E o que tenho a dizer depois de vinte anos senão que estou preparada para mais vinte e que escolheria de novo o meu José?
Que me lembro da chuva forte que nos deixou ensopados em um Ibirapuera ainda puro, com uma câmara fotográfica na mão fazendo um trabalho de faculdade.
Que me lembro dos passeios de bicicleta.
De tantos filmes que assistíamos caminhando pela paulista.
Do suco na casa de sucos.
Das viagens de ônibus para o interior de São Paulo, roteiro mãe-sogra, sogra-mãe.
Da rotina de levantar cedo aos sábados para andar a cavalo na hípica de Mairiporã e depois almoço no O Velhão.
De comprar tantos CDs no Eldorado da Pamplona que agora é Carrefour que nem dávamos conta de ouvir tantas músicas.
E de termos feito uma assinatura na locadora de vídeos quando o DVD surgiu em nossa vida.
E o que tenho a dizer depois de tantos anos?
Do quanto ficamos com cara de e agora? Quando a primeira gravidez surgiu e era ano de ir à Itália depois de Espanha e Portugal.
E lembro-me de ter me casado com você muitas vezes.
E do que mais me lembro são dos dias absolutamente úteis em que ganhei café na cama, uma música, um telefonema de como você está?
E como escrever um livro ou um filme se uma grande história é feita apenas de pequenas coisas?
E a alegria que foi depois da nossa família ter três pessoas recebermos a quarta criatura que completaria tudo?
E Juca & Jaqueline nossos primeiros gatos.
E Haku nosso primeiro cachorro.
E tantas casas que moramos. E tantos objetos que eu quis comprar e você quis construir.
E a mansão de bonecas que construiu com as meninas? Dois andares, janelas com sol e estrelas, cores, piso especial.
E os pães e os jantares com os amigos.
E os silêncios e as caras amarradas inevitáveis.
E a sua mania de anotar números de telefones em pedaços quase invisíveis de papel.
E o seu tempo tranqüilo de sair enquanto fico esperando na porta com a bolsa a tiracolo fazendo caras e bocas.
Um dia de cada vez. As meninas nos revelando, crescendo, pontuando uma existência útil.
Quem há de querer saber disso tudo senão nós dois e nossos netos quando a nossa infância voltar?
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