terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eu e a alma das coisas

Não gosto de ver pequenos pedaços de sabonete.
É um jeito indigno de terminar uma vida tão cheirosa.
Pedacinhos desgarrando-se da grande barra que foram e derretendo sozinhos no ralo indiferente.
Água fria ou água quente, não importa.
Tenho pena dos pequenos pedaços de sabonete. Os líquidos me fazem sofrer menos.
Assim como sofro menos com os tubos cheios de creme dental.
Dói em mim apertar tanto plástico já tão magrinho em busca de uma última porção.
Amassado, desfigurado, já ao lado do substituto, saudável, imponente, sem saber que seu futuro será o mesmo.
A arrogância da juventude em tudo se vê.
E também me apiedo do gomo da tangerina que cai sem ser degustado.
Logo alguém grita: joga no lixo, ah deixa pra lá, olha o cachorro gosta! E o destino daquele que se desgarrou se transforma.
Tanto tempo flor em botão, pequeno fruto, chuva e sol, colheita, longo caminho para nos deliciar e enquanto os irmãos gomos cumprem a função, se desgarra e termina assim, humilhado.
Não gosto dos destinos alterados. Não gosto dos destinos premeditados. Não gosto dos destinos cumpridos por inércia.
Eu tenho a alma das coisas, mas pouca gente acredita em mim.

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