segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Maria Olinda

Vivia de devaneios e porque vivia de devaneios não percebia muita coisa ao seu redor.
Despertar não trazia marca de fadiga já que desperta tudo fazia para logo não fazer nada e apenas sonhar.
Vivia mais dentro dos sonhos do que na beira da pia lavando pratos.
E enquanto estendia a roupa no varal podia cantar repetidas vezes a estrofe de uma música qualquer.
Não percebia o tempo roendo sua vida como traças escondidas no fundo do armário.
E porque pensava que era feliz, era feliz e nada mais. Simples assim.
Sossegada entre o ter e o ser não se desesperava quando optava por ficar em casa, lendo um livro, a ir ao casamento de uma prima de terceiro grau. Mandava um presentinho e adeus preocupação com vestido de festa, salto alto e maquiagem, cabelo em coque banana no alto da cabeça.
O gato esparramado pelos tapetes da casa. O vira-lata agradecido, recolhido na feira, machucado, tão silencioso e caridoso, em sua caixa de papelão, rabinho sempre pronto para festejar.
E porque vivia de devaneios não se importava com a maledicência das vizinhas que cochichavam ao vê-la passar: lá vai a esquisita, não sabe um nada do que acontece nessa rua, se um dia ela precisar de ajuda, quem vai ajudar?
Ah, mas ela teria muita gente com quem contar!
Vivia de devaneios, mas era moça simpática e sorridente, nunca deixava de cumprimentar, do que não gostava era daquele costume de ficar no portão, inventando coisas enquanto o arroz queimava no fogão.
E era um sonho que se realizava.
Moça simples, mas bonita, casada, a casa arrumadinha, cheirosa, o marido sempre de quinze em quinze dias mais ou menos a visitar.
Quando escutava o ronco do caminhão era quando deixava os devaneios de lado para se dedicar, e o Amadeu só pensava que quando os guris chegassem aquele sossego todo ia acabar e era bem provável que outro emprego, de viagens mais curtas, ele fosse arrumar.

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