Não fiz pré-escola, fundamental um, nem dois, nem recreação, nem nada disso.
Fui direto para o primeiro ano passada já dos sete anos.
Morava em Tupã, não espantará ninguém saber que minha escola se chamava Bartira.
Era enorme. Naquela época, para mim.
Ficava na praça central da cidade, ao lado da Igreja Matriz.
Eu nunca comia nada oferecido pela cozinha, só canjica.
Tomava meu lanche em bancos de madeira, em pátio de terra, embaixo de árvores, sombra gostosa.
Chorei muito quando não tirei 100 - mesmo tendo tirado 98, a nota mais alta da sala de aula.
Minha professora se chamava Dona Terezinha.
Quando nos despedimos dela, no final do ano, nos entregou um chinelinho azul que tinha feito de papelão e lã desfiada, com um bilhetinho dentro que falava algo sobre seguir um caminho suave.
Caminho Suave era o nome da cartilha com a qual aprendi a ler.
Levei puxão de orelha da Dona Terezinha porque respondia o que os colegas não sabiam sem ser convidada.
Minha intenção não era aparecer, como pode parecer, faz livrar os colegas da aflição do silêncio, da espera, do medo, uma angústia!
Nunca ninguém acreditaria nessa explicação, então nunca expliquei. Apenas levei puxões de orelha.
Eu tinha inveja da Maria Paula porque ela fazia aulas de piano, em um piano lindo na sala da casa dela.
Ela odiava o piano.
E também tinha inveja da prima dela, que já não me lembro o nome, porque a mãe dela a deixava assistir o Fantástico, a minha mãe não.
Eu achava o máximo que a filha do prefeito morava na casa mais bonita, bem em frente a praça e só precisava atravessar a rua para chegar à escola, enquanto eu andava quadras e mais quadras.
Mas quando eu voltava à tarde para o catecismo, ficava com pena dela, brincando tão sozinha, tão limpinha, tão presa naquele castelo.
Eu declamava poemas nas comemorações de sete de setembro, na frente de todo o grupo escolar incluindo o diretor!
Eu chorava se tivesse que faltar à aula por estar febril ou coisa parecida.
Eu usava saia de pregas azul, camisa branca, meias três quartos e sapatos pretos.
Da minha mala preta, impecavelmente arrumada, reconheço o cheiro até hoje. Abro o fecho, cheiro as lembranças e rabisco palavras para nunca, nunca esquecer.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Comadre
Não deixou nenhum legado.
Só um guardanapo sujo em cima da pia.
E aquele falou tanto da atitude do outro e agora faz igual.
Faz pior que todo mundo sabe.
Não contou nenhuma novidade.
Não gosta dos meninos, mas pra que vai dizer uma coisa dessas?
Conversa de comadre.
Bem escuta aquela que faz de conta que escreve versos.
Escreve nada, copia tudo que eu sei.
Copia de quem?
Ah isso não sei. De um tal que escrevia haikai.
O quê?
Algumas flores só florescem no inverno. Como as azaléias. Também se diz azaléa.
Acho que assim aparecem mais, porque na primavera todas as flores florescem.
Pode ser.
Não deixou nenhum legado.
Não, nenhum.
Mas era importante.
Era nada. Todo mundo pensa isso, mas na hora H, nada!
Eu não sei.
Eu sei.
Não deixou nenhum legado.
Só um guardanapo sujo em cima da pia.
Só um guardanapo sujo em cima da pia.
E aquele falou tanto da atitude do outro e agora faz igual.
Faz pior que todo mundo sabe.
Não contou nenhuma novidade.
Não gosta dos meninos, mas pra que vai dizer uma coisa dessas?
Conversa de comadre.
Bem escuta aquela que faz de conta que escreve versos.
Escreve nada, copia tudo que eu sei.
Copia de quem?
Ah isso não sei. De um tal que escrevia haikai.
O quê?
Algumas flores só florescem no inverno. Como as azaléias. Também se diz azaléa.
