quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

História de Natal

Lá pelos idos de 2009...
É isso mesmo, o tempo passa tão rápido que consideramos 2009 tempos idos, tempos mofados.
E naquele ano, nessa época de Natal, estávamos fazendo compras em uma dessas lojas de material & construção e mais um monte de coisas, quando Valentina encontrou uma coisinha.
Um boneco de neve aprisionado em forma de saleiro. Bonitinho, branquinho, pequenininho.
Quis comprar. Não achamos o preço.
Procuramos em outros setores. Nada. Perguntamos e o vendedor:
- ah não, não é pra vender, era par de um outro que desapareceu, era de por pimenta, alguém deve ter levado e não tem mais
E Valentina:
- ah Pobrezinho, vai ficar aqui sozinho?
Falei com o gerente, nos vendeu por algo em torno de R$ 3,00 para efeito de saída.
Ele é feliz em casa, apesar de ter sido batizado de Pobrezinho. Compõe nossa decoração de natal e depois, no dia 6 de janeiro, é recolhido com todos os outros apetrechos.
É um xodó de Valentina.
Ela também enxerga a alma das coisas e isso me encanta.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Eu nasci assim

Quando meu pai era vivo todos faziam caras e muxoxos porque ele contava sempre as mesmas histórias.
Menos eu. Eu  gostava de ouvir. Talvez fosse um prenúncio de que eu viria a fazer a mesma coisa.
E eu faço. Eu conto sempre as mesmas histórias. Muitas vezes para as mesmas pessoas.
Hoje na hora do almoço contei de novo uma das minhas preferidas.
Eu nasci em casa. Minha avó Amélia fez o meu parto.
Minha mãe tinha 34 anos e três filhos crescidos.
Minha avó atravessou a rua comigo no colo, toda embonecada e me pesou na balança do armazém.
Pesei 4,5 kg. Não posso acreditar. Balança de armazém tem lá seus truques e não quero crer que ela tirou toda a minha roupa para pesar, no meio do armazém?
Era abril, 28. Tinha chovido na noite anterior e o dia amanhecera lindo.
Essa é a minha história.
Foi assim que cheguei. Entre mulheres naturalmente belas em sua essência.
E, talvez por isso, eu goste tanto de contar. Foi assim que eu nasci.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

nada

apertou o passo, mas a chuva não veio
arrumou a gaveta, mas não coube mais nada
lavou o copo, mas não teve coragem de macular a gotinha com o pano de prato tão feio
olhou o relógio, o tempo não se acelerou
apertou o peito, a dor não passou
olhou a janela, mas nenhum passarinho cantou
ligou a tv, mas nem pra tela olhou
discou um número, mas desistiu de falar alô
abriu a geladeira, mas nem o leite piscou
estava sozinha no mundo, e nem deus a escutou

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Dentista

A sala de espera do dentista precisa de uma pintura nova, cadeiras novas e de um ventilador que não se sinta humilhado por ter que fazer as vezes de um aparelho de ar condicionado.
Estou com raiva.
Se soubesse porque era mais fácil desfazer, mas eu não sei.
Ou sei e não quero listar, pensar, encarar, resolver?
Também não quero decidir isso. Tanta coisa para decidir.
Tão cansada de tudo sempre tão igual e nem sempre do meu jeito.
Melhor pensar no ventilador que tenta me refrescar.
Sábado de sol.
E ela, a mocinha da recepção, indiferente à minha cara de poucos amigos me fala do tempo.
Do sábado ensolarado. Do calor.
E me conta sem pudor da sexta-feira passada fria e chuvosa e sobre o casamento do amigo Manoel.
E me dá detalhes do vestido emprestado que usou.
Carol.
Por que as pessoas escolhem nomes tão bonitos para depois simplesmente rasgarem ao meio as sílabas indefesas?
Já me explicaram várias vezes, nunca encontro um argumento que ponha fim à essa indagação.
Meu braço arranhado.
Uma música antiga em uma rádio perdida no dial.
Esse sábado único.
Essa raiva besta que não me deixa aproveitar a vida direito.
O dentista olha, me recomenda bochechos de salmoura, marca uma nova data para quando o ano novo chegar.
A mocinha da recepção é tão simpática que tenho vergonha da minha raiva inútil.
Ainda bem que, conforme me ensinou a minha mãe, disfarcei meu mau humor o tempo todo e não fiz nenhuma mal criação!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Segredo

