terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Enredo

Era elegante.
Bonito não, com lábios finos, nariz adunco. Mas elegante sim. Alto, magro.
Nadava. Não vários estilos porque aprendera a nadar no ribeirão.
Apesar da aflição da mãe, escapava com a turma da rua e era um tal de nadar pra cá e pra lá, diversão garantida nas tardes quentes de verão.
Por sorte, todos os que iam sempre voltavam. Um arranhão ou outro, coisa boba.
Não era um craque na bola, mas a pelada com os moleques era sagrada e, por isso, nunca passou vergonha com a bola nos pés.
Tênis não jogava. E pra isso tinha sempre uma desculpa que nunca causou estranheza.
Sabia usar os talheres.
Era muito educado.
Falava inglês e já visitara alguns países.
Jogar golfe não combinava com seu jeito quase desconcentrado de ser. Era o que ele imaginava que os outros pensavam, mas era exatamente o contrário.
Tão calado e misterioso, poderia ser um bom parceiro!
Andava de bicicleta. Fácil.
Comia frutos do mar com requinte e moderação.
Nunca falava de seus colégios. Nunca falava de seus acampamentos ou de suas lembranças da Disney, de suas viagens, da casa dos avós.
Nunca mostrava fotos de sua turma ou de seus irmãos. Tinha uma foto com a mãe e o pai, a quem lembrava muito, tão descontextualizada que nada se poderia concluir.
Era calado. Fazia parte de sua elegância.
A sua eloquência guardava para o seu analista, com quem falava, chorava, desabafava, sorria, repensava, mas até onde se sabe nunca foi capaz de resgatar a verdade.
Entre os seus, de agora, não pegava bem ter sido pobre. Nadar em ribeirão, morar em vila, estudar em escola pública e nas férias vadiar roubando frutas e procurando mamonas para o estilingue.
Era apenas elegante.

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