29 de fevereiro
marcadamente diferente
fevereiro era o último mês quando o ano começava em março e por isso ele é menor, com 28 dias, e por isso a cada quatro anos é dele a responsabilidade de restabelecer a ordem da translação da terra que leva 365 dias e quase 6 horas... para girar em torno do sol
já que não dava pra ter um dia de 6 horas (eu não me importaria!), a cada quatro anos um dia extra
ele deveria ser extra mesmo e poderíamos não fazer nada ou ter um desejo concedido
se eu pudesse ter um desejo concedido
teria gostado de ser uma menina de quatro anos voando pela primeira vez com meu pai
ele me explicaria tudo o que o avião fosse fazendo e enquanto o avião estivesse taxiando eu faria uma daquelas minhas observações:
- mas pai, o avião está andando, não está voando, o avião vai a pé?
29 de fevereiro
marcadamente igual
tenho saudades do meu pai sempre
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Pudim de Leite
O dia amanheceu endurecido
e ficou de cara amarrada em todas as horas
em que se viu escorrer pelo tempo.
Ter um tempo e não ter história para contar
é como ser uma ampulheta sem ter
areia colorida para fazer escorregar.
Sempre quis ter uma ampulheta.
Nunca comprei achando que alguém
ia achar que uma ampulheta era a minha
cara e por isso ia me presentear.
Há anos espero ganhar uma ampulheta.
Há coisas que eu ganho de mim mesma
quando canso de esperar,
mas uma ampulheta não é uma dessas coisas.
O dia tentou me alegrar.
De manhã o céu estava azul e as nuvens
brancas esparramadas por ele como se tivessem
sido frisadas.
Lindas e leves e nem assim eu me comovi.
Na hora do almoço um bando de bem-te-vis
escondeu-se em uma árvore na calçada
esburacada e fez uma linda cantoria
enquanto eu passava por ali.
E nada.
Meu coração não se encantou, apesar de
ensaiar um sorriso.
Há dias que apenas escorregam pelo calendário.
Hoje o dia amanheceu endurecido,
mas amanhã ele voltará como um pudim de leite...
sobremesa doce e macia depois de uma comida amarga.
e ficou de cara amarrada em todas as horas
em que se viu escorrer pelo tempo.
Ter um tempo e não ter história para contar
é como ser uma ampulheta sem ter
areia colorida para fazer escorregar.
Sempre quis ter uma ampulheta.
Nunca comprei achando que alguém
ia achar que uma ampulheta era a minha
cara e por isso ia me presentear.
Há anos espero ganhar uma ampulheta.
Há coisas que eu ganho de mim mesma
quando canso de esperar,
mas uma ampulheta não é uma dessas coisas.
O dia tentou me alegrar.
De manhã o céu estava azul e as nuvens
brancas esparramadas por ele como se tivessem
sido frisadas.
Lindas e leves e nem assim eu me comovi.
Na hora do almoço um bando de bem-te-vis
escondeu-se em uma árvore na calçada
esburacada e fez uma linda cantoria
enquanto eu passava por ali.
E nada.
Meu coração não se encantou, apesar de
ensaiar um sorriso.
Há dias que apenas escorregam pelo calendário.
Hoje o dia amanheceu endurecido,
mas amanhã ele voltará como um pudim de leite...
sobremesa doce e macia depois de uma comida amarga.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Olhe para ela
Olhe para ela.
Nunca viveu um grande amor.
Casou, descasou.
Não teve filhos.
Nunca fez um boneco de neve.
Andou duas ou três vezes de avião.
A prima diria voou, não andou...
Olhe para ela.
Verões em praias medíocres.
Visitou uma caverna em excursão.
Rendeu graças em Nossa Senhora da Aparecida,
Mas também leu Chico Xavier.
Trabalhou arduamente em seus turnos regulares.
Nunca quis ser mais do que foi.
Nunca teve casacos de pura lã.
Olhe para ela.
Nunca apareceu em nenhuma revista.
