaparecem numa velocidade antes impensável?
Vou começar a ler o livro, a primeira fábula chama-se o rio e o leão.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Notícias

Retalhos de informações que nos sobrecarregam, mas como viver sem elas?
Filtro, analiso, identifico o que me gratifica, o que me martiriza e como consumo cada uma delas.
Sou objeto de meu próprio estudo.

Leio apenas ironia em Obama dizendo que Lula é o cara.
Os contrapontos das opiniões dos jornais.
Leio Roberto DaMatta assuntos vários e leio Marcos Caetano, futebol.
E leio no jornal de papel.
Passagens aéreas com nosso dinheiro, até tu Gabeira? Pronto, acharam um assunto novo mas que ainda não suplanta a tanga de tricô.
O Ronaldo não pode tomar cerveja porque é um exemplo para as crianças, mas podia sair com travestis?
O Nelsinho Piquet chamou o papai. É Rubinho fazendo escola?
Onde esses meninos cresceram? No Morumbi?
Leio as crônicas da Vejinha e leio a Revista Recreio.
Na internet é quase impossível descrever o que leio. Leio a DeLuca no twitter.
Mas a informação que me sobrecarregou hoje foi o ataque aos gatinhos no Campo Belo, mortos envenenados com chumbinho.
Quem carrega essa pedra no lugar do coração? Não é preciso amar, mas tolerar.
Susan Boyle, mais uma vez notícia por conta da sua invejável voz, é esquisita mas tem um gato!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Coisas que aprendi antes do MBA

Algumas posso compartilhar. Outras não.

- Se deixar o chinelo virado, como se estivesse de bruços, sua mãe morre.
- Se entortar os olhos, como se fosse vesgo e o galo cantar, você fica assim para sempre. E acontece o mesmo se em vez do galo cantar, um vento forte soprar.

- Quando um homem diz a outro que a mulher que acaba de conhecer é simpática, é porque ele a achou feia.
- Podemos sim chupar manga e tomar leite. Fazer mal foi apenas uma invenção dos senhores de escravos para impedir que roubassem leite, já que as mangas eles podiam comer a vontade para minimizar a fome.

- É falta de educação bocejar sem por a mão na frente da boca.
- Se há mais de 6 pessoas na mesa, pode começar a comer quando 3 já estiverem prontas.

- Por um ovo no telhado para Santa Clara em dia de chuva faz parar de chover.
- Dente de alho entre os dedos do pé dá febre alta.

- Abrir o forno antes do tempo atrapalha o bolo (me falta vocabulário para essas coisas de cozinha!).
- Trevo de 4 folhas dá sorte (mas eu já tive um vaso de trevos de 4 folhas, é uma espécie!).

- Todo gato de 3 cores é gata. Sexo feminino.
- Todo dia 21 de abril é feriado e nem todo mundo se lembra do porquê. E tem o dia 1 de maio, o dia 12 de outubro.

E, estudando filosofia, aprendi com Ralph Waldo Emerson que o que está atrás de nós e o que está à nossa frente são coisa pouca, comparado ao que está dentro de nós.

Eu sei tudo isso e muito mais.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Poder

Ninguém tem mais poder do que uma recepcionista.
Que protege aquele ou aquela com quem queremos falar armada de um sorriso frio e de uma frase sacada de um manual que nunca encontrei para comprar. Nem na internet, nem no sebo.

A não ser...
O moço do estacionamento que decide se você deve parar de frente ou de ré, quando na verdade tanto faz.

Ou o porteiro do prédio que não responde ao interfone e fica fazendo gestos com a mão, para que espere enquanto ele está ocupado com... Com fazer você esperar.

E ninguém tem mais poder que a mocinha do cinema, que não deixa você sair pela entrada, mesmo depois de um pedido gentil, agraciado com um sorriso, em um amplo corredor onde só estão você, seu par e ela! E talvez algumas pulgas, sempre ouvi dizer.

Ninguém tem tanto poder como o segurança que circula entre as vielas do Shopping D&D e o complexo Nações Unidas, o CENU.

