terça-feira, 18 de maio de 2010

O palestrante

Ajeitou a gravata. Não estava seguro da combinação com a camisa, mas não tivera muito tempo.
Olhou a platéia. A luz ofusca quem está no palco, isso pode ser uma vantagem para alguns, mas para ele era temerário.
Aprendera a olhar nos olhos dos interlocutores.
Também não sabia quantas pessoas estavam presentes.
Disseram que de manhã o auditório estivera lotado. Gente sentada nos degraus do corredor.
Se fosse verdade, umas quatrocentas pessoas.
Mas, depois do almoço, sempre há uma queda.
Uns voltam para os escritórios. Outros aproveitam para ter uma tarde preguiçosa.
É quase como gazetear uma aula.
Mas prefere poucos e bons do que alguns amontoados e sonolentos.
Um frio na boca do estômago. Já fizera isso tantas vezes e mesmo assim, toda vez tem um quê de primeira vez.
Já lá se iam muitos anos desde as primeiras apresentações, as primeiras palestras, os elogios como combustível para novas empreitadas.
Agora já não tinha a mesma aparência de antes que, quer queira ou não, ajuda um bocado.
Os fios de cabelo branco não se notam assim com essa luz, mas é melhor tê-los brancos do que não tê-los. Já a barriga. Bem, essa não dá para esconder. O truque é deixar o paletó aberto, gesticular sempre com a mão na altura da cintura. O movimento da mão engana os espectadores.
Mocinhas em seus terninhos pretos convidam a platéia a ocupar seus lugares.
Ajeitam água, bloquinhos, caneta, enquanto um rapazote que tenta domar o cabelo de roqueiro de fim de semana em um rabo-de-cavalo quase comportado ajusta o microfone.
Ele sorri e se prepara.
Ouve a lourinha anunciar seu nome, seu mini curriculum, o tema de sua palestra e sente a primeira pontada. Emoção.
Não, não parece emoção. Uma segunda pontada surge do lado esquerdo, ali não é o estômago, a dor é tão forte que lhe falta o ar. A luz ofusca, mas agora não há luz, tudo está escuro e ele agita o braço direito, não para disfarçar a barriga, mas para buscar um apoio que não encontra.
Não vê mais nada e a última coisa que ouve é um apito de microfone, como se alguém estivesse esbarrado e o deixado cair em frente à caixa de som.
Como é mesmo o nome disso?
Ah é, microfonia...

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