Acho que assim aparecem mais, porque na primavera todas as flores florescem.
Pode ser.
Não deixou nenhum legado.
Não, nenhum.
Mas era importante.
Era nada. Todo mundo pensa isso, mas na hora H, nada!
Eu não sei.
Eu sei.
Não deixou nenhum legado.
Só um guardanapo sujo em cima da pia.
terça-feira, 28 de junho de 2011
Formiga
Gostaria de saber o que as formigas dizem umas para as outras quando se encontram.
Muita gente gostaria.
Há quem pense que elas dão beijinhos, só.
Outras aproveitam o tema para reclamar que os pés formigam. Imagino que seja de frio, mas pode ser por imobilidade.
Parece que ninguém sabe, mas todos sabem que elas cochicham algo...
Já fizeram até piadinhas:
Uma encontrou a outra e perguntou:
- qual é o seu nome?
- Fu.
- Fu o quê?
- Fu-miga.
- E você?
- Ota.
- Ota o quê?
- Ota-Fumiga!
Contei para minha caçula, interpretando e tudo. Ela riu um riso educado: ah mãe, eu já li na Recreio!
Fiquei no sol aquecendo o corpo gripado e tentando decifrar o que diziam as formigas quando se encontravam.
Um grupo de quatro estava ocupado em carregar uma abelhinha morta para o formigueiro.
Dora, minha gata, ronronando de um vaso a outro, esperando mais do sol, mas nada mais da vida a não ser aproveitar sua existência de gata.
Posso pensar que as formigas reclamam do trabalho no inverno, quando já deveriam estar curtindo o show da cigarra.
Imagino que há que ter uma que inveje a rainha e que a mal diga sempre que é possível.
Há também as preocupadas que devem perguntar para as que vem se deixaram os bebes bem e se vão apressadas.
Eu não me importaria em ser formiga por um momento e perambular por aí, no sol de inverno que aquece nossos corações.
Muita gente gostaria.
Há quem pense que elas dão beijinhos, só.
Outras aproveitam o tema para reclamar que os pés formigam. Imagino que seja de frio, mas pode ser por imobilidade.
Parece que ninguém sabe, mas todos sabem que elas cochicham algo...
Já fizeram até piadinhas:
Uma encontrou a outra e perguntou:
- qual é o seu nome?
- Fu.
- Fu o quê?
- Fu-miga.
- E você?
- Ota.
- Ota o quê?
- Ota-Fumiga!
Contei para minha caçula, interpretando e tudo. Ela riu um riso educado: ah mãe, eu já li na Recreio!
Fiquei no sol aquecendo o corpo gripado e tentando decifrar o que diziam as formigas quando se encontravam.
Um grupo de quatro estava ocupado em carregar uma abelhinha morta para o formigueiro.
Dora, minha gata, ronronando de um vaso a outro, esperando mais do sol, mas nada mais da vida a não ser aproveitar sua existência de gata.
Posso pensar que as formigas reclamam do trabalho no inverno, quando já deveriam estar curtindo o show da cigarra.
Imagino que há que ter uma que inveje a rainha e que a mal diga sempre que é possível.
Há também as preocupadas que devem perguntar para as que vem se deixaram os bebes bem e se vão apressadas.
Eu não me importaria em ser formiga por um momento e perambular por aí, no sol de inverno que aquece nossos corações.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Folhas
Gosto do silêncio das noites frias.
Posso ouvir o vento e os passos das folhas.
Algumas se deixam arrastar por puro prazer.
Outras por puro terror.
Há ainda aquelas que simplesmente se deixam arrastar, cumprindo seu destino de folha.
As folhas dançam uma coreografia única.
As folhas sinalizam começo, meio e fim.
As folhas morrem sem drama.
As folhas secas cantam uma canção única regidas pelo vento.
O vento e as folhas traçam uma relação de amor e ódio que humanos não podem entender.
Gosto do silêncio das noites frias.