Não, ninguém tem mais poder do que eles.
Um exército calado que não revela essa faceta nos jantares de familia, nos bate-papos dos bares, na fila do ônibus, na estação do metrô, no caixa do supermercado, na casa lotérica, na videolocadora.
São irreconhecíveis e só apresentam suas armas quando armados de seus uniformes que variam sempre de tamanho, de modelo e de cor!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O documento dos documentos

Fiquei um tempo com a carteira de habilitação vencida, não fui pega, mas teria sido uma grande dor de cabeça. Por favor verifiquem seus documentos.
Não há como programá-los para nos avisar dessas burocracias com alguns dias de antecedência, como fazemos com nossos celulares, nossas agendas.

Tenho dois números válidos de RG.
Nunca usei para fazer nenhuma bobagem, mesmo tendo acabado de ver Os delírios de consumo de Becky Bloom e a história é simples.
Morava em Recife e perdi o meu RG tentando atravessar a avenida em pleno carnaval para chegar a praia (quem vai a praia com um trio elétrico passando?) e precisei de uma segunda via.
Surpresa... O sistema não era unificado e cada estado tinha a sua numeração. Segunda via só em SP ou um número novo. Número novo, mais prático.
De volta a São Paulo e ainda sem ter decorado o número novo começando com 3 quando o meu original começa com 16 não resisti, tirei uma segunda via. E guardei o pernambucano de recordação.

Hoje, depois de tanto tempo, tirei um documento para o meu documento.
A comprovação de que estou em dia com a Justiça Eleitoral.
Não votei no Plebiscito das Armas. Não por desobediência civil, não, estava embarcando para a Argentina, a trabalho.
E me pergunto: custava muito ter um posto de votação ou justificação lá no Aeroporto? Espaço não falta!
E pensa que a coisa é simples? É, na opinião deles.
Por isso, verifique seus documentos. Se não votou vá ao Cartório Eleitoral e eles emitirão um boleto para pagamento da multa. No meu caso, R$ 3,75, não digitei errado não, três reais e setenta e cinco centavos. Não vamos falar sobre o valor do estacionamento. Pense na vantagem que é poder pagar isso pela internet!
Depois de pago, volte lá e receba o documento que comprova que o seu documento está em dia.

Será que tenho certidão de nascimento? Ou ela foi dada em garantia do recebimento da certidão de casamento?

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Diz a lenda

Diz a lenda que cresceu brincando em quintal de terra com pedrinhas e folhas secas.
Ele não. Em berço finamente decorado, com enfermeira auxiliando a mamãe e brinquedos esterilizados.
Quase mesma idade e tudo tão diferente. Cidade, céu, pai e mãe, cultura, religião. Religião?
Não, a religião nunca foi mencionada.
Escola pública e escola privada. Palavra mal empregada, sempre a desviar o pensamento erudito para o pensamento vulgar.
Mas, diz a lenda que saia-se muito bem de todas as confusões em que se metia e que não eram poucas.
Ele não. Sempre assessorado, sempre ajudado, sempre o biquinho de quem vai chorar.
Tempos tão parecidos de quadrinhos quadrados, de bolas redondas, de carrinhos e de bonecas.
Diz a lenda que adorava ler e lia até bula de remédio para usar as palavras esquisitas como se fossem xingamentos, já que a mãe, apesar de ocupada, estava sempre de ouvidos abertos a toda e qualquer má palavra. Ainda que contra a bula não tinha remédio!
Ele não. Ele já se dedicava a aprender outros idiomas.
E, entre tantos caminhos a serem seguidos quis o traçado das paralelas que se encontrassem um dia. Não para uma história de amor. Apenas se souberam.
Encontraram-se, conviveram por um tempo, passaram a limpo as diferenças e seguiram seus caminhos.
Diz a lenda que segue brincando em quintais de terra, com pedrinhas e folhas secas.
Ele não. Ele continua contido em seu espaço de bem nascido e até poderia colecionar pedrinhas da Grécia, mas isso já não é importante. Não há mais para quem mostrar.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Ficou para trás

