quinta-feira, 7 de maio de 2009

Livros ao acaso

Abri a porta da estante. Tirei livros de prateleiras diversas e os empilhei na mesa próxima.
Sem ordem, sem critério, sem saber exatamente o que encontrar, abri páginas ao acaso e capturei um pedaço do texto.
Um jeito de alimentar a alma. Um jeito de pensar apenas pensamentos alheios. Um jeito de fazer lado esquerdo e direito do cérebro se acalmarem e trabalharem cada um a seu tempo. Um conta quantos trechos e quantos livros quando terminarmos, o outro pode se deleitar com o exercío da humildade. Ninguém escreve impunemente. Então, vamos começar:

[1] Hoje foi a vez de José Donoso. Resistiu quanto pôde à doença, mas chega sempre o momento em que o corpo abandona o espirito à sua sorte.
Cadernos de Lanzarote II — José Saramago

[2] Aquele quarto ficava no andar superior, mas os sapos rodeavam a casa coaxando. Não parecia ser apenas um, pareciam dois ou três pulando, incansáveis em torno da casa. Coaxavam por um longo tempo.
O país das neves — Yasunari Kawabata

[3] "Acaso pode o pesaroso algo mais que o choro? É somente pelo anseio que assim me exponho. Deito-me e parce que a noite diz às estrelas: ´vamos, fiquem aí e não deixem amanhecer´"
Livro das mil e uma noites - vol. 2 — ramo sírio traduzido do árabe por Mamede Mustafa Jarouche

[4] Maria erguera-se, vermelha, dando um jeito rápido aos ganchos do cabelo arranchado à pressa, um pouco desmanchado.
Os Maias — Eça de Queiroz

[5] Preciso encarar minhas origens, assumir os princípios eternos da fé. E, além do mais, isso não é da sua conta, não senhor.
O último suspiro do mouro — Salman Rushdie

[6] De todos modos ya estás deshonrada. Los ricos no aguantan eso. Tu familia debe estar muy contenta de que hayas desaparecido, así no tendrán que echarte a la calle.
Hija de la fortuna — Isabel Allende

[7] Em Paris olhavas as senhoras e acompanhavas a ration studiorum dos epicuristas, ao invés de refletir nos grandes milagres desse nosso Universum, que o Sanctíssimo Nome do seu Creador fiat semper laudato!
A ilha do dia anterior — Umberto Eco

[8] Pôs as calças justas, mas não deu os laços nem colocou no colarinho da camisa o botão de ouro que usava sempre.
Cem anos de solidão — Gabriel Garcia Márquez

[9] Não oblitero moscas com palavras. Uma espécie de canto me ocasiona. Respeito as oralidades.
O livro das ignorãças — Manoel de Barros

[10] Con todo eso - dijo el cura -, por esta vez no le habéis de llevar, ni aun él dejará llevarse, a lo que yo entiendo.
Don Quijote de la mancha — Miguel de Cervantes

[11] Condenado pelo destino à ociosidade permanente, eu não fazia absolutamente nada. Passava horas inteiras a olhar através dos vidros o céu, os pássaros e as alamedas, lia tudo quanto me traziam do correio e dormia. Às vezes, saia e vagava pelas cercanias até tarde da noite.
O violino de Rothschild e outros contos - A casa de mezanino — Tchekhov

[12] O luar é uma lenda de balada Das que avozinhas contam à lareira, E a noite é uma flor de laranjeira que jaz na minha rua desfolhada...
Poemas - Noivado estranho — Florbela Espanca

[13] Ainda que minha vida seja infeliz, os dezessete volumes aí estarão. Aí estará essa espécie de eternidade que são As mil e uma noites do Oriente.
Sete noites — Jorge Luis Borges

[14] Finalmente o namorado da modelo chega. Deslumbrado diante do cabelo tratado com Pu-xam, o cara balbucia: "você cavou o labelo?"
Tão ontem — Scott Westerfeld

[15] Ao abrir a porta, de manhã, ali quietinho na cama o velho Topi se finou dormindo. Tudo o que direi, a quem me perguntar: ah, morrer não é tão fácil.
Dinorá - Tiau Topinho — Dalton Trevisan

[16] É claro que vacilei. Vacilei muitas vezes, mesmo tendo sido preparado para a controvérsia, a privação, a adversidade.
Boca do Inferno — Ana Miranda

[17] "Sei que sua mulher vai dizer sim o ano que vem", disse ele, virando-se para Lin. "Não se preocupe. Vou ajudá-lo a encontrar uma forma de acabar com esse casamento. Agora seja um noivo generoso."
A espera — Ha Jin

[18] Racista, preconceituoso e imprudente, o delegado decidira isolar, como em um gueto, nada menos que setenta por cento da população da cidade.
Corações sujos — Fernando Morais

[19] A propósito, no final de maio, em meio a todos esses incidentes, uma carta chegara à casa dos Makioka via Sibéria, que aproveito para registrar aqui. Era uma carta escrita em inglês, destinada a Sachiko e enviada pela senhora Stolz, que voltara de Manila para Hamburgo.
As Irmãs Makioka — Jun`Ichiro Tanizaki

[20] - Ficou maluco? Não sei como, lancei-lhe na cara uma resposta ofensiva, que deixou todo mundo gelado: - Sim, como sua mulher, que você prefere manter presa num manicômio! Parou na minha frente, pálido e convulso.
Um, nenhum e cem mil — Luigi Pirandello

Lado esquerdo: 20 livros consultados, 20 textos extraídos
Lado direito: vou criar um texto com fragmentos dos fragmentos

[1] Chega sempre o momento, [2] pareciam dois ou três, [3] somente pelo anseio, [4] um pouco desmanchado. [5] Não é da sua conta, [6] de todos modos [7] ao invés de refletir [8] os laços [9] com palavras [10] dejará llevarse.
[11] Condenado pelo destino [12] que jaz na minha rua desfolhada... [13] ainda que minha vida seja infeliz, [14] finalmente [15] tudo o que direi a quem me perguntar: [16] é claro que vacilei.
[17] Não se preocupe. [18] Nada menos que, [19] em meio a todos esses incidentes, [20] uma resposta ofensiva!

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