- Você tem um segredo?
- Eu não, por que?
- Porque eu queria que alguém me contasse um segredo.
- Pra que?
- Todo mundo tem um amigo que conta algum segredo.
- Eu não tenho.
- Não?
- Não!
- Você é mesmo bem esquisito!
- Eu? E você? Você também não tem, se até está me pedindo pra te contar um segredo!
- Exatamente porque sou normal e não quero ser esquisita que nem você é que eu quero que um amigo me conte um segredo! E você nem pra isso serve!!!
- Olha, quer saber, eu vou te contar um segredo!
- Jura? Qual? Você disse que não tinha nenhum!
- É, mas eu tenho, eu menti porque não queria contar pra ninguém!
- Nem pra mim? Mas eu sou sua amiga!
- É exatamente por isso!
- Como assim? Porque eu sou sua amiga você não quer me contar o seu segredo? Que segredo é esse?
- É que eu não quero que você seja minha amiga...
- ...
- Eu gosto de você de outro jeito, eu queria mesmo é que você fosse a minha namorada.
- Sério?
- Sério.
- Caramba... e eu que pensei que você nunca ia dizer isso! Eu quero muito ser sua namorada, ser sua amiga é muito chato!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Considerações

um tempo de considerações e reconsiderações
um tempo sem tempo de apenas abraçar e ouvir o coração bater
um tempo de dizer não
de sentir a explicação longa e dolorida
ser respondida com uma frase curta e aborrecida
um tempo de cartas ao papai noel
um tempo vermelho
um tempo de luzes

um tempo de respirar para não sucumbir nesse mar de gente
um tempo de correções
um tempo de olhar calmamente o tempo que passou
e esperar pelo tempo que virá
os olhos enxergam mais do que querem ver
o coração disfarça o sorriso que quer chorar
um tempo de repartir o pão
considerar e reconsiderar
um tempo de alucinação

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Alguém pariu

Se estava ali, alguém pariu.
Se alguém pariu, em algum momento deve ter tido um pensamento carinhoso, por menor que tenha sido esse tempo.
Se estava ali, sobreviveu.
Que leite tomou, que pão comeu, não é possível dizer.
Não se sabe se a vida veio vindo assim, dura até aqui ou se em algum momento foi diferente.
Não creio.
Se estava ali sobreviveu a sarampos e cataporas, mas se alguma vez teve o braço picado para proteção, não é possível dizer.
Gesticulava como quem conversa animadamente com um amigo, mas estava só.
A roupa solta no corpo magro poderia ser cool, mas era poor.
O cabelo embaraçado, duro.
Os olhos vidrados.
As mãos trêmulas.
Se estava ali, alguém pariu.
Cresceu a despeito de tudo.
Refazer o caminho do homem negro, magro, perdido na rua arborizada em segundos deveria valer como uma oração para que essa vida fosse outra.
Amém.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Boi

um boi na beira da estrada é sempre um boi na beira da estrada
a quem não se pode dizer nada e de quem não se vai ouvir nada
concordo que dele nada ouviremos
mas podemos dizer, sim, claro que podemos
o boi não sabe que vai ser natal
não é natal para os judeus
e o mundo não vai acabar no dia 31 de dezembro
mas parece que sim para algumas pessoas
elas parecem alucinadas, no trânsito, nas calçadas, nos shoppings
o boi da beira da estrada não sabe disso
e, portanto, ele é bem feliz
ele não sabe nem mesmo para quê está ali e também não faz diferença
enquanto ele está ali ele come a grama que está bem embaixo do seu nariz
e se uma fila de bois passa por ele
ele entra na fila e também caminha sem perguntar para onde ou para quê
um boi na beira da estrada é sempre um boi na beira da estrada
ele não sabe de que cor, ano, marca é o meu carro
me olha e me vê
mas não se impressiona, tampouco tenta me impressionar
ele apenas me olha
e eu posso explicar a ele que todo mundo está alucinado porque
vai ser natal
que é rico e glamouroso para alguns
que é pobre e triste para outros e, na verdade, para ele não faz a menor diferença
quero ser amiga do boi e nada mais