Nunca tirou passaporte.
Nunca escreveu um poema.
Como cuidou do pai, depois da mãe,
incansável e sem nunca reclamar
Deus lhe deu como bônus morrer assim,
como um passarinho.
Deitou depois de rezar o terço e não acordou mais.
Foi a Maria que achou.
Olhe para ela.
Não sei por que, mas ainda assim acho que tem cara
de quem está sempre zombando de nós.
Nunca viveu um grande amor.
Casou, descasou.
Não teve filhos.
Nunca fez um boneco de neve.
Andou duas ou três vezes de avião.
A prima diria voou, não andou...
Olhe para ela.
Verões em praias medíocres.
Visitou uma caverna em excursão.
Rendeu graças em Nossa Senhora da Aparecida,
Mas também leu Chico Xavier.
Trabalhou arduamente em seus turnos regulares.
Nunca quis ser mais do que foi.
Nunca teve casacos de pura lã.
Olhe para ela.
Nunca apareceu em nenhuma revista.
Nunca tirou passaporte.
Nunca escreveu um poema.
Como cuidou do pai, depois da mãe,
incansável e sem nunca reclamar
Deus lhe deu como bônus morrer assim,
como um passarinho.
Deitou depois de rezar o terço e não acordou mais.
Foi a Maria que achou.
Olhe para ela.
Não sei por que, mas ainda assim acho que tem cara
de quem está sempre zombando de nós.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Olhar Periférico
Os cabelos pareciam o de um cantor de reggae e ele usava um macacão laranja, não por ser cool, mas porque prestava serviços para a prefeitura limpando o canteiro central da avenida movimentada.
Manhã cinzenta. Ele estava de costas, concentrado. Colorido.
Dobro a esquina e não passa das dez horas da manhã.
Enquanto livro o carro dos buracos da rua a cena entra em foco.
O casal toma uma cerveja no boteco da esquina.
Por um momento penso que estou na beira-mar. Por outro segundo verifico mesmo as horas.
Depois reconsidero pensando que estamos na sexta-feira da semana que fechou o carnaval.
E por fim me lembro de ter lido em algum lugar que o Mussum diria que você só é alcoólatra se bebe todo dia, se bebe toda a noite tá tranquilis. Perigoso.
Ela queria ter nascido com os olhos azuis e os cabelos longos e loiros.
O destino não se importa com nossos desejos mais íntimos e nos pare conforme ele mesmo desenha.
Mas ela, desafiadora, tingiu os fios sofridos da cor que bem entendeu.
Conversava com o possível príncipe encantado na calçada.
Não havia nenhum cavalo branco, apenas uma moto surrada, dessas que odiamos quando estão em movimento ameaçando a vida de nossos retrovisores.
Ela ria tímida enrolando a ponta dos cabelos nos dedos.
Namorico.
A vida vive ao nosso redor.
Eu presto atenção no farol, no buraco e no ciclista, mas as cenas do cotidiano invadem a minha visão periférica e abastecem a minha alma.
Manhã cinzenta. Ele estava de costas, concentrado. Colorido.
Dobro a esquina e não passa das dez horas da manhã.
Enquanto livro o carro dos buracos da rua a cena entra em foco.
O casal toma uma cerveja no boteco da esquina.
Por um momento penso que estou na beira-mar. Por outro segundo verifico mesmo as horas.
Depois reconsidero pensando que estamos na sexta-feira da semana que fechou o carnaval.
E por fim me lembro de ter lido em algum lugar que o Mussum diria que você só é alcoólatra se bebe todo dia, se bebe toda a noite tá tranquilis. Perigoso.
Ela queria ter nascido com os olhos azuis e os cabelos longos e loiros.
O destino não se importa com nossos desejos mais íntimos e nos pare conforme ele mesmo desenha.
Mas ela, desafiadora, tingiu os fios sofridos da cor que bem entendeu.
Conversava com o possível príncipe encantado na calçada.
