terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Atropelos

atropelo
um e sem chapéu para proteger-se de atropelo o verbo que pode machucar
que mal sabe o mau que bem não pode causar se tudo depender do bom
riquezas
relíquias
a moça que sorri não sabe bem onde fica o s do meu nome e nem como deve me chamar
não precisa
estou atenta e sei que é a minha vez
evito constranger
evito mau dizer
evito ser além do que esperam de mim para não ultrapassar nenhuma linha
para o bem ou para o mal
já sei me ser depois de tantos anos
já descobri que o que me agrada pode vir depois
sei quando estou sendo testada
tenho certeza quando estou testando
o lusco fusco das luzes artificiais, elas não almejam ser estrelas
a esperança é uma espera comprida
a fé é uma certeza curta que alcança mais longe
coisas que não sei explicar
só sentir
atropelo
janeiro já nos deixa
um doze avos
relíquias do tempo
é mais feliz quem ri sozinho ouvindo rádio
pescando um assunto aqui outro ali como o trecho em que alguém contava que o humorista americano dizia: quando eu era jovem o mar morto ainda estava doente
atropelos
a vida nos leva
e levamos a vida que o desassossego nos dá

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Hoje é dia da Saudade

Eu nunca soube que Saudade tinha um dia só para ela.
E hoje descobri que tem e que seu dia é hoje, 30 de janeiro. O motivo eu não sei.
O que sei é que muitos gostam de afirmar que saudade mesmo só existe em português, a palavra, não o sentimento. Mas não é bem assim, em galego também existe.
Para não deixar saudade nenhuma desamparada Michaelis conseguiu provar que os vocábulos langtan, do sueco e sehnsucht do alemão são a nossa saudade em português. A nossa é mais bonita e sonora, mas não solitária.
Sobre a origem há outra controvérsia.
Dizem que que vem do latim solitas, solitatis - "solidão", na forma arcaica de soedade, soidade e suidade e sob influência de saúde e saudar.

Mas, gosto mesmo do que nos ensina o professor Ragy: "em árabe há três expressões que lembram a palavra saudade: suad, saudá e suiadá. Tem o sentido moral de profunda tristeza e literalmente o sangue pisado e preto dentro do coração. Assaudá é uma doença do fígado que se revela pela tristeza amarga e melancolia. Os árabes dizem qualatni as asuiadá - "matou-me a saudade". E isto quando a pessoa entristece pela perda de um ente querido. E dizem igualmente al-mus-suad-dat - "os dias pesados e de tristeza".

Gosto dessa explicação, mesmo sem saber explicar.
E tenho saudades, muitas, de mim mesma, aquela que fui em alguns momentos.
Do velho Nicolino eternizado em meu coração, memória e dna.
Da minha mãe, que amo cada dia mais.
De um tempo que o tempo consumiu e de um tempo em que eu não sabia que Saudade tinha um dia só para ela.
Mas, para não entristecer, penso em coisas das quais eu não tenho saudade nenhuma e me divirto com meus pensamentos do avesso!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Menino Percival

sentiu o cheiro da linguiça fritando, o gosto se previa meio rançoso, mas estar em casa...
estar em casa é ter um porto seguro, mesmo quando tem goteira
ter goteira é ter motivo pra subir no telhado, quando o céu abrir
e quando o céu abrir e o sol aparecer e ele subir no telhado pra consertar a goteira
estará feliz de ter uma casa pra morar,
um cheiro de comida pra sentir,
uma família pra cuidar
não esperava ter tudo isso
não imaginava uma vida além dos doze anos em que perambulou pelos orfanatos e
casa de gente pobre e safada que só tirava menino de lá pra trabalhar
mas tinha sobrevivido
tinha ultrapassado doze e depois mais doze e agora já não queria contar
quando abriu a porta o cheiro da linguiça fritando praticamente o abraçou
o menino agarrou na perna
o cachorro balançou o rabo
a mulher fez uma cara de quem não acha graça nessa bagunça, mas no fundo, no fundo
estava feliz que só
ser feliz é não ter dó de si mesmo e olhar cada pequena coisa como um gatilho pra um sorriso
ele bem poderia ser o autor da frase que diz:
tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, que só tem dinheiro!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ontem, São Paulo

