sexta-feira, 8 de maio de 2009

Aristocracia

Tenho um amigo naturalmente filósofo, inteligente, de humor refinado e ao alcance de poucos.
Foi o primeiro a notar e mais, a questionar: esse seu nariz empinado, essa sua pose de princesa, de sinhazinha, de onde foi mesmo que tirou? E completava vez ou outra:
- é certo que quem vestiu seda sempre traz retalho...
Mas não vesti. Não cresci em uma família quatrocentona de São Paulo, nem entre as riquezas do leite e diamantes de Minas Gerais.
E quando penso em meu relacionamento com a comida, nem um retalho de seda pode servir como toalha ou guardanapo porque não há nenhum refinamento.
Gosto de arroz e feijão, com bife bem fininho (mas não paillard!) e salada de alface sem muito tempero. E gosto de carne moída, bem temperada com salsinha e tomate. Abobrinha refogada.
Salada de chuchu bem gelada no verão. Meu pai dizia que chuchu é metade água e metade chuva mas muito bom para a pressão alta.
E gosto de costela para horror de muitos e torresmo bem pequenino e crocante. E bife de fígado bem acebolado. Gosto da coxa do frango com batatas. E não gosto muito de tomate a não ser que seja a base, aquela parte gordinha, sem sementes. E nem de cenoura ralada ou suco de beterraba. Como para dar bom exemplo as crianças, mas não com o mesmo prazer com que como arroz, feijão e milho refogado. Gosto de carne seca com abóbora. Mas do ovo eu só gosto da clara, seja frito ou cozido.
Não gosto de alcaparras, não como escargot, não como frutos do mar.
Mas adoro rúcula, agrião, almeirão cortado bem fininho, como só a minha mãe sabe cortar.
E, como sou muito caipira, eu prefiro preparar um único prato, com tudo o que eu vou comer de uma única vez. Mas, como sou uma caipira cosmopolita, eu topo começar pela salada para depois comer o quente, às vezes.
E troco um chocolate delicado, na sobremesa, por um bom quindim ou um pedaço de pudim de leite ou mesmo um bolo de milho bem úmido com côco.
Não sei se, para minha sorte ou para meu azar, eu como muito pouco por pura falta de espaço físico e então, tenho que fazer trade-off: se a sobremesa for muito boa, o prato principal terá que ser menor, ou precisarei de um intervalo de umas duas horas. E é muito raro que eu consiga tomar o café para fechar a refeição.
Podem achar que tudo parece simples e natural, até o dia em que eu tiver coragem de contar como me relacionei com o prato servido pelo chef do rei da Espanha.

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