Não havia nenhum cavalo branco, apenas uma moto surrada, dessas que odiamos quando estão em movimento ameaçando a vida de nossos retrovisores.
Ela ria tímida enrolando a ponta dos cabelos nos dedos.
Namorico.
A vida vive ao nosso redor.
Eu presto atenção no farol, no buraco e no ciclista, mas as cenas do cotidiano invadem a minha visão periférica e abastecem a minha alma.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Mãe não é tudo igual
Mãe não é tudo igual.
Mas, é mais fácil pensar que sim porque em agrupamentos tudo o que é bom sobressai e o que é ruim se dilui.
Mães se sentem com carta de alforria quando vão sozinhas à padaria pela primeira vez depois de parir.
E quando estão muito, mas muito cansadas, pedem pra alguém olhar o bebê um minutinho pra que vá ao banheiro e não quer fazer nada além de sentar e respirar por uns cinco minutos.
A hora do banho é sagrada.
Momento de re-encontrar o espírito.
Todos os olhos ficam voltados para as mães e delas se espera que sejam todas iguais. E perfeitas.
Eu não sou.
Eu perco a paciência.
Eu fico irritada com a lição de matemática.
Eu me canso de pedir sempre as mesmas coisas.
Eu quero ler sossegada.
Eu também quero comer bombom.
Eu quero comer uma pipoca inteira no cinema.
Mãe não é tudo igual.
Cada uma ama um amor único e diferente.
O amor é que é sublime e tenta nivelar quem pariu.
Mãe é igual quando sente culpa por cuidar de menos.
Mãe é igual quando sente vergonha de contar essas coisas que estou contando.
Mãe vem com DNA, digital, cada qual com seu sonho, absolutamente realizado nessas figurinhas.
Que de arte em arte nos transformam e nos melhoram.
Isso sim.
Nisso sim, somos iguais.
Mas, é mais fácil pensar que sim porque em agrupamentos tudo o que é bom sobressai e o que é ruim se dilui.
Mães se sentem com carta de alforria quando vão sozinhas à padaria pela primeira vez depois de parir.
E quando estão muito, mas muito cansadas, pedem pra alguém olhar o bebê um minutinho pra que vá ao banheiro e não quer fazer nada além de sentar e respirar por uns cinco minutos.
A hora do banho é sagrada.
Momento de re-encontrar o espírito.
Todos os olhos ficam voltados para as mães e delas se espera que sejam todas iguais. E perfeitas.
Eu não sou.
Eu perco a paciência.
Eu fico irritada com a lição de matemática.
Eu me canso de pedir sempre as mesmas coisas.
Eu quero ler sossegada.
Eu também quero comer bombom.
Eu quero comer uma pipoca inteira no cinema.
Mãe não é tudo igual.
Cada uma ama um amor único e diferente.
O amor é que é sublime e tenta nivelar quem pariu.
Mãe é igual quando sente culpa por cuidar de menos.
Mãe é igual quando sente vergonha de contar essas coisas que estou contando.
Mãe vem com DNA, digital, cada qual com seu sonho, absolutamente realizado nessas figurinhas.
Que de arte em arte nos transformam e nos melhoram.
Isso sim.
Nisso sim, somos iguais.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Coisas de vizinha
Ficou com medo das histórias que narrava depois que a Nazaré disse que quando se conta histórias de mortos eles voltam ou, se ainda não foram, não vão nunca mais.
Depois refletiu e ficou achando que a Nazaré tinha é inveja dela que tinha histórias para contar de gente que tinha gostado.
Andou um tempo amuada, contava casos de flores e riachos e até de pedras que tinha visto ou tido na infância e foi deixando os mortos de lado.
Quando esquecia lá vinha uma tia ou tio engraçado mas nunca sentiu o lençol levantar nos pés da cama.
Achou mesmo que era bobagem e decidiu que ia fazer um teste: se a Nazaré morresse antes dela ia contar histórias sobre ela todas as semanas.