Ontem foi aniversário de São Paulo. Muita gente homenageou.
Li em algum lugar que é a cidade que os brasileiros amam odiar ou algo assim.
Eu digo há muito tempo que é a cidade feia mais linda do mundo.
A cidade de São Paulo recebeu, aceitou, confortou todas as personas que me habitaram.
Quando cheguei, a caipira que era e ainda sou, não se assombrou com os edifícios altos, mas ressentiu-se de encontrar céu tão cinza e entristecido.
Essa persona tinha 17 anos e só enxergava uma vida de coreografias, palcos iluminados, sapatilhas e máscaras que mais revelam que escondem.
Quando essa persona realizou que as luzes não brilhariam como tinha sonhado e buscou outros sonhos, São Paulo entendeu. No fundo, no fundo, magoou-se muito com a troca por Recife, mas nunca, jamais, negou seu abraço de volta e compreendeu que minhas personas podiam ir sem amarras nem rancores que voltariam sem explicação, sem necessidade de pedir perdão.
A persona que amadureceu. A persona que encontrou seu grande amor. A persona que acomodou em sua rotina o mundo business. A persona que gerou meninas em séculos diferentes.
São Paulo confortou cada uma delas.
Protegeu em suas garras.
Protestou silenciosamente durante declarações de amor que minha persona viajante já fizera à Nova York, Barcelona.
Eu não nasci aqui, eu não cresci aqui, eu não moro aqui, mas é aqui que eu sou e nos entendemos bem assim!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Laís

No caminho de casa, ouço rádio e mal presto atenção à notícia, mas quando a repórter se anuncia, direto de Salvador, BA, ela diz seu nome e seu nome é Laís.

Laís é um nome marcante na minha vida.
Laís é o lindo nome da minha irmã caçula.
Laís é o nome que me fez pensar em nomes na vida.

Até então eu sabia os nomes do meu pai, da minha mãe, irmãs, irmão e avós e primos e nunca me atentei bem ao significado que um nome pode conferir a uma pessoa, à uma situação, a um destino, à uma vida.
Até então eu me chamava Lusia, mesmo nome de minha mãe, sem prestar atenção na diferença entre o S e Z que havia ente eles. Respondia por nenê ou por Lusiinha, como meu pai carinhosamente me chamava e mais não sabia além de que tinha sido um pedido de minha avó materna rendendo graças, uma vez mais, a inúmeras promessas que fizera para tentar salvar a visão de meu tio cego por toda sua existência.
Nunca um nome tinha me soado tão sonoro, tão bonito, tão angelical, tão forte, tão curto, tão cheio de personalidade.
Laís.
Confesso que queria arrancar dela esse nome e tomá-lo para mim.  

Ao longo da minha vida fui conhecendo outras moças de nome Laís.
Todas ímpares em suas singularidades e similaridades, mas nenhuma como a minha caçula.

Laís é um nome tão bonito e tão carregado de história que meus olhos ficam marejados.
Laís, a que tem popularidade. Denominação de uma antiga cidade longínqua, perto do rio Jordão é o que diz um desses dicionários de significados de nomes. Para mim, é apenas a minha caçula, guardada para sempre em meu coração.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Coisas que eu perdi


De quando era criança não me lembro de nada que eu tenha perdido e que tenha se tornado uma perda enorme!
Eu me apiedo das coisas e fico pensando nelas que ficam pensando que eu as negligenciei e não é bem assim.
Perdi o escaravelho encrustrado em prata que Eunice, uma das mulheres mais elegantes que conheci, amiga de minha irmã mais velha, me trouxera de presente de uma das suas viagens de sonho.
Ele era incrível e eu lhe atribuí um caráter de sorte que durou pouco. Pendurado em um cordão vagabundo junto com tantos outros penduricalhos sem valor, ele se foi durante uma festa da minha juventude. Levou com ele uma gota dela.

Perdi a tiara que eu, caipira, chamava de "arquinho". De resina, com as cores do arco-iris, retorcida no alto, tão colorida e linda, tão importante para prender os meus cabelos longos e cacheados à custa de muito "permanente", que me dava o ar hippie de quem tem dezenove anos. O mar de Boa Viagem levou. Durante muitos dias eu vasculhei a areia na esperança de que tivesse me devolvido.

