segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O dia em que achamos um bebê

Na verdade não era um dia, era uma noite.
Ensaiávamos um espetáculo de teatro no Ruth Escobar, sempre muito tarde da noite, depois da apresentação programada e estávamos no bar ao lado.
Era mais um canto que um bar, mas era possível comer um misto quente, tomar uma coca-cola e falar bobagens.
Naquela noite ouvi um barulhinho e pedi silêncio. Escutem, parece um bebê. Ah, não é, deve ser algum filhote de cachorro, gato, sei lá.
Nossa, mas parece um bebê. É, eu também acho. Vamos ver?
Deve estar na escadaria.
Credo, a escadaria é um rio de xixi.
Mas e daí? E se for um bebê?

E fomos, alguns. Outros ficaram curiosos. Outros apenas ficaram mastigando seus sanduíches e incredulidades.
E era mesmo um bebê.
Um bebê embrulhado em uma manta branca, deixado em um dos degraus daquela escadaria suja.
A noite era quente, mas qualquer que fosse o tempo nada poderia ser mais frio do que aquilo.
Quis logo pegar e acomodá-lo, mas nada o fazia parar de chorar.
Não voltamos ao bar.
Quis o destino e o mapa que quase em frente ao número 209 da Rua dos Ingleses, o teatro, ficasse o número 258, hoje Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, que naquela época já era um hospital, mas não sei se infantil ou se com esse nome.
Procuramos na recepção alguém que nos pudesse ajudar e a primeira providência, antes mesmo de recolher o bebê para examinar, acalmar, proteger, avisou a polícia.
Naquela noite o ensaio começou bem mais tarde.
Esperamos a polícia. Contamos toda a história. Despedimos-nos do bebê e com os policiais atravessamos de volta a rua. Refizemos o caminho. Ouviram o dono do bar e outras testemunhas que confirmaram toda a história, assinamos alguns papéis, deixamos nossos nomes, endereços e telefones para futuros esclarecimentos.
Disseram-nos que o bebê seria entregue ao juizado de menor.
Era um menino.
Ninguém podia ficar com ele. Não tínhamos mais de vinte anos e nem cogitamos essa possibilidade.
Nunca fomos procurados para mais esclarecimentos. Nunca procuramos ninguém para saber do menino.
Que destino terá tido o bebê da escadaria do Bixiga?
Gostava de saber.

Um comentário:

  1. Terrível, essa escadaria. Quase tive um ataque cardíaco subindo quando ia ver as peças do Yuri no Ruth Escobar.

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