As boas e as más.
De qualquer forma, quando rezava à noite sempre pedia vida longa à Nazaré.
Coisas de vizinha!
Depois refletiu e ficou achando que a Nazaré tinha é inveja dela que tinha histórias para contar de gente que tinha gostado.
Andou um tempo amuada, contava casos de flores e riachos e até de pedras que tinha visto ou tido na infância e foi deixando os mortos de lado.
Quando esquecia lá vinha uma tia ou tio engraçado mas nunca sentiu o lençol levantar nos pés da cama.
Achou mesmo que era bobagem e decidiu que ia fazer um teste: se a Nazaré morresse antes dela ia contar histórias sobre ela todas as semanas.
As boas e as más.
De qualquer forma, quando rezava à noite sempre pedia vida longa à Nazaré.
Coisas de vizinha!
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Dolores
Quando chovia, a única preocupação era saber se o gato estava abrigado dentro de casa.
Depois era verificar se nenhuma roupa sobrara no varal.
E então havia o ritual de olhar janela por janela se todas estavam bem fechadas.
Acendia as lâmpadas mesmo que estivesse claro para se certificar de que não faltaria energia.
Desligava da tomada todos os equipamentos elétricos.
Recolhia o tapete da varanda em caso de respingar.
Separava alguns vasos. Uns para tomar chuva outros para proteger dos pingos grossos.
Quando chovia, sentia-se renovada e ocupada.
Tão ocupada que quando a chuva passava voltava em seus passos refazendo tudo o que havia feito e, então, sentava-se na poltrona preferida para se lembrar de quando a casa era cheia de gente e de como foi se esvaziando com o tempo.
Quando chovia, ela achava que já estava pronta para morrer.
Depois era verificar se nenhuma roupa sobrara no varal.
E então havia o ritual de olhar janela por janela se todas estavam bem fechadas.
Acendia as lâmpadas mesmo que estivesse claro para se certificar de que não faltaria energia.
Desligava da tomada todos os equipamentos elétricos.
Recolhia o tapete da varanda em caso de respingar.
Separava alguns vasos. Uns para tomar chuva outros para proteger dos pingos grossos.
Quando chovia, sentia-se renovada e ocupada.
Tão ocupada que quando a chuva passava voltava em seus passos refazendo tudo o que havia feito e, então, sentava-se na poltrona preferida para se lembrar de quando a casa era cheia de gente e de como foi se esvaziando com o tempo.
Quando chovia, ela achava que já estava pronta para morrer.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Perigo Platônico
olhou para ela mais de uma vez
olhava sempre
de longe
de mais perto
um dia com os cabelos louros e longos soltos
em outro despenteados em uma trança rebelde
muitas vezes de jeans e camiseta
em poucas vezes de vestido
algumas outras de saia ou bermuda
sempre séria
seria ainda mais linda se sorrisse
os olhos claros como água de lagoa de filme
a boca tão bem desenhada
os pés bonitos
muitas vezes de tênis
em poucas vezes de salto
algumas outras de chinelo, sandálias de dedos
esmalte sempre clarinho
cordãozinho de ouro
brincos discretos
olhava para ela enquanto ouvia pelo rádio
o chefe anunciar uma nova instrução
tomava trem e ônibus para chegar ali,
vestir aquela roupa preta e ficar zanzando
de lá pra cá e dando informação
era um lugar seguro
ela nunca perguntara nada a ele, devia morar ali por perto
quem sabe dia desses ele não descobria?
olhava sempre
de longe
de mais perto
um dia com os cabelos louros e longos soltos
em outro despenteados em uma trança rebelde
muitas vezes de jeans e camiseta
em poucas vezes de vestido
algumas outras de saia ou bermuda
sempre séria
seria ainda mais linda se sorrisse
os olhos claros como água de lagoa de filme
a boca tão bem desenhada
os pés bonitos
muitas vezes de tênis
em poucas vezes de salto
algumas outras de chinelo, sandálias de dedos
esmalte sempre clarinho
cordãozinho de ouro
brincos discretos
olhava para ela enquanto ouvia pelo rádio
o chefe anunciar uma nova instrução
tomava trem e ônibus para chegar ali,
vestir aquela roupa preta e ficar zanzando
de lá pra cá e dando informação
era um lugar seguro
ela nunca perguntara nada a ele, devia morar ali por perto
quem sabe dia desses ele não descobria?
