Em uma tarde desses anos distantes, me lembro bem, não estava frio mas já escurecia apesar de não ser seis horas ainda.
Atravessei a rua correndo porque estava ligeiramente atrasada, para meu desespero, porque nesses momentos a figura de meu pai sempre se agigantava dizendo: cinco e trinta são cinco e trinta, nem cinco e vinte e cinco, nem cinco e trinta e cinco!
Atravessei a rua correndo porque estava ligeiramente atrasada, para meu desespero, porque nesses momentos a figura de meu pai sempre se agigantava dizendo: cinco e trinta são cinco e trinta, nem cinco e vinte e cinco, nem cinco e trinta e cinco!
E foi então que ele cruzou a rua comigo. Não me abordou, não me olhou, não me incomodou, mas quando acabou de atravessar a rua ele começou a gritar:
- eu estou com fome... pelo amor de deus alguém me ajuda, eu tenho fome!
A rua era a Dr Vila Nova, eu estava a caminho do SESC. Ia fazer um teste para uma peça.
Sempre encontrava mendigos, alguns resmungando, alguns discursando, sempre falando bobagens, voz enrolada, mas aquele não, aquele gritava em alto e bom som e eu segui meu caminho.
Ninguém se aproximou dele. Ninguém nada.
Esperei um tempo enorme, sentada no chão, vendo o mesmo texto sendo dito por pessoas tão diferentes e um diretor exigente que não parava de ajeitar os óculos no nariz adunco ficar cada vez mais impaciente.
Teste por ordem alfabética. O L não ajudava muito mas eu esperava.
Lá pelo H/I o diretor se cansou dos testes. Na verdade creio que ele já tinha encontrado a sua menina na letra G, e então, decidiu que o melhor jeito de continuar o teste eram as meninas entrarem na coxia da direita e, sem roupa, atravessarem o palco até a coxia esquerda.
Levantei e fui embora, não fiz o teste. Aquilo não era um teste era um descaso. Eu e outras tantas meninas fomos embora, outras ficaram. Sempre há as que ficam.
A menina escolhida, na letra G, ganhou o papel, depois projeção na TV, de vez em quando ainda ganha umas páginas de Caras. Bom o teste dela, merecido o papel.
Não me arrependo de nada, a não ser, de não ter atravessado a rua de volta e ter dado o dinheiro do metrô e ônibus que eu carregava em uma bolsa enorme para aquele homem comer.
Era tudo o que eu tinha, mas certamente, hoje, eu seria um tantinho mais feliz se tivesse outro final para essa história.
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