Não podia falar tudo o que queria porque fazia sofrer as pessoas.
Não podia comer tudo o que queria porque faltaria para outras pessoas.
Não podia estar sozinho o tempo que queria porque diziam dele que era solitário.
Não podia beber todos os dias porque falariam dele que precisava de tratamento.
E assim ia rabiscando em um caderno tudo o que não tinha feito naquele dia pensando nos outros.
Chamou-o diário de privações e esperava que quando morresse alguém pudesse divertir-se com aquilo.
Fora alguns que poderiam ficar ligeiramente chateados.
De vez em quando folheava para consultar velhas anotações.
E divertia-se também.
16 de agosto de 2008
De manhã não pude tomar suco de morango porque é o preferido da Eva e tinha muito pouco.
Fiquei olhando ela tomar e babar naquele copo de flor, aquele líquido vermelho e quase cremoso. Pensei em passar no supermercado, comprar um litro e tomar sozinho quando chegasse ao escritório, cedo, ainda sem ninguém.
Não fiz isso.
E não fiz isso porque tive que deixar a Ana Elisa no trabalho e ela não poderia saber. E o percurso todo seria modificado. E o horário todo seria modificado.
E assim seguia o dia 16 de agosto com algumas outras privações.
Tudo tão nonsense que só a ele cabia entender.
Aceitar a situação. Registrar para metabolizar a frustração, muitas vezes a raiva.
E foi folheando esse caderninho, o último de muitos, ouvindo música com o fone de ouvidos, que foi deixado à deriva quando o curto circuito começou e a tragédia toda se deu.
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