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Choveu

Choveu no meu sorriso
Choveu no meu sapato
Choveu no meu cabelo
Choveu na minha bolsa
Choveu no meu coração
Choveu no meu relógio
A chuva chove sem se preocupar
E eu não me ocupo com a chuva
A chuva faz parte de mim
E eu faço parte da chuva
Quando ela vem eu me preparo
Quando eu me preparo ela me surpreende
Às vezes ela passa ao largo
Choveu na minha lágrima
Choveu na minha camisa
Quando me lembro das chuvas em tardes infantis
Eu me vejo sonhando com um futuro de sol
Choveu nos meus sonhos
E eles floresceram
Estavam escondidos lá naquela despreocupação de criança
Ainda chove
Sempre chove
Eu sou parte da chuva
A chuva é parte de mim
Eu e a chuva choramos juntos
Um destino que não tem fim

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Eu & os Doutores

Dizem que um fato é sempre lembrado de maneiras bem diferentes por quem esteve envolvido.
Eu acredito.
Dizem também que nossa memória sempre nos trai e que as coisas nem sempre foram exatamente como nos lembramos.
Eu também acredito.
De fato eu sou uma pessoa crédula.
E acredito também que nunca me esqueceria das coisas entre cômicas e absurdas que os doutores e doutoras já andaram me dizendo por aí.

Oftalmologista - São Paulo há alguns muitos bons anos atrás.
- qual é o problema?
- acho que estou com a vista cansada (é assim que falam lá no interior!)
- bom, se ela está cansada é porque tem algum problema, se estivesse saudável não estaria cansada
- ué, mas se estou nessa consulta não é você que tem que me dizer qual é o problema? eu acho que ela está cansada...

Gastroenterologista - São Paulo
- qual é o problema?
- tenho tido dores de estômago e já tive gastrite antes
- você toma café? (sem olhar para mim)
- tomo
- (olhando para mim) você toma café e vem aqui reclamar de dor no estômago? mas é claro que vai sentir dor... vou te pedir uns exames
e blá, blá, blá

Ginecologista - Recife

- qual é o problema?
- o meu fluxo está muito irregular, agora mesmo já são quarenta e cinco dias e
- pode ser gravidez
- não, não pode, não estou em nenhum relacionamento e...
- bom, antes de tudo vou pedir um exame de gravidez, se não for, a gente faz outros exames
- se eu estiver grávida será do espírito santo e aí, nesse caso, não será preciso nenhum outro exame (levantei e  fui embora sem terminar a consulta)

Ortopedista - São Paulo

- ah, é uma cirurgia muito simples! esse joelho vai ficar novo em folha, um day hospital e você sai andando!
A parte do day hospital foi verdade, mas acordei com a perna imobilizada, engessada do alto da coxa até o tornozelo e para andar direito ele esqueceu de mencionar as quinhentas sessões de fisioterapia.

Todo esse registro apenas para voltar ao oftalmo. Dessa vez o mais prático que já visitei em minha carreira de paciente.
Atendeu na hora, sem frescura, fez todos os exames necessários, não alterou grau, constatou que o esquerdo enxerga menos que o direito mas que o grau ficará igual pra não ficar preguiçoso, que a receita é tão simples que nem é preciso conferir. Sejamos práticos. Sim, sejamos práticos!
E ele é vesgo. Sim, eu confio em um oftalmo vesgo, que provavelmente sofreu horrores na infância que não levantava temas como bullying na televisão e resolveu encarar o problema de frente, ou de lado, não sei de que lado. Mas eu confio nele!
Dia desses, óculos novo, oba!!!


