E quando se olhou no espelho perguntou:
- quem é essa senhora que está usando minhas pérolas?
E então uma vida toda ficou para sempre aprisionada naquele olhar doce e sem futuro, porque o passado estava todo lá.
Em outro momento, perguntando por que Nicolau não chegava para jantar, a filha arriscou:
- mamãe, o papai já se foi
- foi para onde se nem chegou?
- não está mais entre nós
- isso é óbvio, não o vejo em lugar nenhum!
- não, mãe, o papai morreu há alguns anos
O silêncio cresceu.
Decidira ser honesta depois de, em ocasião recente, dar uma desculpa qualquer sobre a ausência do pai e ser pega no flagrante lapso da boa memória:
- porque está mentindo para mim? sei que seu pai morreu
Não sabia mais como lidar com as palavras.
Ela, com a memória.
Uma solidão compartilhada, escorregadia, perdida e encontrada para sempre.
Tinha 79 anos e teria cada vez menos com o passar dos dias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.