Gosto de ouvir o silêncio sendo quebrado pelo arrastar das folhas pelo corredor lateral.
Tudo lá fora, noite fria, escura, mas aqui, dentro de mim, para sempre quintal cheio de sol.
Posso ouvir o vento e os passos das folhas.
Algumas se deixam arrastar por puro prazer.
Outras por puro terror.
Há ainda aquelas que simplesmente se deixam arrastar, cumprindo seu destino de folha.
As folhas dançam uma coreografia única.
As folhas sinalizam começo, meio e fim.
As folhas morrem sem drama.
As folhas secas cantam uma canção única regidas pelo vento.
O vento e as folhas traçam uma relação de amor e ódio que humanos não podem entender.
Gosto do silêncio das noites frias.
Gosto de ouvir o silêncio sendo quebrado pelo arrastar das folhas pelo corredor lateral.
Tudo lá fora, noite fria, escura, mas aqui, dentro de mim, para sempre quintal cheio de sol.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Minhas meninas
As minhas meninas alteraram para sempre a minha existência.
E a mais velha diria: ai, isso é discurso de mãe, toda mãe fala isso.
E eu não a contestaria porque é verdade. Um filho transforma nossa existência.
As minhas meninas são preciosas e me orgulho (sei que é pecado) de uma porção de coisas que elas fazem.
Mas no fundo, no fundo, meu único desejo é de que sejam felizes.
E o que mais gosto nesse convívio, além de exibir desenhos e livros e poesias e fotos encantadoras é saber que são crianças e que, como crianças, nos fazem rir de coisas tão inocentes.
Como o autógrafo que Valentina quis pegar de um funcionário da prefeitura de Jundiaí apenas porque ele torcia para o Palmeiras.
Ou do dia em que ela me perguntou: mãe, essa tal cantora "Kashira" (querendo dizer Shakira) é loira ou morena?
Ou de quanto tenho que dar uma bronca porque ela simulou um visto meu em um recadinho da professora pedindo para levar sempre os lápis apontados.
Sem contar que minha primogênita, do alto da sua sabedoria de onze anos me conta uma piada do Calvin e diz "Raroldo". H com som de R e quando a corrijo ela rebate:
- mas eu sou "ajaponesada!" e em japonês o H tem som de R!!!
É rindo que se carrega uma existência que, às vezes, pode passar por momentos tão pesados!
Minhas meninas são crianças e o brilho delas ilumina meu caminho!
E a mais velha diria: ai, isso é discurso de mãe, toda mãe fala isso.
E eu não a contestaria porque é verdade. Um filho transforma nossa existência.
As minhas meninas são preciosas e me orgulho (sei que é pecado) de uma porção de coisas que elas fazem.
Mas no fundo, no fundo, meu único desejo é de que sejam felizes.
E o que mais gosto nesse convívio, além de exibir desenhos e livros e poesias e fotos encantadoras é saber que são crianças e que, como crianças, nos fazem rir de coisas tão inocentes.
Como o autógrafo que Valentina quis pegar de um funcionário da prefeitura de Jundiaí apenas porque ele torcia para o Palmeiras.
Ou do dia em que ela me perguntou: mãe, essa tal cantora "Kashira" (querendo dizer Shakira) é loira ou morena?
Ou de quanto tenho que dar uma bronca porque ela simulou um visto meu em um recadinho da professora pedindo para levar sempre os lápis apontados.
Sem contar que minha primogênita, do alto da sua sabedoria de onze anos me conta uma piada do Calvin e diz "Raroldo". H com som de R e quando a corrijo ela rebate:
- mas eu sou "ajaponesada!" e em japonês o H tem som de R!!!
É rindo que se carrega uma existência que, às vezes, pode passar por momentos tão pesados!
Minhas meninas são crianças e o brilho delas ilumina meu caminho!
terça-feira, 21 de junho de 2011
Gosto de goiaba
Goiaba verde, depois branca ou vermelha, não importa.
