sexta-feira, 13 de março de 2015

José Otávio

O menino não gostava do que tinha. Não gostava do que calçava, do que vestia, do que comia, dos poucos brinquedos que tinha. Olhava sem brilho para a casa que brilhava de limpa, mas que era pobre, muito pobre.
E porque não gostava de nada falava pouco, muito pouco.
Não reclamava porque sabia que a mãe choraria.
Não gritava porque sabia que chamaria atenção para si.
Era um menino encolhido em si mesmo. Mais olhos que boca. Mais ouvidos que nariz, mais queixo que testa.
Era um menino bem bonito escondido na sujeira das brincadeiras de rua. Bola, bate-lata, polícia e ladrão, pneu.
Mas não eram brincadeiras alegres. Ele arremessava a bola com força, mirando as costas de qualquer um. Gostava do barulho da bola ardendo a pele de quem gritava. Qualquer um.
Corria pra dentro quando a mãe chamava.
Tomava um banho porco sem esfregar atrás da orelha e no meio dos dedos dos pés como a mãe recomendava.
O menino não gostava do que tinha e a despeito disso foi crescendo calçado, vestido, alimentado, até começar a deixar de lado o caminhão de plástico que ganhava no natal.
A mãe se esmerava para ter um menino estudado, mas era pobre, muito pobre.
Mesmo encolhido cresceu. A mãe nem se deu conta do momento em que o perdeu. Batia com os punhos no moço da polícia que confirmava os dados.  O menino não gostava mesmo do que tinha, nem do nome, José Otávio.

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