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Vida besta
cresceu em uma casa onde não se sonhava
não parecia haver um futuro diferente
e por isso foi apenas vivendo e ficando feliz
quando alguma coisa diferente, por mais simples
que fosse, acontecesse
e parecia que era sempre fruto do acaso
e por isso não rezou para nenhum deus
não traçou nenhuma meta,
não planejou nenhuma viagem,
não pensou em ser médico, astronauta,
nem mesmo bombeiro
cresceu em uma casa onde não se sonhava
não havia horizonte
e ninguém parava para admirar a lua
e por isso foi vivendo até que morreu
vida besta
não parecia haver um futuro diferente
e por isso foi apenas vivendo e ficando feliz
quando alguma coisa diferente, por mais simples
que fosse, acontecesse
e parecia que era sempre fruto do acaso
e por isso não rezou para nenhum deus
não traçou nenhuma meta,
não planejou nenhuma viagem,
não pensou em ser médico, astronauta,
nem mesmo bombeiro
cresceu em uma casa onde não se sonhava
não havia horizonte
e ninguém parava para admirar a lua
e por isso foi vivendo até que morreu
vida besta
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
Eu não sei
Eu não sei dirigir.
Eu não sei nadar.
Eu não sei andar de bicicleta.
Eu não sei andar de patins.
Eu não sei esquiar.
Eu não sei surfar.
Eu não sei mergulhar.
Eu não sei andar de skate.
Eu não sei andar de moto.
Eu não sei dançar.
Eu não sei virar cambalhota.
Eu não sei assoviar.
Eu não sei sambar.
Eu não sei cavalgar.
Mas, ser você sabe sorrir
por que isso deveria importar?
Eu não sei nadar.
Eu não sei andar de bicicleta.
Eu não sei andar de patins.
Eu não sei esquiar.
Eu não sei surfar.
Eu não sei mergulhar.
Eu não sei andar de skate.
Eu não sei andar de moto.
Eu não sei dançar.
Eu não sei virar cambalhota.
Eu não sei assoviar.
Eu não sei sambar.
Eu não sei cavalgar.
Mas, ser você sabe sorrir
por que isso deveria importar?
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
Meus de amar
Caminho sob o sol do meio dia e do outro lado da calçada um pai jovem carrega a sua menina.
Uma menina que se minha mãe visse certamente diria: parece de folhinha! Eu digo que parece uma boneca.
Cabelos loiros, cacheados, bochecha rosada.
E nada mais é preciso do que o sol a pino e uma imagem tão singela para eu me lembrar de tardes mais amenas.
Tardes em que eu telefonava para casa avisando que estava de saída do escritório.
Tardes em que ainda ao longe, na calçada larga da parte bonita da avenida nove de julho eu vislumbrava um pai jovem e sua menina.
Vinham ao meu encontro.
E eram meus.
Não meus de ter, possuir, comprar e vender.
Meus apenas de amar.
Nem foi preciso fotografar esses encontros em tardes amenas.
Tão vivos em meu coração.
Cenas de amar.
Quando olhamos para o nosso cotidiano enxergamos retratos de nossa história e nossa existência pode ser leve e feliz.
