segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Campainha

Quando a campainha toca, chega alguma coisa.

Uma senhora de cabelo e vestido longos apresentando sua fé.
Um verdureiro apresentando suas alfaces frescas e sem agrotóxico.
Um amolador de facas.
Um menino vendendo rifa para a escola.
E, às vezes, uma história mais comprida.
- Moro do outro lado do bairro, tenho família, não passo necessidade, mas agora vivo uma situação mais delicada. Meu filho, adolescente, menino bom, estudioso, mas menino... veio descendo a rua do posto com a bicicleta... Sempre falei pra não fazer isso, que era muito perigoso, mas menino não escuta mãe, não é? Pois não é que caiu com a bicicleta moço? Um tombo feio, muito feio, bateu com o rosto no chão, perdeu a visão. Agora to juntando dinheiro pra fazer uma cirurgia lá em São Paulo que dizem que dá pra recuperar quase tudo. O governo não paga. Nossas economias não chegam. Então eu vou de casa em casa contando a história e arrecadando. Já temos quase tudo. Era vinte e dois mil, depois fizeram um desconto, caiu um pouco e agora já estamos quase lá. Faz meses que ele está em casa, esperando, não pode ir à escola, não pode fazer nada... E eu sou mãe, eu to tentando de tudo!
Uma mulher que recolhe garrafas e papelão para vender na reciclagem.
Um menino que entrega um folheto de supermercado.
Um homem que vende redes vindas diretamente da Bahia.
Uma menina que vende panos de prato bordados pela avó.
E, às vezes, uma história mais comprida.
- Pelo amor de deus, se eu estiver incomodando nem precisa me atender, eu to numa situação difícil, mas não sei da situação da senhora. Eu nem queria estar pedindo, mas já comecei a vender coisas em casa para ter o que comer. Vendi uma televisão, até um botijão de gás eu vendi esses dias. Sou formado ferramenteiro pelo SENAI, trabalhei dezoito anos com carteira assinada, mas quando sofri o acidente já estava há dois anos desempregado e o governo então não quer me aposentar por invalidez porque diz que não tenho direito. Ainda estou brigando na justiça, não me conformo, e os dezoito anos que trabalhei e contribui, não servem pra nada? Eu tenho cinquenta e dois anos, mas casei tarde, com quarenta e um e por isso tenho filhos pequenos, um de dez anos e um que vai fazer quatro por esses dias. Eu aceito qualquer coisa, só pra me aguentar enquanto não resolvo minha aposentadoria. Até pode ser algum alimento, mas é difícil carregar...
Usava muletas e não tinha parte da perna direita.
Debaixo de um sol de meio dia a pele morena e os olhos de um azul quase inútil.
Levou uns trocados e um boné.
Quando vivemos protegidos pelas guaritas e portarias de nossos condomínios sabemos menos da vida.

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