quarta-feira, 2 de junho de 2010

Somos o que nem sabemos

Ele se chamava Diogo.
Eu o chamava de "seu" Diogo, porque eu era criança e ele era adulto e crianças respeitavam os adultos chamando-os de senhor e senhora ou dona.
Ela se chamava dona Joana.
Eles eram nossos vizinhos.
Quando nos mudamos de Osvaldo Cruz para Tupã, eles eram os nossos vizinhos da direita.
À esquerda não tínhamos vizinhos. Era o "quintal" de uma serraria e eu o espiava louca de vontade de pular naquele monte de pó de serra que se acumulava por lá.
O homem da serraria me dava muitos toquinhos de madeira com os quais eu construía mundos!
Mas, voltando ao casal seu Diogo e dona Joana, eles nem sabem disso, talvez eu mesma só tenha descoberto agora, mas eles me ensinaram uma das coisas mais importantes nesse emaranhado de vidas que compõem as famílias.
Eles tinham um único filho, o que perto da nossa composição de cinco filhos mais pai e mãe era bem diferente.
E ele era preto. Preto, bem preto. Que preto é o nome da cor, como branca, bem branca é a minha cor.
E ele era adulto. Um moço bem forte de sorriso tão largo, tão bonzinho e atencioso que eu achava que ele por ser preto de pais brancos e tão gentil nunca tinha sido bebê, eu achava que ele tinha aparecido assim na vida do seu Diogo e da dona Joana, para alegrar a vida deles que deveria ter sido triste sem ter nenhum filho bebê.
E foi assim que eles me ensinaram sem saber que para ter família nem sempre é preciso parir.
O seu Diogo jogava na loteria esportiva toda semana e coleciona todas as suas apostas em caixas de sapato.
Enquanto tivemos contato não tive notícias de que ele tenha ganhado alguma coisa.
A dona Joana foi quem disse a meu irmão onde ele poderia encontrar um filhote de gato amarelo quando eu adoeci de saudades do meu gato que ficara em Osvaldo Cruz.
Seu Diogo e dona Joana recebiam a visita de uma mulher muito elegante, que tinha uma filha muito linda que se chamava Laís, de onde se originou o nome de minha irmã caçula, Laís, linda como a menina dos cabelos longos que visitava dona Joana e que, não brincava comigo porque não podia se sujar.
O João me surpreendia brincando no quintal, fazendo sanduíches com sementes de colorau e se dispunha a experimentá-los e elogiar o meu trabalho. Ele era um bom cliente da minha lanchonete de bolinhos de barro enfeitados com flores.
Eles foram anjos que passaram pela minha infância. Dos defeitos que certamente tinham, dada a condição de humanos, não consigo me lembrar.

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