Meus de amar.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Roda gigante
cada um sabe em que roda gigante pode girar
quando estiver lá em cima pode gritar, erguer as mãos
olhar soberbo para baixo e, se cair, o tombo vai ser memorável
quando estiver cá embaixo é preciso paciência para esperar
a roda começar a se mexer e começar a subir
balança
às vezes dá até impressão de que a coisa emperrou
depois pega embalo e lá no alto é possível ver o céu mais de perto, de mais pertinho
mas, o céu é sempre o mesmo não importa a que distância
esteja o nosso olhar
cada um sabe em que roda gigante pode girar
saber sabe, mas quem é que decide a hora e a vez de cada um girar?
quando estiver lá em cima pode gritar, erguer as mãos
olhar soberbo para baixo e, se cair, o tombo vai ser memorável
quando estiver cá embaixo é preciso paciência para esperar
a roda começar a se mexer e começar a subir
balança
às vezes dá até impressão de que a coisa emperrou
depois pega embalo e lá no alto é possível ver o céu mais de perto, de mais pertinho
mas, o céu é sempre o mesmo não importa a que distância
esteja o nosso olhar
cada um sabe em que roda gigante pode girar
saber sabe, mas quem é que decide a hora e a vez de cada um girar?
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Rotina
se vai me dizer que não me ama mais
espera eu me sentar
se vai me dizer que quer ir embora
espera eu escrever meu número de telefone
num pedaço de papel
se vai me dizer que vai pedir uma pizza
espera eu tomar banho
se vai me dizer que vamos ver um filme
espera eu telefonar para minha mãe
se vai me dizer que esqueceu de pagar a conta de água
espera eu tomar um copo d'água
mas, se não vai me dizer nada,
para de me olhar desse jeito e me deixa
acabar de chegar
estou tão cansada que até piscar me dói
espera eu me sentar
se vai me dizer que quer ir embora
espera eu escrever meu número de telefone
num pedaço de papel
se vai me dizer que vai pedir uma pizza
espera eu tomar banho
se vai me dizer que vamos ver um filme
espera eu telefonar para minha mãe
se vai me dizer que esqueceu de pagar a conta de água
espera eu tomar um copo d'água
mas, se não vai me dizer nada,
para de me olhar desse jeito e me deixa
acabar de chegar
estou tão cansada que até piscar me dói
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Remendos
Quanto mais modernos ficamos, mais remendamos coisas que apenas deveríamos amor ou, no mínimo, aceitar.
O lugar onde nascemos. Não decidimos. Mas, quando adultos vamos escarafunchar os nossos antepassados e reunir uma papelada infinita para conseguir um documento que nos dê um "pedigree" diferente.
E com isso remendamos nossa existência com nacionalidades que herdamos.
Não decidimos nascer meninos ou meninas. E isso também se muda. Anatomia, nomes e documentação.
Branco ou preto.
Coreano ou norueguês.
Também não decidimos, não que eu alcance nessa dimensão, quem serão nossos pais.
Se seremos único, do meio, o quarto, o quinto ou o caçula.
Não decidimos nascer em uma família de muitos primos ou de nenhum.
Mas, quanto mais modernos ficamos, mais remendamos nossos desígnios.
Quando fico cansada de remendar eu penso que seria tão mais simples apenas aceitar e não pensar mais no assunto.
Não escolhemos a cidade em que nascemos. Mas, podemos decidir em que cidade vamos morrer.
Não escolhemos o século em que nascemos. Mas, podemos escolher um ano e um dia para morrer, eu nem deveria lembrar dessa possibilidade porque nada há de mais triste do que não suportar-se a ponto de preferir "desexistir".
Remendos.
Os cabelos cacheados, alisamos.
Os lisos, encaracolamos.
Os olhos castanhos, azulamos.
Os olhos cinzas, esverdeamos.
A pele branca, bronzeamos.
O nariz, arrebitamos.
Muita coisa precisa mesmo ser feita. Ficamos mesmo mais bonitos.
Os dentes, clareamos.
Aqueles tortinhos, endireitamos.
Remendos.
Alguns tão bem feitos que mais parecem uma obra de arte.
Ajeitamos aqui, ajeitamos ali, mas tem uma coisa que de jeito nenhum se ajeita... a alma.
Ela só espia o que vamos pelo caminho remendando.
