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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Fenômeno

Não tinha apego.
Não tinha apreço.
Não tinha amor.
Não tinha amigos.
Tinha um gato. O Fenômeno.
E detestava toda vez que alguém, ao perguntar o nome do gato, logo deduzia que era uma homenagem ao Ronaldo.
Não gostava do Ronaldo.
Não gostava de futebol.
Mas, para não explicar tudo isso e ser considerado ainda mais esquisito por não estar no padrão masculino de ser fanático por futebol, apenas respondia que não.
O problema é que as pessoas não param nas respostas sucintas.
As pessoas não se conformam com a dicotomia sim e não.
As pessoas são atadas aos porquês desde que aprendem a falar.
E ele, emaranhado nessa rede, explicava.
Ele se chama Fenômeno porque é de fato um fenômeno que, ao aparecer em casa, esse gato vira lata me tenha escolhido para ser o seu dono.
Logo eu, um cara que não gosta de quase nada e de quase ninguém.
Mas o Fenômeno não dava trabalho. Não precisava passear.
Miava como quem pede desculpas quando queria mais comida.
Tomava água como onça e como onça ficava nervoso apenas quando ela não estava fresca.
Não se incomodava em ficar sozinho um final de semana em que ele dava um pulo na praia.
O Fenômeno se enroscava ao seu lado no sofá enquanto via alguma bobagem na TV.
Ronronava de leve enquanto se ajeitava aos seus pés, no pé da cama.
E tinha tanto apego.
E tinha tanto preço.
E tinha tanto amor, que arriscou escrever uma carta de próprio punho para a ex-mulher.
Se acontecer alguma coisa comigo não se preocupe com nada que tudo já deixei encaminhado, só se ocupe do Fenômeno que, quando me escolheu, não tinha como saber que eu era um cara assim, de tão sozinho, quase ruim!  Obrigado.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

De cães e tapetes

Pensou em um jeito de dizer não, mas não encontrou.
Dizia sim desde sempre.
As pessoas riam dela.
Ela sentia-se bem quando era criança, mas conforme foi crescendo foi se achando a pessoa mais boba do mundo.
Quando tentava não ser boba não dava certo.
Ela com ela mesma se desintegrava e era um tal de tanto pensar que tontificava.
Estava decidida a ser boba até o fim.
O que tinha a seus pés e que não se importava com esse jeito era o tapete.
Nada além do tapete.
Tinha um gato. Mas ele não era desses gatos grudados que ficam deitados no colo e um cachorro não podia ter.
Cachorros exigem demais e ela não tinha muita coisa a oferecer.
Naquele dia, quanto o telefone tocou, ela ficou eufórica pensando que receberia uma proposta.
Mas era só uma consulta.
Talvez por essa frustração momentânea falou sem muitas conjecturas e falou tudo o que realmente devia falar.
Quando terminou percebeu que tinha dito a verdade, sem sofrer, sem parecer boba, apenas disse, num tom de voz nem alto nem baixo. Ponderou que não queria prejudicar ninguém, mas que fato era que...
E assim, pela primeira vez, aos ouvidos de alguém ela teria sido má.
Não doeu tanto.
Sim, já era hora de ter um cachorro e era hora de trocar o tapete da sala.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Dolores

Quando chovia, a única preocupação era saber se o gato estava abrigado dentro de casa.
Depois era verificar se nenhuma roupa sobrara no varal.
E então havia o ritual de olhar janela por janela se todas estavam bem fechadas.
Acendia as lâmpadas mesmo que estivesse claro para se certificar de que não faltaria energia.
Desligava da tomada todos os equipamentos elétricos.
Recolhia o tapete da varanda em caso de respingar.
Separava alguns vasos. Uns para tomar chuva outros para proteger dos pingos grossos.
Quando chovia, sentia-se renovada e ocupada.
Tão ocupada que quando a chuva passava voltava em seus passos refazendo tudo o que havia feito e, então, sentava-se na poltrona preferida para se lembrar de quando a casa era cheia de gente e de como foi se esvaziando com o tempo.
Quando chovia, ela achava que já estava pronta para morrer.