Tangerina cheia de caroços.
Jaboticaba espiando no pé. Manga doce e suculenta.
Jaca deixada de lado e jatobá feito brinquedo no caminho da escola.
Cada fruta uma história.
Cada história um pedaço inteiro de uma vida que foi se rabiscando pelo caminho.
Pitanga laranja, ainda não, vermelha, do pé pra boca sem lavar.
Banana que precisa do pai pra retirar o cacho, da mãe pra embalar e acabar de amadurecer, da avó para recomendar: come banana menina, quem sabe não engorda um pouquinho?
E entrelaçado aos momentos dessa infância, as flores já enciumadas de tanto demorar a aparecer.
Margarida, capitão, miosótis, cravo, hortênsia, onze-horas, dália, copo-de-leite e direto da horta para a boca, entre brincadeiras, salsinha e hortelã.
Posso sair do interior, mas o interior nunca há de sair de mim.
Tangerina cheia de caroços.
Jaboticaba espiando no pé. Manga doce e suculenta.
Jaca deixada de lado e jatobá feito brinquedo no caminho da escola.
Cada fruta uma história.
Cada história um pedaço inteiro de uma vida que foi se rabiscando pelo caminho.
Pitanga laranja, ainda não, vermelha, do pé pra boca sem lavar.
Banana que precisa do pai pra retirar o cacho, da mãe pra embalar e acabar de amadurecer, da avó para recomendar: come banana menina, quem sabe não engorda um pouquinho?
E entrelaçado aos momentos dessa infância, as flores já enciumadas de tanto demorar a aparecer.
Margarida, capitão, miosótis, cravo, hortênsia, onze-horas, dália, copo-de-leite e direto da horta para a boca, entre brincadeiras, salsinha e hortelã.
Posso sair do interior, mas o interior nunca há de sair de mim.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
Silenciar
Ficou em silêncio como quase nunca ficava.
Ponderou como sempre tentou e finalmente estava conseguindo.
Não teve uma palavra dura e nem um sorriso atravessado.
Guardou tudo o que realmente pensava para si.
Depois elocubrou e teve medo de que aquilo tudo lhe trouxesse algum mal.
Mas não, era só não pensar e passaria.
Fixou o olhar no azul do céu que deixara.
Ao som das vozes que explicavam razões inexplicáveis preferiu lembrar-se do bem-te-vi que lhe dava bom dia.
Teria dito coisas horríveis se não estivesse em paz.
Ficou apenas pensando que sofrem muito as pessoas que a todo momento tem que fingir, interpretar, mudar de opinião para sentir-se querida ou protegida.
Também calculou que sofrem muito aqueles que não conseguem nem carregar o próprio nome e que se esforçam para esconder as raízes.
Pobre gente.
Era apenas um silêncio filosófico, o que pensariam dele não importava. Podia ser quem era e isso era mais do que libertador.
Ponderou como sempre tentou e finalmente estava conseguindo.
Não teve uma palavra dura e nem um sorriso atravessado.
Guardou tudo o que realmente pensava para si.
Depois elocubrou e teve medo de que aquilo tudo lhe trouxesse algum mal.
Mas não, era só não pensar e passaria.
Fixou o olhar no azul do céu que deixara.
Ao som das vozes que explicavam razões inexplicáveis preferiu lembrar-se do bem-te-vi que lhe dava bom dia.
Teria dito coisas horríveis se não estivesse em paz.
Ficou apenas pensando que sofrem muito as pessoas que a todo momento tem que fingir, interpretar, mudar de opinião para sentir-se querida ou protegida.
Também calculou que sofrem muito aqueles que não conseguem nem carregar o próprio nome e que se esforçam para esconder as raízes.
Pobre gente.
Era apenas um silêncio filosófico, o que pensariam dele não importava. Podia ser quem era e isso era mais do que libertador.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Interferência
Moravam todos na beira do mesmo lago.