O lugar onde nascemos. Não decidimos. Mas, quando adultos vamos escarafunchar os nossos antepassados e reunir uma papelada infinita para conseguir um documento que nos dê um "pedigree" diferente.
E com isso remendamos nossa existência com nacionalidades que herdamos.
Não decidimos nascer meninos ou meninas. E isso também se muda. Anatomia, nomes e documentação.
Branco ou preto.
Coreano ou norueguês.
Também não decidimos, não que eu alcance nessa dimensão, quem serão nossos pais.
Se seremos único, do meio, o quarto, o quinto ou o caçula.
Não decidimos nascer em uma família de muitos primos ou de nenhum.
Mas, quanto mais modernos ficamos, mais remendamos nossos desígnios.
Quando fico cansada de remendar eu penso que seria tão mais simples apenas aceitar e não pensar mais no assunto.
Não escolhemos a cidade em que nascemos. Mas, podemos decidir em que cidade vamos morrer.
Não escolhemos o século em que nascemos. Mas, podemos escolher um ano e um dia para morrer, eu nem deveria lembrar dessa possibilidade porque nada há de mais triste do que não suportar-se a ponto de preferir "desexistir".
Remendos.
Os cabelos cacheados, alisamos.
Os lisos, encaracolamos.
Os olhos castanhos, azulamos.
Os olhos cinzas, esverdeamos.
A pele branca, bronzeamos.
O nariz, arrebitamos.
Muita coisa precisa mesmo ser feita. Ficamos mesmo mais bonitos.
Os dentes, clareamos.
Aqueles tortinhos, endireitamos.
Remendos.
Alguns tão bem feitos que mais parecem uma obra de arte.
Ajeitamos aqui, ajeitamos ali, mas tem uma coisa que de jeito nenhum se ajeita... a alma.
Ela só espia o que vamos pelo caminho remendando.
imagem Remendos em Branco
LARA ROSEIRO AZEITÃO, Lisboa, Portugal. Artista Plástica. Licenciada em Pintura pela ARCA/EUAC, Coimbra. Mestranda em Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Destino de pomba
De nada adiantou que eu carregasse pendurado no pescoço a minúscula imagem de São Francisco em prata.
Morreu aos nossos pés. Enganada por si mesma. Pelas falsas imagens criadas. Por uma realidade inexistente.
Morreu nas mãos da moça que não hesitou em sair para socorrer.
Era uma pombinha do ar, que talvez por estar pensando na vida que teria se tudo fossem árvores e não prédios se iludiu com a vidraça e não mediu forças. Não teve tempo de entender e desviar.
Foi vista em seu último voo quase rasante por poucos, mas o barulho seco na vidraça foi ouvido por muitos.
Aos nossos pés. Olhos abertos e ainda vidrados.
A cabecinha inclinada como quem faz um cumprimento delicado, quase oriental.
Tínhamos tanto trabalho e éramos tão adultos que ninguém deixou escapar uma lágrima visível.
São Francisco, guarda a pombinha que se perdeu!
E cuida da rota das que ainda estão voando por aí!
Morreu aos nossos pés. Enganada por si mesma. Pelas falsas imagens criadas. Por uma realidade inexistente.
Morreu nas mãos da moça que não hesitou em sair para socorrer.
Era uma pombinha do ar, que talvez por estar pensando na vida que teria se tudo fossem árvores e não prédios se iludiu com a vidraça e não mediu forças. Não teve tempo de entender e desviar.
Foi vista em seu último voo quase rasante por poucos, mas o barulho seco na vidraça foi ouvido por muitos.
Aos nossos pés. Olhos abertos e ainda vidrados.
A cabecinha inclinada como quem faz um cumprimento delicado, quase oriental.
Tínhamos tanto trabalho e éramos tão adultos que ninguém deixou escapar uma lágrima visível.
São Francisco, guarda a pombinha que se perdeu!
E cuida da rota das que ainda estão voando por aí!
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