Uma morena bonita, mas assombrada por seu monstro interno.
Um monstro que se alimenta de suas memórias.
Por que não disse que não quando de verdade não tinha vontade de ir àquele jantar?
Ficou quieta quando lhe disseram que não servia mais, que já não tinha perfil para aquele projeto.
Calada, encolhida em um canto, deixava que outras crianças usufruissem dos seus brinquedos.
Quando o pai foi embora, sequer um beijo lhe deu. Era culpada?
A mãe chorando a empurrou com o braço. Enfiou-se debaixo das cobertas e ninguém se deu conta de que dormira sem jantar, sem tomar banho, sem escovar os dentes.
Farto alimento para seu monstro que crescia enquanto ela ficava pequenina para lhe dar mais espaço.
Uma vez ou outra sacudiu bruscamente o pensamento e por um minuto sentiu o sol aquecer seus ombros erguidos.
Mas lembrou-se de que fazia um dia assim, quente, quando ele foi embora meio rindo, meio incrédulo, depois de perguntar: você achou mesmo que eu ficaria nessa cidade?
Dinorah já não podia mais com esse monstro, mas não conseguia impedir que se alimentasse de todas as suas lembranças ruins.
Acaso não tinha boas lembranças para quebrar essa rotina?
Não foi alegre o seu primeiro natal?
A sua primeira bicicleta vermelha, de três rodas?
E quando pode viajar sozinha para a casa da vó que morava tão longe, lá no nordeste?
E o primeiro beijo.
A primeira vez que comprou suas próprias roupas, sapatos.
Acaso não eram boas lembranças? Duravam tão pouco tempo.
Tomou o chá que já estava esfriando. Ajeitou a manta sobre os joelhos. Trocou a revista semanal pelo romance que estava lendo.
Era uma morena bonita, mas a sombra por trás do abajur já desenhava o monstro voltando a abocanhar seu abandono na noite fria.
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