Quando era frio, era frio para todo mundo e quando era
calor, era calor para todo mundo.
Mas os patos ciscavam na beirada esquerda, justamente onde
os sapos gostavam de se juntar para bater papo.
E não se entendiam. Todo dia a mesma discussão.
As libélulas gostavam de pousar e levantar vôo das plantas
que ficavam na minúscula ilha, justamente onde os peixes mamães ensinavam seus peixes
bebê a se defenderem, e eles sempre se assustavam com a movimentação aérea.
Mais discussão.
Quando as flores caiam na beira do gramado, parecia que
estavam enfeitando aquele pedaço para uma festa.
Pequenos pássaros bebiam água por ali.
O esquilo se atrevia a chegar bem perto algumas vezes.
Um dia, um bicho desconhecido apareceu e com ele coisas
assustadoras surgiram. Uma cerca, uma ponte, um banco em um gramado tão aparado
que mais parecia artificial.
Ainda moravam todos na beira do mesmo lago, mas tinham tanto
medo de tudo que já não brigavam pelas pequenas coisas que dava tanta graça à
vida.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Carona
Sol de tarde de inverno, quase aquece e quase ofusca a visão quando nos encara de frente na estrada.
Caminho modorrento.
Sem razão.
Caminho tranquilo e de velocidade cada vez mais reduzida pelas obras.
Obras sem arte, obras de descarte, sucessivas, invasivas.
O rádio ligado não me deixa pensar.
O caminhão do lado anda mais apressado sem carga, sem carroceria, só o cavalo pronto pra relinchar.
Buzina e quase me assusta, pra que buzinar? Estamos a trinta, quarenta quilômetros por hora.
E então percebo um caronista.
Um vôo leve denuncia sua presença.
Pousa quase na minha frente. Uma joaninha amarela.
Entre o universo do meu carro e a possibilidade de universo que vejo lá fora fico com essa segunda opção para orientar o futuro dela e abro a janela.
Nunca ando de janela aberta, mas tenho que permitir que ela ganhe o mundo.
Mas para minha surpresa ela pousa na janela ao meu lado e mais firme do que nunca se recusa a voar.
Como um cachorrinho que acaba de descobrir o prazer do vento na cara, ela parece acompanhar a paisagem.
Espio de rabo de olho esperando que se vá, esperando que a velocidade volte ao normal.
Nada. Nem uma coisa nem outra.
Penso que talvez tanto vento atrapalhe, subo um pouco o vidro.
Nada. Ela segue olhando a paisagem em seu posto de caronista privilegiada.
As sinalizações de obra vão ficando pra trás, o ritmo vai aumentando, fecho de vez a janela e sigo meu caminho.
Em casa, do carro para o dedo, do dedo para o jardim.
Uma joaninha amarela. Talvez um anjo da guarda. Talvez uma fada mirim.
Além das pessoas não tenho nada de muito precioso, mas sinto a vida que vive perto de mim.
Caminho modorrento.
Sem razão.
Caminho tranquilo e de velocidade cada vez mais reduzida pelas obras.
Obras sem arte, obras de descarte, sucessivas, invasivas.
O rádio ligado não me deixa pensar.
O caminhão do lado anda mais apressado sem carga, sem carroceria, só o cavalo pronto pra relinchar.
Buzina e quase me assusta, pra que buzinar? Estamos a trinta, quarenta quilômetros por hora.
E então percebo um caronista.
Um vôo leve denuncia sua presença.
Pousa quase na minha frente. Uma joaninha amarela.
Entre o universo do meu carro e a possibilidade de universo que vejo lá fora fico com essa segunda opção para orientar o futuro dela e abro a janela.
Nunca ando de janela aberta, mas tenho que permitir que ela ganhe o mundo.
Mas para minha surpresa ela pousa na janela ao meu lado e mais firme do que nunca se recusa a voar.
Como um cachorrinho que acaba de descobrir o prazer do vento na cara, ela parece acompanhar a paisagem.