Quis o seu humor desgovernado que acabasse sozinha.
O que não foi surpresa para ninguém. Porque ninguém esperou para ver.
Os amigos de agora não são os amigos de outrora.
Ninguém lê em seus olhos frios a impaciência com os tolos.
Isso ficou para trás, entre aqueles que iam aos bailes, que admiravam o oblíquo do olhar quando se preparava para desmoronar alguém.
Arrematar a conversa com uma conclusão desconcertada que desconcentra e desarticula o grupo já não faz parte do seu dia a dia.
O movimento de cabeça sim.
A dança das mãos e os lábios nervosos também.
Mas quem diria. No grupo de hoje ninguém arriscaria afirmar.
Doce não é, mas recolhe as palavras que antes não conseguia com prazer.
O que faz com elas ninguém sabe dizer porque é assim sozinha, sem intimidades.
Quando recebe alguém para um chá pode falar de tudo menos desse descompasso entre o que é e o que parece ser.
Alguns olham fixamente para o espelho da sala, de um vermelho ousado, mas ela, ela finge não ver!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pensando em ter filhos?

Talvez seja melhor não pensar. Certas coisas são difíceis de racionalizar. Não dá para fazer um business plan e preparar o lançamento. Até porque, dificilmente vai atrasar como acontece com todo produto novo, mas pode muito bem adiantar e não temos muito jogo de cintura para isso. Aliás, nesse caso, as mulheres não tem mesmo nenhum jogo de cintura. De pés, de ciático.
Existe ampla literatura sobre o tema.
De grandes e renomados especialistas até os livrinhos com os significados de nomes e signos do zodíaco.
E sites, e revistas, e amigos e parentes que discorrem sobre o tema.
Portanto, não tenho nenhuma pretensão com minhas reflexões.
O que aprendi nesses quase dez anos é que dá para delegar uma troca de fraldas ou outra.
Dá para delegar uma papinha ou outra.
Dá para ir ao cinema.
Dá para viajar a trabalho por uns dez dias.
Mas não dá para delegar bom dia, boa tarde, como vai, tudo bem? Com licença, obrigada.
Não dá para delegar porque esse não é um aprendizado de cartilha.
É um aprendizado de exemplo e não dá para delegar exemplo ou enviar por e-mail, por SMS, nem usar uma webcam.
Tempo é o melhor investimento.
E dá para ser pequeno investidor. 15 minutos, meia hora, um cinema, um jantar.
Certa vez, minha filha ao telefone pergunta:
- Mãe, você já está chegando?
Espio o relógio, quase oito da noite...
- Não, ainda estou no escritório.
- Ah, porque o papai já está servindo o jantar e você sabe né, jantar é coisa de família.
- Humm... É, eu sei.
Aprendeu a lição e superou o mestre.
Ter filhos é prazeroso mas é cansativo. Quem disse que não é? Não está escrito em nenhum manual, ninguém quer tocar no assunto, se parece com os velhos tabus, mas cansa!
Minha energia vai embora como água pelo ralo.
É uma delícia vê-las dormindo. Aconchegadas, cheirosas, tranquilas.
Nossos filhos são pessoas e pessoas são complicadas. Relações são delicadas.
Queremos sempre o melhor, mas o melhor para quem?
Não dá para delegar esse discernimento e nem deixar a preguiça responder com tá, tá bom, sim, depois eu vejo, agora não, pode, ok, ok.
Lá na frente esses depósitos não vão render senão problemas. A taxa de administração será tão alta que não compensará.
Estou revendo meu posicionamento dia a dia, e minha última avaliação não foi lá das melhores:
- Mãe, você é a melhor mãe do mundo!
- Não acredito!
- Melhor mãe do Brasil!
- Imagina!
- De São Paulo.
- Não sei não.
- Desse condomínio!
E diante de um sorriso que talvez um adulto distraído deixasse passar finalizou o assunto:
- Tá, tá, você é a melhor mãe dessa casa e não se fala mais nisso!
Combinado.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Augusto dos Anjos vs. Fábio Junior

Entro na sala correndo e...
- mãe eu posso...
- fica quieta um pouco, é o último capítulo da novela!
- mas amanhã...
- sossega um pouco, só um pouco!
Sento para assistir. Último capítulo sim me interessa. Alguns vão presos, outros ficam loucos, nascem bebês, muitos se casam, alguém fica tristemente só. Todos os nós vão se desfazendo aos poucos.
Era fevereiro de 1980. Estava sentada mas não exatamente quieta até que uma cena me perturbou.
Dinah Sfat pilotando um avião, era Paloma Gurgel.
Os Gigantes, de Lauro César Muniz.
O que me perturbou não foi Dinah. Não foi seu nome Paloma. Não foi o fato de ela, uma mulher, pilotar um avião.
O que me perturbou foi a trilha sonora que não era bem uma trilha, mas uns versos.
Uns versos que fui desesperadamente tentando me lembrar e anotei algumas palavras:
...ninguém assistiu ao formidável enterro de tuas quimeras...
acostuma-te a lama que te espera...

