terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Homem Bom

E quando morreu tornou-se um homem bom.
A mulher não enumerou as coisas que a irritavam como toalha molhada na cama, quando ignorava o guardanapo e limpava a boca na barra da toalha de mesa. Coisas pequenas.
Nem as coisas grandes vieram à tona como quando, embriagado, lhe dava uns sopapos e jogava os pratos pelo chão sempre reclamando que não tinha carne. No dia seguinte acordava para ir trabalhar e lhe falava para pagar a conta de luz como se nenhuma sombra tivesse manchado a noite anterior.
Os amigos da oficina também só se lembravam das piadas e do jogo de dominó no intervalo de almoço. Nada dos gritos histéricos quando as ferramentas não estavam limpas ou no lugar certo. Nem do dia em que atirou uma chave de fenda em um vira-lata que só queria fazer amizade. O Ramirez adotou o bicho e levou pra casa, coitadinho, todo assustado.
A mãe não chorou, porque já tinha partido havia dois anos. Ninguém imaginava que fosse morrer cedo. Mas, quando morreu, tornou-se um homem bom, como costuma acontecer com todo homem que trabalha, paga impostos e uma coisa aqui e outra ali é que enerva e tira dos trilhos.
No dia seguinte ao seu enterro continuava sendo um homem bom aos que ainda davam os pêsames à dona Etelvina. Mas isso ia durar só até que a Margarete vencesse os 200 metros entre o ponto de ônibus e a casa do Tadeu, para onde arrastava os dois moleques e ia reivindicar que algum dinheiro fosse destinado a eles porque era o Tadeu que lhe pagava o aluguel e lhe botava comida na mesa!

Um comentário:

  1. Adorei! Agora conta a história da dona Etelvina, que sempre foi uma boa mulher até que... :-)

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