quinta-feira, 26 de maio de 2011

Vento Artificial

Era gostoso, mas também era solitário ser a neta do Seu Augusto, na fazenda.
Eu era um cisco de gente e percorria longas distâncias entre um lugar e outro.
Parecia um mundo sem fim.
O moço dos cavalos me deixava ajudar a dar banho no Pombinho – o cavalo branco preferido do meu avô.
O homem que cuidava do café e das máquinas ficava muito apreensivo com a minha presença perigosa.
Outro me deixava pegar espigas de milho no paiol e jogar aos porcos. Não era uma coisa boa, eles brigavam por ela e alguns eram tão gordos que mal se mexiam.
Era uma fazenda de adultos, não tinha crianças.
Eu andava só de um lado para outro e me sabia vigiada por olhos ocultos porque nada podia acontecer com a moleca do Seu Augusto.
Quando eu circulava pelas casas da colônia ganhava pedaços de bolo de fubá, de milho, de mulheres tímidas que seguram os aventais, só porque não sabiam o que fazer com as mãos diante de minha carinha sardenta.
Até que em um tarde quente, um dos homens mais jovens me chamou de longe.
Ele tinha uma coisa nos braços e qualquer coisa despertava minha curiosidade.
Era um pedaço bem grande de corda.
Ele galgou alto em uma árvore forte e me fez um balanço.
Ajeitou uma madeirinha pra eu sentar e não machucar as pernas magras.
Um homem de poucas palavras que fez o serviço sem puxar assunto e eu só assuntando.
Quando ficou pronto eu experimentei, primeiro devagar, depois aumentando a velocidade.
Ele riu, pediu que eu tomasse cuidado e foi cuidar das coisas dele.
A partir de então passei horas perturbando o silêncio com o meu vento artificial.
Sinto falta do meu balanço de cordas.
Sinto falta do vento de verdade no rosto.
Sinto falta do barulho do galho.
Sinto falta do céu recortado pela copa da árvore.
Sinto falta de perturbar o silêncio com o meu vento artificial.

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