Espio de rabo de olho esperando que se vá, esperando que a velocidade volte ao normal.
Nada. Nem uma coisa nem outra.
Penso que talvez tanto vento atrapalhe, subo um pouco o vidro.
Nada. Ela segue olhando a paisagem em seu posto de caronista privilegiada.
As sinalizações de obra vão ficando pra trás, o ritmo vai aumentando, fecho de vez a janela e sigo meu caminho.
Em casa, do carro para o dedo, do dedo para o jardim.
Uma joaninha amarela. Talvez um anjo da guarda. Talvez uma fada mirim.
Além das pessoas não tenho nada de muito precioso, mas sinto a vida que vive perto de mim.
terça-feira, 14 de junho de 2011
Lagartixa
lagartixa. S.f. 1. Designação comum a várias espécies de reptis, lacertílios, de pequeno porte, especialmente os geconídeos, com dedos providos de lâminas transversais adesivas que lhes permitem subir em paredes lisas, pedreiras ou troncos escorregadios. Cerca de 15 espécies ocorrem no Brasil. [Sin.: víbora e sardanisca ou sardanita.] 2. Antiga peça, pequena, de artilharia. 3. Bras. Mulher magra e de talhe flexível.
E é da primeira que vamos falar.
Não, não tenho nenhuma "bichofobia", mas acontece que moro no Brasil, moro em uma cidade do interior, moro em uma casa e convivo com essas coisinhas.
Elas são discretas e não frequentam lugares perigosos como o teto acima da mesa de jantar ou o fogão.
Mas sabem como denunciar sua existência e ficar apenas existindo enquanto os atropelos acontecem.
Atropelo número 1: minha caçula vive de pote em punho porque quer ter uma lagartixa de estimação.
Sempre a postos para capturá-la e traçar planos de mantê-la bem alimentada, confortável, como se fosse um outro animalzinho qualquer. Sem muito sucesso porque quando consegue capturar, logo a convencemos a libertá-la no quintal.
Atropelo número 2: Dora, a gata, vive de orelha em pé e pronta para a caça. Não raro, pela manhã precisamos rapidamente dar cabo de algum defuntinho que teve o azar de passear despreocupadamente pela noite. E muitas vezes nos ocupamos de distrair Dora ou fazer passear algum filhotinho desavisado.
Uma delas porém encontrou uma maneira de provocar: caminha tranquilamente pelo lado de fora da janela da cozinha, hipnotizando a gata. Mas que, a qualquer momento pode dar um pulo ágil em cima da pia para tentar uma vez mais.
Lagartixas. Como uma coisinha tão pequena, quase transparente e silenciosa pode causar tanto barulho e não emitir nenhuma opinião? Bom, até pode emitir, eu é que não falo lagartiches.
E é da primeira que vamos falar.
Não, não tenho nenhuma "bichofobia", mas acontece que moro no Brasil, moro em uma cidade do interior, moro em uma casa e convivo com essas coisinhas.
Elas são discretas e não frequentam lugares perigosos como o teto acima da mesa de jantar ou o fogão.
Mas sabem como denunciar sua existência e ficar apenas existindo enquanto os atropelos acontecem.
Atropelo número 1: minha caçula vive de pote em punho porque quer ter uma lagartixa de estimação.
Sempre a postos para capturá-la e traçar planos de mantê-la bem alimentada, confortável, como se fosse um outro animalzinho qualquer. Sem muito sucesso porque quando consegue capturar, logo a convencemos a libertá-la no quintal.
Atropelo número 2: Dora, a gata, vive de orelha em pé e pronta para a caça. Não raro, pela manhã precisamos rapidamente dar cabo de algum defuntinho que teve o azar de passear despreocupadamente pela noite. E muitas vezes nos ocupamos de distrair Dora ou fazer passear algum filhotinho desavisado.
