O menino não gostava do que tinha. Não gostava do que
calçava, do que vestia, do que comia, dos poucos brinquedos que tinha. Olhava
sem brilho para a casa que brilhava de limpa, mas que era pobre, muito pobre.
E porque não gostava de nada falava pouco, muito pouco.
Não reclamava porque sabia que a mãe choraria.
Não gritava porque sabia que chamaria atenção para si.
Era um menino encolhido em si mesmo. Mais olhos que boca.
Mais ouvidos que nariz, mais queixo que testa.
Era um menino bem bonito escondido na sujeira das
brincadeiras de rua. Bola, bate-lata, polícia e ladrão, pneu.
Mas não eram brincadeiras alegres. Ele arremessava a bola
com força, mirando as costas de qualquer um. Gostava do barulho da bola ardendo
a pele de quem gritava. Qualquer um.
Corria pra dentro quando a mãe chamava.
Tomava um banho porco sem esfregar atrás da orelha e no meio
dos dedos dos pés como a mãe recomendava.
O menino não gostava do que tinha e a despeito disso foi
crescendo calçado, vestido, alimentado, até começar a deixar de lado o caminhão
de plástico que ganhava no natal.
A mãe se esmerava para ter um menino estudado, mas era
pobre, muito pobre.
Mesmo encolhido cresceu. A mãe nem se deu conta do momento
em que o perdeu. Batia com os punhos no moço da polícia que confirmava os
dados. O menino não gostava mesmo do que
tinha, nem do nome, José Otávio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.