sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sem álibi

Abriu a gaveta e começou a separar as roupas velhas.
Nem toda roupa velha precisava ir embora, mas era uma desculpa para limpar a alma.
Separou algumas camisetas, algumas meias, uma ou outra calça, um vestido para pensar. Uma saia.
Nunca usava saia. Tão charmosas as mulheres de saia, mas não ela. Sempre se achando com a silhueta comprometida.
Todas as fotos clássicas, mulheres de saia.
Fotos em preto e branco.
Peles tão brancas
Lábios tão carnudos.
Pernas tão longas e desenhadas.
Cabelos em cachos tão organizados.
Tudo o que ela não era.
A blusinha listrada safou-se mais uma vez.
Confortável com uma bermuda jeans em um sábado preguiçoso em que não se sai de casa.
A camisa branca.
O blazer azul... Esse sim.
Que idéia comprar uma peça dessa cor.
Cor de céu, que nunca combinou com nada, quantas vezes usou? Uma, duas, talvez?
Pensou em organizar o armário por cores.
Tirou tudo e foi esparramando na cama.
Tinha mais roupa do que pensava e quando pensava em se vestir não tinha nada.
Que coisa é essa que nunca temos nada e os armários andam sempre abarrotados de coisas que não servem para nada?
Aproveitou e trocou a calça, respingada de vermelho, por uma bermuta xadrez.
Sempre doara peças em campanhas de agasalho, para a auxiliar doméstica, para um ou outro que batera em sua porta.
Nunca foi de guardar bobagens, mas mesmo assim...
Precisava de uma blusa preta.
Nem formal, nem muito casual.
Seria uma boa idéia anotar em um papel tudo o que ia sentindo falta.
Um jeans escuro.
Uma camisa listrada.
A campainha tocou. Primeiro assustou, depois ponderou e resolveu não atender a porta.
Ninguém deveria vir visitá-la sem telefonar antes.
E se fosse o recenseador? Passaria depois.
Uma testemunha de Jeová arrebanhando ovelhas, logo iria embora.
Mas a campainha continuou tocando.
Espiou pelo olho mágico.
Uma mulher aflita, acompanhada de um soldado, gesticulava sem parar.
Voltou para as roupas.
O policial pediu que a mulher se afastasse e preparou-se para arrombar.

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