sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Aurora

Aurora, aquela lá? Não temia nada nem ninguém!
Arrogante para alguns, tímida até para outros, falante quando lhe convinha e quieta como as pedras que esperam crescer quando disso podia tirar proveito.
A Aurora não convidava ninguém para almoçar em sua casa, mas servia um cafezinho rápido, para trocar meia dúzia de palavras de maneira impecável. E o café? Uma delícia.
Aurora tinha ancas largas. Que para muitos até hoje significa mulher parideira, mas Aurora não se deu ao trabalho de parir ninguém.
Não, não ia se responsabilizar por um ser que seria seu compromisso para sempre.
Alegrias e tristezas? Isso é o resumo de filhos? Podia ter bichos de estimação que não usam fraldas, não vão à escola e podem ser deixados sós em casa sem que nenhum vizinho denuncie abandono de incapaz.
Mas nem isso Aurora tinha, não queria nada nem ninguém em seu caminho, em seu canto, em seu descanso.
Aurora, aquela lá? Hummm...
Era sempre assim que as conversas sobre ela começavam, mas impossível prever como terminavam tais conversas.
Amada por uns, detestada por outros.
Vista em missas de domingo.
Separando agasalhos para o caminhão da doação.
No mercado, carrinho cheio de suficiência, nada de luxo.
Um trabalho incomum. Recebia envelopes e mais envelopes com volumes de tamanhos diferentes e, sentada na janela que dava para o corredor sombreado por uma bonita árvore, óculos no nariz, rodeada por dicionários e tantos outros livros, fazia anotações sempre com canetas vermelhas naquela papelada toda.
De volta aos envelopes, alguém vinha buscar. Nem sempre o mesmo carro, nem sempre a mesma pessoa e, em algumas raras vezes, Aurora mesmo se enfiava em seu vestido florido, sandália marrom e seguia com o pacote embaixo do braço.
Desaparecia na esquina, mas podia ser vista no ponto de ônibus.
Aurora, aquela lá? Foi virando paisagem na vizinhança que foi organicamente se alterando, mudando, casando, morrendo, ignorando e hoje, deve ser um arrebol lá pelos lados da Aclimação.

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