E que versos eram aqueles? De quem?
Não me lembro se olhei os créditos. Perguntei a todo mundo da sala. Nada.
Naquela época o último capítulo era reprisado no sábado. (Ainda é?)
E no sábado, lá estava eu, em plena adolescência, caderninho na mão, esperando a cena.
Essa era a vida sem internet.

Anotados os dados, mais precisos possíveis, segunda-feira, depois da aula, rumo a biblioteca.
Ah e não demorou nada para eu encontrar, com a ajuda da "dona" da biblioteca, tudo o que eu precisava saber.
Augusto dos Anjos, nascido em 20 de abril, morto aos 30 anos de pneumonia, descrente do amor, paraibano, métrica rígida e os meus versos: Versos Íntimos.

Saí da biblioteca, final de tarde bonita, extasiada. Dei de cara com uma multidão de garotas como eu.
Intrigada perguntei ao Segurança da Biblioteca o que estava acontecendo e ele me olhou como se visse alguém de outro planeta, mas foi generoso na explicação:

- Aquele ali é o Hotel mais chique da cidade e lá está hospedado o Fábio Júnior, vai fazer show! Essas meninas querem ver ele (sic), tirar foto, ganhar autógrafo. A entrada é ali, mas a janela do quarto dele é desse lado aqui.

Agradeci. Sai andando apressadamente e desci cinco quadras para depois virar a direita, subir mais três, voltar as cinco que havia caminhado em direção contrária até pegar o rumo da minha casa, que já era bem longe sem esse desvio.
Mas não pensei em nada disso.
O que me perturbava, o que me desestabilizava era pensar que alguém, qualquer um que me visse por ali, me tomaria por uma tiete de Fábio Júnior. Coitado. Ele nunca soube disso.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Preciso reclamar ao Bispo

Minhas filhas estudam em um colégio católico.
Não foi um critério de escolha, estava embutido no pacote quando viemos morar na grande Jundiaí e tivemos que escolher um.
Depois deslumbramos uma vantagem: a preparação para primeira comunhão, a catequese, feita na própria escola.
Biblia comprada, agenda anotada: todas as quartas-feiras, depois da aula até as 14h40.
Carona com amiga pra voltar pra casa.
E então o rosário começou a se apresentar.
Hoje reunião de pais as 17h45. Com a presença do Padre Marcelo.
Ahh, mas não o Padre Marcelo da televisão, outro Marcelo. De quem sei apenas que descobriu sua inabalável fé com a avó nascida em Minas, analfabeta.
Meu lado esquerdo do cérebro entende literalmente todas as frases ditas pelo Padre, já o lado direito percebe a intenção oculta. O esquerdo se apega ao aspecto lógico, racional, sequencial e o direito compreende aos saltos, tem insights e visão holística.
E, como o lado direito comanda o esquerdo em última instância, tenho que concluir que não confio em pessoas que não nos olham diretamente nos olhos.
E desconcentro.
Nesse momento enquanto ele divaga em parábolas eu preparo um plano de marketing para a Igreja Católica. O target, as crianças, está correto, mas a estratégia está errada, a linha de comunicação não é clara. A trilha sonora não combina. Eles focam algumas ações nos pais com instrumentos que são praticamente tortura para os filhos.
O Instituto Alana deveria ter sido convocado para a reunião.
Nada dos conceitos de marketing são utilizados.
Sem ofender o latim o que percebo é que querem nos "enfiar goela abaixo" o seu produto, sua embalagem e seus benefícios. Seus atributos e posicionamento.
E eu nem posso reclamar ao Bispo porque em meu plano de marketing eu certamente começaria recomendando que a atitude fosse a de encantar o target, seduzir, envolver, que é o que as grandes marcas, produtos e serviços fazem. Algumas muito bem, outras nem tanto.
Mas, certamente, essas são palavras perigosas em tempos de batina substituídas por uma coleirinha branca em colarinho negro.