Perdi o meu anel de dezoito argolas de prata. Lúdico. Comprei outro igual. Encomendei, esperei, paguei, mas não é a mesma coisa. Em que dedo perambula ou em que canto escuro e improvável ainda espera que eu o encontre?

Coisas que eu perdi. Eu não me importo de liberar as coisas para terem uma vida melhor, roupas e calçados que não uso, bolsas que não cabem mais no espaço que tenho, relógios que não me agradam mais, objetos, brinquedos então... mesmo sendo das crianças, desapego. Mas quando as coisas se vão de mim, assim sem notícias nem preparação, ah eu me entristeço e não me esqueço jamais! É um jeito, o meu jeito, de olhar pra trás.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A quem devemos

Aspiramos ser mais magras ou mais gordas.
Mais musculosas, mais flexíveis.
Aspiramos ter os cabelos lisos e longos, ou cacheados de comercial de produto para cachos.
Aspiramos ter os cabelos negros como o dos japoneses ou loiros como tantos noruegueses.
Aspiramos ter os dedos longos para tocar piano.
Aspiramos ter pernas longas para ser velocista, saltador.
Aspiramos ter ombros largos para atravessarmos a piscina com braçadas sem esforço.
Aspiramos os olhos azuis.
Aspiramos os lábios grossos.
Aspiramos a pele morena ou a pele branca como branca de neve.
E porque aspiramos, cada qual sua própria aspiração, recorremos a incontáveis senhores e doutores, incluindo aquele que nos conserta os dentes e os deixam com brancura total.
Médico disso e daquilo.
Salão disso e daquilo. Aqui e acolá.
Produtos incontáveis. Sonhos imponderáveis.
Enquanto isso ela descansa em sua concretude e ninguém para ela acende uma vela.
A senhora genética reina e não abre exceção sem muita, mas muita negociação.
Ela reina suprema enquanto nos debatemos com seus desígnios.
Eu rendo graças a ela e, preguiçosa que sou, ando animada usando um protetor solar anti-aging. Até quando? Não tenho rituais.
Ela até tolera os desafiantes, mas nunca, jamais os arrogantes!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Minha pequena pequena

minha pequena me acompanha enquanto eu acompanho um grupo online
quer conversar
quando termino eu digo: agora vou aproveitar e fazer meu post, sobre o que posso escrever? faz uma poesia... e ela me diz
- sou péssima em poesia
- e em que você é boa?
- em falar sobre animais, lebres, camundongos, por que não escreve sobre mim? assim posso ficar famosa, quantos seguidores você tem?

e fico pensando que esse mundo que habito hoje se diverte comigo que conheci telex e fiz curso de datilografia

a minha caçula ouve falar sobre isso porque eu falo muito e sobre todo tipo de assunto e pronto
ela é linda - e eu sou a mãe dela, e pronto de novo, já está contaminado
ela é inteligente e me diz que gosta da frase: uivando para uma lua de concreto, que ouviu em um episódio de Simpsons
pronto, ela não tem idade para ver Simpsons, mas em compensação não vê novelas, empatei com os pedagogos!
ela é meiga
ela tem um jeito especial de olhar quando está em apuros que nenhum apuro sobrevive e as broncas perdem as forças
a minha caçula aperta as mãos unidas de um jeito que só ela
tem o cabelo de uma cor dourada que é só dela
ela me espera terminar de trabalhar
meus dias úteis são longos,
mas seriam inúteis se eu não tivesse essa pequena para amar

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Turbulência

tracei minha rota
tracei minha reta
as palavras que não disse e era a hora certa
as palavras que disse na hora errada
leio os letreiros amarelos que me avisam
para tomar cuidado com colisão traseira
e que no próximo painel ainda me lembra
de dirigir mais devagar com chuva
chove com vontade
chove decididamente
a chuva não tem medo de cair
esparrama pingos grossos pelo chão
pelos vidros que me cercam, mas não me enquadram
nunca me senti enquadrada
sempre desajeitada
deslocada
sempre mais de mim em lugares pequenos
sempre me sobrei apesar da minha miudeza
mas tracei a minha rota
tracei a minha reta torta
o gesto que não fiz
mas o olhar que me escapuliu e todo mundo viu
chove na minha estrada seca
leio os letreiros e as palavras piscam para mim
estamos aqui e não estamos nem aí
para os seus poemas esfarrapados
sem rimas nem versos
sigo meu caminho, não me importo com esses arroubos
as palavras gostam de dançar, mas são indomáveis
na maioria das vezes

