Que medo!
Em uma tarde ensolarada, aproveitando que meu irmão estava na escola eu saí para brincar com a preciosidade que ele guardava a sete chaves: um caminhão de madeira, vermelho, com uma carroceria enorme, rodas pintadas de preto, lindo!
Brincava na calçada em frente de casa. Subia até a esquina - morávamos quase no meio da quadra - e descia com ele carregado ora de pedras, ora de folhas, uma brincadeira solitária, que me concentrava (coisa difícil) e me dava muito prazer.
Mas de repente, quando estava preparando uma carga, o homem do saco apareceu.
Não tinha mais ninguém na rua naquela tarde de sol a não sermos nós dois.
Ele materializou-se na figura de um mendigo muito magro, alto, pele escura queimada de sol, uma barba comprida, grisalha e um saco sujo e quase vazio que segurava nas costas.
Sorriu para mim e eu desci correndo para casa, corri mais do que minhas pernas podiam aguentar. E, claro, deixei o caminhão lá, nem tive coragem de pegar.
Encontrei minha mãe na cozinha e fiquei por ali, ofegante, mas não disse uma palavra.
Ela estava ocupada com alguma coisa e não me observou, não perguntou nada.
Não demorou muito e ouvimos alguém bater palmas. Meu coração disparou.
Minha mãe foi atender o portão e eu fui espiar, atrás, querendo ver sem ser vista.
Era ele, o mendigo. Sorrindo, com o caminhão na mão disse a minha mãe:
- a menina se assustou e deixou o brinquedo, vi que ela entrou aqui, se deixar lá algum moleque vai levar é um caminhão bonito demais!
Minha mãe não entendeu muito bem mas agradeceu muito.
Serviu a ele um pão com manteiga, que não tinha nada do almoço e não tinha preparado o jantar ainda. Deu-lhe um grande copo de suco, bem gelado.
Ele bebeu o suco, agradeceu, e foi embora comendo o pão.
Desapareceu da minha infância para sempre.
Não me lembro da conversa que tive com minha mãe depois que ele se foi, mas certamente começou com uma bronca.
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