terça-feira, 7 de abril de 2009

São Paulo

São Paulo é a cidade feia mais linda do mundo.
Seus viadutos pulam sobre nós como sapos gordos perdidos de suas lagoas.
As entradas e saídas das marginais parecem o cristal que orienta nosso labirinto. E nos perdemos em rodopios de curvas sem inclinação correta.
Os altos prédios espelhados refletem as favelas.
Tiraram a fileira de barracos que ficava na calçada da favela do Jardim Edith, mas cercaram e pronto, lá estava um condomínio fechado. Agora tiraram de novo. Debaixo da ponte estaiada. Suspensa por cabos mais parece aquela madeira cheia de preguinhos que na aula de artes me obrigavam a desenhar com linhas coloridas.
Que arte? A ponte sim, a minha madeira estampando o sol quase uma punição!
Parques e ruas floridas escondidas em jardins que lembram a Europa.
Fontes iluminadas de uma água que falta onde sobra esperança de que tudo vai melhorar.
Sim. É linda essa cidade feia. Que me desacelera enquanto dirijo no ritmo do trem.
Paralelo marginal.
Que suspende o museu. Que vasculha a terra e desaba túneis.
Que deixa seus vira-latas mortos no Projeto Pomar.
Que derruba árvores e cresce casas. Que derruba favela e pinta de azul os prédios que brotam no lugar.
Pixados no dia seguinte.
Que cria guetos. Que floresce a Augusta depois de tantos anos.
Que estica e encolhe a Paulista dos cinemas que vão e que vem.
São Paulo é a cidade feia mais linda do mundo e com o filme do Mogli aprendi:
você pode tirar o menino da floresta, mas não a floresta do menino.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Maria Eugênia

Ele realizou o sonho da mãe e conseguiu um emprego no Banco do Brasil.
Rapaz distinto, barba sempre bem feita, cabelo bem cortado.
Fumava, lá isso sim, mas já prometera fazer promessa e parar.
Bom aluno. Bem educado. Torcedor de futebol, mas pelo rádio ou pela televisão. Nada de ir ao campo, muito perigoso.
Churrasqueiro, interessado em boa música. Poucos, mas bons amigos.
De uns tempos pra cá deu de chegar em casa apressado, tomar banho e arrumar alguma coisa pra fazer na varanda da frente.
Molhar as plantas. Hummm... Trocar uma lâmpada.
Pendurar um gancho novo para uma rede que ainda nem foi comprada.
Tudo isso tem um nome. Mas ele não sabe o nome.
Ele só sabe o jeito delicado de caminhar.
Ele só sabe a cor vermelha do cabelo, algumas sardas no rosto e por isso conclui uns olhos cor de mar. Conclui porque não vê, cabeça baixa, de olho nos buracos da calçada.
Correta conclusão. Olhos cor de mar.
Ele só sabe um cheiro bom no ar.
Perfume acabando depois de um longo dia de...
De quê? Ele não sabe.
Sabe a hora exata da mágica visão.
Até que um dia fica sem seu prêmio.
Atrasado? Atrasada?
No dia seguinte, nada.
Demitida? Doente?
No terceiro dia, quase em desespero, nada.
E o nome? Ele não sabe.
Maria Eugênia mudou-se para a capital.
Quer trabalhar no rádio. Apresentar músicas e notícias.
A voz e os olhos cor de mar perdidos para sempre.
Mas ele, ele pode ser encontrado na varanda de sua casa, esperando o jantar, ou no Banco do Brasil.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O espelho da sala

Era vermelho o espelho da sala.
Depois de um tempo ele também achou por bem começar a desbotar um pouco porque estava se tornando um objeto visível demais.
Enquanto a poltrona se queixa do pó e o aparador lamenta o cheiro barato do lustra móvel de agora.
O abajur, recolhido em sua vergonha de lâmpadas queimadas, mantém-se calado em seu canto.
As cadeiras disputam para serem usadas pelas raras visitas que aparecem para o chá.
Mas o aparelho de chá já não sai do armário.
Duas canecas vermelhas, Nescafé, servem para uma conversa sem reservas, sem luxo, sem expectativa, sem vida.
Nenhum amor esperando.
Nenhum jantar aguardando o RSVP.
Nenhuma viagem consultando a validade do passaporte.
Mas ainda é vermelho o espelho da sala.
A cortina entreaberta espia um jardim sem vida.
Uma roseira de espinhos grossos ainda gera uma flor por ano.
Os pesquisadores, entrevistadores dos institutos com longos questionários de perguntas desconexas não tocam campainhas de casas com roseiras no jardim.
Casas velhas, de gente velha, que não quer falar do novo rótulo da lasanha congelada.
Fotos espiam a movimentação. Mas não há movimentação.
O que há é um acordo tácito de não se deixarem flagrar com medo de uma caixa de papelão.
Ainda é vermelho o espelho da sala.
Ele apenas respeita o senhor do tempo e, por isso, também apresenta suas marcas.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Infância f(el)iz

