terça-feira, 5 de abril de 2011

A Mada

Era uma mulher amarga.
Ninguém sabia.
Sorria o tempo todo e sabia usar o batom como ninguém.
As roupas eram coloridas e modernas.
Nada espalhafatoso, mas nada que indicasse a tristeza escondida.
Era uma mulher segura "da boca pra fora", como dizem todos.
E eu, e ela também.
Da boca para dentro era um embate entre língua e dentes que ninguém podia supor.
O que queria era dizer que ia à missa, mas que não acreditava mais no credo.
Que tinha medo de umbanda, mas que não se importaria em se sentar em uma mesa branca.
A mesa das mesas brancas é branca? Ou são apenas toalhas que podem ficar amareladas e puídas de tanto esperar pelo espírito que vem em paz e seriamente.
Não apenas aquele brincalhão que gosta de ver os pelos dos braços arrepiados.
Era uma mulher amarga.
Ninguém sabia.
E pra quê haveria alguém de saber?
Isso era lá coisa dela.
Sorria o tempo todo mesmo sabendo que aquele camarada nunca mais ia voltar.
Mesmo sabendo que aquele emprego era um tédio, mas pra quê recomeçar?
O que queria era dizer que tomava vinho, mas que a vodca lhe descia melhor.
Que deixava que lhe chamassem de Mada, mas que seu nome inteiro tinha muito mais valor.
Que a janela vivia aberta só porque do contrário o mofo seria muito pior.
Que passava a mão na cabeça das crianças com a esperança de que elas fossem logo brincar.
Era mulher amarga.
Ninguém sabia.
Nunca deixaria um bilhete ou um diário, essas bobagens de sempre e de hoje em dia e, por isso, era uma mulher amarga e nunca ninguém saberia!

Um comentário:

  1. Um texto que, de fato, emociona. Isso me faz lembrar porque me formei em Letras. Amor às palavras e à boa literatura. Como essa aqui.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.