Era vermelho o espelho da sala.
Depois de um tempo ele também achou por bem começar a desbotar um pouco porque estava se tornando um objeto visível demais.
Enquanto a poltrona se queixa do pó e o aparador lamenta o cheiro barato do lustra móvel de agora.
O abajur, recolhido em sua vergonha de lâmpadas queimadas, mantém-se calado em seu canto.
As cadeiras disputam para serem usadas pelas raras visitas que aparecem para o chá.
Mas o aparelho de chá já não sai do armário.
Duas canecas vermelhas, Nescafé, servem para uma conversa sem reservas, sem luxo, sem expectativa, sem vida.
Nenhum amor esperando.
Nenhum jantar aguardando o RSVP.
Nenhuma viagem consultando a validade do passaporte.
Mas ainda é vermelho o espelho da sala.
A cortina entreaberta espia um jardim sem vida.
Uma roseira de espinhos grossos ainda gera uma flor por ano.
Os pesquisadores, entrevistadores dos institutos com longos questionários de perguntas desconexas não tocam campainhas de casas com roseiras no jardim.
Casas velhas, de gente velha, que não quer falar do novo rótulo da lasanha congelada.
Fotos espiam a movimentação. Mas não há movimentação.
O que há é um acordo tácito de não se deixarem flagrar com medo de uma caixa de papelão.
Ainda é vermelho o espelho da sala.
Ele apenas respeita o senhor do tempo e, por isso, também apresenta suas marcas.
está cada vez melhor :) Soube que você passou por aqui e nem me deu um beijinho...Na próxima, eu quero te ver. beijos
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