As coisas mais simples são as mais caras para mim.
Chupar bala soft de morango torcendo para não engolir porque doía muito a garganta.
Papel colorido de ovo de páscoa. O chocolate era bom, mas o papel era mágico.
Meu patinete vermelho, que era de segunda mão.
Minha peteca, que destruída em dias serviu de modelo para minha própria criação: jornal bem amassado, um plástico firme para proteger e fazer o papel das penas e um elástico para amarrar.
Incrível.
Meu primeiro casaco vermelho, de capuz, de zíper. Presente de meu irmão adolescente que me levou com ele na loja e me deixou escolher!
Minha pasta preta do primeiro ano escolar. Ainda sinto seu cheiro de nova e o cheiro do lanche que ocupava ali um cantinho.
Meu balanço de cordas na mangueira.
O travesseiro velho e gordo que eu vestia com uma camiseta velha para ser o meu bebê. Bebês são volumosos, bonecas não servem para preencher um abraço.
Minha camiseta azul com listra vermelha nas mangas e gola, com a qual eu ia ao matinê no domingo.
Minha sandalhinha de trancinhas vermelhas.
Minhas paçoquinhas.
Meu gato amarelo que só se chamava Bichano.
Nenhuma dessas coisas está em alguma fotografia.
Nenhuma delas eu guardei de recordação.
Nada do que me foi caro custou sacrifício algum de um dinheiro que nunca tivemos.
Sou um mosaico.
Consigo olhar e ver que um chocolate que emoldura uma cara suja de criança é muito mais feliz do que o chocolate que ainda está embalado, em uma rica caixa, sobre uma rica mesa, de uma rica casa onde mora uma pobre mulher.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Você tem aquele modelo...

Entro em uma loja de calçados esportivos em um shopping bacana.
O vendedor se aproxima sorridente. Um misto de surfista com os estudantes de comunicação, artes do período da manhã da FAAP.

- Posso ajudar? Procura algo especial?
- Você tem aquele modelo novo de tênis da Nike, aquele que você troca parte do solado e assim vai variando a cor?
- Nossa! Esse eu não recebi! Deve ser novo, mas a gente sempre recebe todas as novidades, vou até ver com meu gerente. Cara deve ser muito manero! Quer me deixar seu telefone? Assim que a gente receber eu te ligo.
- Ah, posso sim, mas eu já tenho cadastro aqui e blá blá blá.

Em outra loja, de outro shopping. Também bacana.

- Boa tarde... A moça diz sem ânimo e não me pergunta mais nada.
Circulo um pouco. Uma outra faz um movimento com a cabeça me indicando e ela se aproxima.
Cada vez com menos vontade. E lá vou eu:
- Você tem aquele modelo novo de tênis da Nike...
- Não. E nem é novo, é da coleção passada. Já acabou.

Humm... O fato é que esse modelo não existe. Eu apenas testei os comportamentos.
Nem de longe e muito menos de perto pode se chamar isso de pesquisa. É apenas xeretar um assunto.
Mas me pergunto: até onde vai a arrogância de algumas pessoas não é?
Um descaso comigo, com a minha pergunta, um menosprezo com o meu conhecimento... E nem é novo?
Eu apenas sorri e agradeci.

Com o rapaz eu fui mais generosa. Contei que estava fazendo um trabalho acadêmico pesquisando interesse pelo conceito do produto. Ele também foi generoso e não se chateou com a situação. Até batemos um papo sobre o assunto.
E já que eu estava ali, comprei um par de tênis novos e não, eles não trocam a cor do solado!