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Maria José

Olhou as vitrines, entre apressada e desinteressada.
Não sabia há quanto tempo não comprava uma saia.
Não sabia mais.
Perdera o jeito de entrar, tocar, perguntar, experimentar, gostar, comprar.
Por isso simulava pressa, dava um sorrisinho sem graça.
Podia enumerar as coisas que não tinha tido.
Vestido de festa.
Vestido de noiva.
Vestido de reveillon.
Vestido de formatura.
Camisola de cetim.
Olhou o relógio, ainda tinha tempo.
O tempo esgarçara a sua vontade, mas não a ingenuidade.
Já se prometera tantas vezes que não mais agiria assim e lá estava ela, boba.
As pessoas andam agitadas quando dezembro sinaliza as festas.
Ela tentava disfarçar o descompasso, só ela não tinha para onde ir rapidamente.
Esperava.
Uma vez mais, uma última vez. Quando olhou para a bolsa deixou-se ficar e imaginou tudo o que poria ali.
Viu seu reflexo no vidro enfeitado, nenhuma moça veio lhe incomodar
e por isso deixou-se ficar.
O sapato era bonito. Não viu o preço, mas era melhor pensar que iria machucar,
não tinha seu número.
Melhor despensar.
Riu da palavra nova.
Olhou as vitrines uma vez mais.
Ele não vinha. Já era líquido e certo.
Escolheu uma porta lateral e saiu desejando não ter sido vista.
Pensou em todas aquelas câmaras.
Ficou com vergonha do desconhecido que certamente a acompanhou em seu passeio inútil, triste, feio e totalmente sem sentido.
Quis chorar pelo sentimento novo, mas apenas apressou o passo para não perder o ônibus.
Sempre boba, a Maria José.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sol cego

Diante do sol, cego.
Diante das trevas, olhando o coração.
Diante dos livros, retina da emoção.
Diante das crianças, incrédulo.
Diante do diamante, metal.
Diante do pai, saudade.
Diante da mãe, compaixão.
Diante do medo, afeto.
Diante do fogão, irritação.
Diante do gato, sorriso.
Diante do cão, misto de novo e saudade.
Diante do belo, pena do feio.
Diante do feio, incompreensão.
Diante do novo, de novo.
Diante do fato, lamento.
Diante do ovo, a clara.
Diante da sede, a ânsia.
Diante da estrada, distância.
Diante do telefone, alô.
Diante da chuva, seco.
Diante do espanto, coração cego de emoção.
Incrédulo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Dezembro

Quando dezembra eu fico inquieta.
Quando começa a dezembrar eu fico animada, feliz, esperando as luzes se acenderem.
Quando vai adezembrando lá pelo dia 10 eu fico triste, muito triste, porque para sempre vou me lembrar que perdi um amigo querido.
Depois passa, já lá se vão tantos anos.
E assim, conforme vai dezembrando, meus sentimentos vão subindo e descendo como na montanha russa.
Lá pelo dia 22 é aniversário da minha sobrinha Roberta. O sorriso mais cheio de covinhas que mora em meus olhos.
E depois adezembra a ansiedade das compras de natal.
O papai noel, a comilança. O calendário que se arrasta para o trabalho, mas que se acelera para outras coisas como carro desgovernado!
Agora quando dezembra dia 24, comemoro o nascimento do menino Jesus e da menina Isadora.
A minha linda japonesinha que agora fará um ano, adezembrando ainda mais a nossa alegria!
Quando dezembra eu me assusto.
Depois me recupero.
Quando dezembra eu me cerco da alegria de ter uma família feliz, duas meninas correndo pela casa, tropeçando em gato e cachorro, sob o olhar meigamente severo do papai.
Quando dezembra pai, eu me lembro das bolas coloridas e imensas que, a despeito de qualquer outro presente que eu fosse ganhar, você gostava de me comprar!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Trovejar

queria só trovejar um verso, mas fez relampejar uma canção
a lua estava pelo meio, mas brilhante como sempre
um aperto no coração espremido entre rios pulsantes
as palavras tropeçando nas pedras desse rio
queria só trovejar um verso, mas choveu forte, respingaram palavras duras
choveu forte sem qualquer prenúncio
um único raio iluminou o caminho e foi o suficiente para avançar alguns metros
a vida é assim mesmo
de pedaço em pedaço vamos completando a jornada