Uma delas porém encontrou uma maneira de provocar: caminha tranquilamente pelo lado de fora da janela da cozinha, hipnotizando a gata. Mas que, a qualquer momento pode dar um pulo ágil em cima da pia para tentar uma vez mais.
Lagartixas. Como uma coisinha tão pequena, quase transparente e silenciosa pode causar tanto barulho e não emitir nenhuma opinião? Bom, até pode emitir, eu é que não falo lagartiches.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Quem é Fernando?
Fernando de Bulhões é o nome dele.
Eu nunca soube, descobri hoje.
Não que tenha adotado outro por vaidade ou por malandragem.
Tampouco o adotou como nome artístico.
Não, as razões foram bem outras.
Estudou Direito. Não porque pretendia fazer carreira, mas porque era um estudioso.
Mal se sabe a data certa de seu nascimento.
A maioria aceita a hipótese de Agosto - entre 91 e 95. Não, não de 1900, nem de 1800, bem antes disse, 1191 a 1195.
Se foi antes dos 40 anos.
Essa data sim, sabem os historiadores. Se foi em 13 de junho de 1231.
Fernando de Bulhões, nascido em Lisboa, correu o velho mundo pregando e escrevendo sermões para os católicos.
Ah Santo Antonio, o milagre de cada dia nos dai hoje!
Eu nunca soube, descobri hoje.
Não que tenha adotado outro por vaidade ou por malandragem.
Tampouco o adotou como nome artístico.
Não, as razões foram bem outras.
Estudou Direito. Não porque pretendia fazer carreira, mas porque era um estudioso.
Mal se sabe a data certa de seu nascimento.
A maioria aceita a hipótese de Agosto - entre 91 e 95. Não, não de 1900, nem de 1800, bem antes disse, 1191 a 1195.
Se foi antes dos 40 anos.
Essa data sim, sabem os historiadores. Se foi em 13 de junho de 1231.
Fernando de Bulhões, nascido em Lisboa, correu o velho mundo pregando e escrevendo sermões para os católicos.
Ah Santo Antonio, o milagre de cada dia nos dai hoje!
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Caleidoscópio
Fechou os olhos enquanto o sol aquecia o rosto e deleitou-se
imaginando como seria.
Tranquilo, apesar da correria.
Empolgante, apesar de assunto velho.
Revelador, apesar de quietar atrás de uma mesa.
O sol que aquece, brilha e revela também produz manchas
verdes que só os olhos fechados podem ver.
Caleidoscópio natural é ficar de olhos fechados no sol e
enxergar apenas dentro, os círculos de cor.
Um deleite.
Até que alguém bateu no ombro e fez uma pergunta inútil
qualquer.
Respondeu e voltou a fechar os olhos.
A vida foi passando.
As cores foram mudando.
Apenas envelheceu. Mas envelheceu mais feliz depois que a
imaginação foi virando realidade.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Aristides
O meu nome é Aristides.
A mãe nunca soube dizer por quê.
Quando eu nasci eu fiquei sendo “o menino” até quase três meses.
Aí o pai foi na cidade e quando voltou entregou o documento pra mãe com esse nome: Aristides.
A mãe não gostou, mas achou melhor não brigar com o pai.
Só falou que o nome era muito grande para um menino tão pequeno e começou a me chamar de Tide.
O pai me chamava de Ari.
As poucas pessoas da roça onde a gente morava me chamavam de moleque quando comecei a circular e quando se referiam a mim diziam apenas “o raspa” do seu Osvaldo.
Eu podia ter sido Osvaldo Junior, mas o pai não pensou.
Eu nunca perguntei pro pai de onde ele tirou a idéia de me chamar de Aristides.
Mês passado eu acho que descobri.
Eu perdi todos os documentos, todos, mas tudinho, não sobrou um nada e pra começar tudo de novo eu fui lá na cidadezinha pedir outra certidão de nascimento.
Fui de ônibus. Dá quase três horas da cidade onde eu moro agora.
A cidade tá igualzinha. Acanhada. Uns cachorros magros pela praça.
