Ela já estava ficando arroxeada, então, era preciso uma caminha com algum resto de pano que a mãe deixara perto do tanque.
O pauzinho molhou, inchou e por isso, amputar a perna.
A boneca estava perdendo as linhas que lhe serviam de cabelo.
Ah, como a vovó Sonia que além de doente ficou careca.
Pobre boneca, iria viver tão pouco e por isso mesmo apertou-a com carinho em seu peito.
A camisetinha branca ficara manchada. Alguns furinhos. As outras meninas davam risadas.
Quis dar um beijo na boneca e teve um pouco de nojo.
Mas depois, lembrou-se que o vovô Otávio lhe beijava as bochechas mesmo quando a mãe lhe acudia limpando o nariz escorrendo.
O que significava que quando uma pessoa gosta da outra gosta até mesmo das suas melecas.
Apertou a batata inchada contra os lábios.
Pegou uma canetinha vermelha e alargou-lhe os lábios, ampliando seu sorriso:
- patrícia, esse pode ser o seu nome, e mesmo doentinha você precisa ficar feliz porque a mamãe te ama viu?
Continuou brincando.
A mãe, de vez em quando, espiava pela janela, estava costurando, reformando uma camisa, encurtando uma calça para transformar em bermuda, tirando a manga de um vestido pra lhe dar uma outra cara e aguentar mais um verão.
Os olhos nem tinham tempo para encher de lágrima.
A boneca de cabelo, praticamente na caixa, espiava com inveja da patrícia.
- mãe posso brincar com a Regiane?
- quem é essa?
- minha boneca de cabelo
- ah, não, vai sujar, olha só sua mão! deixa ela aí enfeitando a sua cama
- mas mãe, a patricia morreu, eu tô triste e ela também, olha só a cara dela, sufocada nessa caixa!
- e se estragar?
- e se não estragar e eu crescer infeliz?
- pode pegar, pode ir, mas lava essa mãozinha!
Sorrisos se abriram, o coração da Regiane disparou.
A mãe não conseguia abandonar seu passado tão presente de privações e reservas para o futuro.
Que futuro?
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