sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Fuga

Andou de lá pra cá, de cá pra lá e não tinha nada a dizer.
Voltou da escola mais cedo, com o joelho ralado.
A mãe, espantada, perguntou o motivo, mal ouviu a resposta e seguiu estendendo a roupa no varal.
Foi para o quarto que dividia com os outros dois irmãos.
Olhou para cá, para lá e pela janela através da cortina de pano barato.
Tirou o lanche da mochila e comeu.
Encheu o tapete de farelo.
Não gostava de tapete, sempre tropeçava, ficava desarrumado e era motivo para as broncas da mãe.
Mãe... Pra que cuidar tanto de uma casa tão pobre e tão feia? Precisava limpar tanto? Por tanto pano na janela, no chão, se era tudo pano velho?
Apertava o coração com medo do padre que dizia que ter inveja era pecado.
Ele tinha inveja do Sérgio. Que tinha uma casa linda, que tinha tênis de tudo quanto é tipo, sempre tão novos e limpos. Tinha a mochila mais bonita da turma. Nem levava lanche, comprava de tudo na cantina todo dia.
Ele tinha inveja. Tinha medo, mas tinha inveja.
Era por isso que tinha dado tanto nele pouco antes do intervalo, quando se esbarraram no corredor.
Não era motivo. Todo mundo falou. O professor, a diretora. Suspenso. Ele que sempre fora tão tímido e quieto que quase invisível? 
Queria poder nunca mais voltar para a escola e olhar para o que não tinha.
A mãe chamou para almoçar. Ele saiu pela janela pensando em nunca mais voltar.

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