O moço que me atendeu no balcão quando trouxe meu documento novinho em folha me chamou de xará.
Eu perguntei se ele chamava Aristides, porque vai que xará já quer dizer outra coisa com essas modernidades que andam por aí.
Ele respondeu que sim, Aristides Junior.
Como a idade dele regula com a minha, fiquei pensando que meu pai não tinha nenhuma idéia de nome pra me dar e me registrou com o nome do dono do cartório.
É um bom nome o meu, Aristides. Eu acho bonito.
terça-feira, 7 de junho de 2011
Tarsila
Parecia meiga.
O sorriso desenhado delicadamente.
As mãos de gestos leves.
Passos silenciosos pelos corredores.
Parecia decidida.
Palavras firmes sem sussurro.
Olhar fixo sem desviar do encontro.
Respiração controlada.
Tinha sido menina.
Recolheu toda a magia e resguardou-se.
Resguardar-se não era a única opção, foi escolha.
A couraça da tartaruga.
A casca da árvore.
A coreografia do tatu bola.
O que esperava não sabia.
Ainda a vejo todo dia.
Ainda parece meiga.
Sorri delicadamente, mas eu nem sempre consigo sorrir de
volta.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Passarinhos
- Você repara nos pássaros da sua vida?
- Que pássaros? Eu não tenho pássaros.
- Os pássaros que passam por você quando está dirigindo, caminhando, almoçando, trabalhando...
- Não, mas eu nem vejo pássaros. Só se um deles me sujar. Você vê pássaros?
- Muitos.
- Quando estou dirigindo na estrada vejo ao longe, às vezes em bando, às vezes em vôo solitário e sempre fico aflita com um sobrevôo mais baixo, perto do carro. Em casa pardais. Outro dia quando cheguei ao escritório, não vi, mas ouvi o bem-te-vi me dando bom dia. É delicioso. Mais tarde em uma reunião, por mais que eu tomasse nota e prestasse atenção, não podia ignorar o bonitinho pousado no fio da rua.
- Como era?
- Roliço, charmoso, de cor cinza aveludado. Ficava lá no fio apenas existindo. Fazendo cocô amarelo, ignorando qualquer olhar indiferente ou admirado. Os pássaros povoam nossa existência mesmo nessa cidade tumultuada, se você apenas existir em alguns momentos poderá encontrá-los em seu caminho.
quarta-feira, 1 de junho de 2011
As coisas
Eu abandono a ordem rígida das coisas, mas elas não me abandonam.
Tenho mais de cem lápis em um porta-lápis só para eles e todos estão rigorosamente bem apontados.
Quando uso um, ele fica de lado, em outro porta-lápis, e quando a maior parte já migrou de um pote para outro, aponto todos até ficarem como novos.
Tenho um apontador elétrico.
Os meus sapatos têm par na sapateira. São agrupados por semelhança, assim podem trocar experiências.
Pendurar roupas no varal é um exercício de arte para mim.
Gosto de separar todos os prendedores por cor e tipo. Uso critérios diferentes em cada ocasião: todas as camisetas com prendedores verdes. Ou, uma peça com verdes, uma peça com vermelhos e outras combinações possíveis. Pode-se também combinar a cor da peça com a cor dos mesmos e nunca, jamais, usar duas cores diferentes. Uma heresia.
Já me disseram que se eu fizesse isso todo dia essa mania logo acabaria.
Outros me dizem que eu tenho toque.
Outros me dizem que... ah, não me importa, o que me importa é que eu procuro me divertir fazendo qualquer coisa.
Nunca, jamais eu lavo um garfo junto com uma colher e nunca o último fica sozinho e triste no fundo da pia. Se não são em número par, o último grupo será um trio.
Eu converso com as coisas.
As coisas nunca me responderam com palavras, mas me entregam a poesia da sua existência e eu posso contar as histórias delas. Elas gostam.
Eu gosto e é o que basta.
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