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Antagonista

Chegou em casa esbaforida e sem palavras.
Sentou depois de beber um copo de água gelada.
Prendeu os cabelos.
Primeiro ia descansar e recuperar o fôlego, depois ia procurar o significado daquilo.
Antagonista de si mesma.
Que diabo seria isso?
Não queria parecer ignorante, mas ele dizia coisas que ela não alcançava!
Não ia dar certo, ela tinha que desistir logo.
Se a mãe sonhasse, estaria perdida.
Ele era o filho da patroa. Ela era a filha da empregada e ponto final.
E não é como nas novelas, a coisa é séria, ninguém quer saber desse tipo de casal, nem a mãe dela e nem a mãe dele. E já começava com essa história dele segurar suas mãos e dizer:
- não tenha medo, não seja antagonista de si mesma!
Será que era inimiga?
Parecia ser. Ela queria desistir logo, acabar com essa loucura de namorar o filho da dona Gisele.
- Já chegou?
- Oi mãe...
- No que tá pensando?
- Em uma palavra nova que ouvi e preciso criar coragem pra ir pesquisar no dicionário
- Ah, não vou nem perguntar qual é porque minha cabeça não dá pra mais nada!
Foi desmanchando o sorriso que inventara para receber a mãe.
Foi recolhendo a mão que ainda segurava o copo.
Foi se conformando com a vida sem graça.
Antagonista de si mesma, pois sim, ser ela é que eram elas! Diria a avó se não tivesse morrido.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

História de Ano Novo

Eu quase não gosto do burburinho de final de ano.
Fico com a impressão de que todas as pessoas são mais boazinhas do que eu. Fico com a impressão de que todas as pessoas tem listas lindas de resoluções, não eu. Toda gente consegue organizar as compras de natal e resolver o que vão fazer melhor do que eu. Fico com a impressão de que as pessoas conseguem comprar presentes para todo mundo que gostaria de presentear e eu não.
Daí as pessoas andam alucinadas pelas ruas e pelos shoppings e tenho a impressão de que elas só estão me atrapalhando.
Meu espírito de natal se ausenta, eu não fico comovida com os enfeites das instituições financeiras porque acho que são meus juros que estão pagando aquilo tudo e acho hipócritas as pessoas que mal nos olham nos olhos e de repente, por alguns poucos dias, se comportam como se tudo fosse lindo. Linho e veludo vermelho.
Por tudo isso eu quase não gosto do burburinho de final de ano.
Mas agora passou.
2012 tem muitas coisas que eu gosto e por isso acho que ele vai ser fantástico. Dia a dia, um passo de cada vez.
Não gosto muito de números pares por isso prefiro somar 2 + 1 + 2 e então para mim é um ano ímpar.
Gosto.
É ano bissexto, adoro!
Começou chovendo. Fascinante.
Sempre que chove alguma coisa boa acontece comigo.
Quando chove parece que minha alma se ilumina com um solzinho que ela tem só para ela e por mais triste que pareça um dia chuvoso, normalmente estou mais sorridente. E gosto do sol, mas eu e a chuva temos uma coisa de pele. Dessas coisas que não se explicam.
Eu prometi para mim que escreveria em meu blog em todos os dias úteis.
Já voltei a trabalhar, já cuidei de IPVA, médico e escola das meninas, mas as minhas palavras ainda estavam em férias.
Vão voltando aos poucos. Nem todas de uma vez.
A coreografia ainda está sendo rascunhada. Estava preguiçosa das entrelinhas e resolvi não me pressionar.
Hoje começa meu ano de compromisso comigo mesma. Sem listas de resoluções, sem nada para provar.
Estou chovendo esse texto para bem dizer um ano que será ímpar.
E será se eu souber que além das novas coreografias eu ainda preciso cuidar muito do dois pra lá, dois cá!