Carregava sempre consigo o bloco de anotações.
E anotava sutilezas.
O pedaço de uma música. Um pensamento que lhe ocorria.
O telefone de uma plaquinha indicando costureira.
O itinerário de um ônibus que talvez um dia pudesse precisar.
Números ao acaso para talvez um dia jogar na loteria.
Carregava sempre consigo uma caneta bic, azul, com a tampa impecavelmente lustrosa, sem nenhum sinal de dentada inquieta.
E com ela escrevia o pensamento do dia lido em um jornal popular qualquer.
Anotava o significado do nome. Às vezes o signo no horóscopo chinês.
Mas naquele dia teve que anotar a placa do carro que depois do barulho demorou um pouco para manobrar e sair de novo em alta velocidade.
A mão tremia. A caneta queria falhar.
As pessoas gritavam ordenando umas às outras que ajudassem, que acudissem, que telefonassem, mas ninguém se mexia.
Só a mão trêmula desenhava letras e números repetidamente mencionados para não esquecer.
E marca, e cor.
Nada mais se mexia.
Nunca imaginou que o bloco de anotações também serviria para isso.
Arrancou a página e entregou ao policial.
Na página que sobrou ainda se podia ler todos os dados, tão forte pressionou letras e números.
Passou a mão devagar. Alto relevo, baixa compreensão dos caminhos da vida e vice-versa.
Fez sinal para o Vila Mariana. Embarcou. Encontrou um banco no fundo.
Passou a mão devagar na folha em branco mais uma vez. Escreveu um trecho do Pai Nosso que mais que isso não sabia e guardou o bloco e a caneta no bolso, sutilmente.
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