terça-feira, 30 de junho de 2009

O bêbado da missa

Eu o vi na fila para receber a comunhão cristã, a hóstia sagrada, da missa da noite do domingo.
Não precisei mais do que um segundo para saber que estava embriagado.
Alto, magro, não sei quantos anos, mas não muitos, entre 50 - 55. Não sou boa nisso.
Um blusão escrito São Paulo atrás, mas não me convenceu de que fosse o seu time do coração.
Barba por fazer.
Manteve-se na fila e vi o padre lhe dispensar um olhar diferente, mas não fez nada além disso.
Tratou-o como qualquer outra pessoa da fila e seguiu seu ritual.
Ele saiu pelo corredor lateral e pude vê-lo de frente.
Alguém, além de mim, sofreu sua dor naquele momento? Acho que não.
As pessoas embriagadas despertam em mim comiseração. Não os bêbados de balada. Não os bêbados do futebol. Não os bêbados da faculdade.
Os embriagados das igrejas e das casas silenciosas, recolhidos em sua dor.
Ajoelhou-se atrás de uma pilastra, não muito longe de onde eu estava e com gestos suaves parecia conversar com um Deus mais que presente.
Depois, ficou por ali esperando a missa acabar e deixei-o ajoelhado no nicho de São José, orando uma oração infinita.
O frio do domingo à noite é diferente para quem tem uma segunda-feira para recomeçar.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

o conceito de coragem para mulheres

Sexta-feira cortei o cabelo. Mais uma vez, e ele já é bem curto.
E, precisava de uma cor em minha vida, porque não vermelho?
Vibrante, estimulante, diferente.
Para espanto de muitos. Para bocas abertas de outras clientes que escovavam seus cabelos longos há quinze, vinte anos.
Sempre igual! Corta só um dedinho! Não tenho coragem, não quero nem pensar em cortar. Uma vez arrisquei até o ombro e chorei meses!
E o que me espanta é o espanto delas!
Submetem-se a cirurgias impensáveis para eliminar gorduras que só elas enxergam!
Ok, muitas vezes nós também as vemos, mas nada que uma disciplina alimentar e de exercícios não ajudasse!
Uma amiga liga e comenta: ai, errei o tempo da recuperação, pedi uma semana, mas precisarei de mais uns quinze dias! Estou parecendo uma múmia e dói tudo.
Outra precisou alugar uma cama hospitalar e contar com a ajuda da filha para ir ao banheiro!
Uma terceira me diz que tem um degrau, que daria até para por um vaso de flor e que, apesar de toda a dor da recuperação, vai corrigir isso.
Isso sim é que é coragem! Admiro, porque não tenho.
Já o meu cabelo, ah, esse cresce e dá pra cortar de novo, pintar de outra cor, encaracolar, alisar, sem dor e por um custo bem mais amigo do meu fluxo de caixa!
Mas vaidade não se discute e podemos falar de futebol!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Uma lágrima por Michael

Que nasceu americano em 29 de agosto não exatamente a seu gosto.
Que teve muitos irmãos.
Que teve que viver o sonho do seu pai.
Que teve uma infância esquisita, cantando e fazendo sucesso sem bem entender o que era isso.
Que proporção isso tomaria.
Uma lágrima por Michael que passou a vida de mal do seu nariz.
Que não queria enxergar a sua boca negra.
Que não encontrou a sua raiz.
Que lutou contra a sua pele.
Que precisou se virar do avesso para procurar o que nunca encontrou.
Uma lágrima por Michael que quis procriar.
Que escondeu os filhos sem mãe, que os pendurou pela janela, que os nomeou em sua própria homenagem.
Que repetiu seu pai tatuando um destino irreparável em crianças desconexas.
Uma lágrima por mãos e pés etéreos de um dançarino leve que sempre escondeu, durante as mágicas coreografias, o peso de ser quem era.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Zé Paulo da moto

Esperou por ela na entrada da vila, em seu carro novo.
Novo para ele nunca significou carro zero. Um sonho muito distante.
Novo porque seu desde a última segunda-feira. Lataria por fazer, uma maçaneta enroscando, câmbio com jogo, mas tudo isso tudo bem, nada assim tão visível.
A cor não, a cor todo mundo via e não se convencia de que alguém em seu juízo perfeito poderia ter concebido e fabricado um carro azul carne estragada.
Mas não era ficção, ele estava bem ali. Perdido nesses pensamentos quando ela chegou.
Alegre, sorriso franco, um bom humor tirado não se sabe de onde.
Cheirosa. Cabelo arrumado. Batom brilhante. Brinco delicado.
Moça pra namorar. Moça pra casar.
Só por isso foi convencido a trocar a moto por esse carro.
A moto sim impunha respeito. A moto sim fazia com que se sentisse poderoso.
Com a moto voava pelos vãos das avenidas totalmente inserido no contexto.
Protetor, protegido, da turma, com assunto, com função, sem medo.
Foram para o bar onde toda a turma do bairro se encontrava.
Parou o carro longe, mais seguro, menos muvuca do que em frente ao bar, mais fácil de estacionar e tranquilo, lugar de casas, seguro mesmo. Medo de ser visto, mas ela não atinou.
Conversa de bar. Cerveja gelada. Provolone e salame. Conversa fiada, conversa animada.
Ninguém percebeu que ele estava cabisbaixo.
Nem mesmo ela.
Fim de noite. Ele cansado. Ela sorridente.
Parou o carro na entrada da vila. Ela o beijou, ele quase retribuiu.
Esperou que ela subisse a escadaria e mais uma vez comparou a moto com o carro azul carne estragada. Não.
Ninguém percebeu que ele não tinha a menor intenção de voltar.
O carro foi encontrado abandonado na M´Boi Mirim. Sem marcas de violência. Com a chave no contato. Um cheiro delicado de perfume.
Ele não. Ele nunca mais foi visto. Ele não era mesmo moço de se casar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Cristina

O dia começa e meu olhar parece programado para seguir a mesma trajetória.
Tela do celular para me certificar que é mesmo hora de abandonar o ninho. Janela do banheiro para decifrar a cor do céu.
Meninas prontas para a escola, um café reconfortante, a estrada e suas nuances diferentes a cada dia.
Hoje alguém conseguiu capotar um carro na Bandeirantes. Inusitado, mas não o primeiro dessa minha série de imprevistos. Nos acostumamos e preocupo-me mais em desviar e passar sem atrapalhar ainda mais o trânsito.
Reuniões, emails, telefonemas, papéis. O dia é atropelado por essa rotina.
Almoço fora, reunião fora, fez lição?
Caminho de volta. Crianças acordadas, tchau Rose, jantar e crianças na cama.
Ver um pouco de bobagem na tv enquanto alguém da familia ainda está em reunião em São Paulo.
Mas de repente, um chamado.
Presto mais atenção para ver de onde vem e lá está ela, no escuro, me espiando pela porta da sala.
Não ouso abrir, mas vou até a porta da cozinha e ela, ela chega primeiro que eu e tenta escapulir pela grade do portão.
Tenta mas não quer porque ao meu primeiro chamado volta feliz e se enrosca em minha perna.
Passo a mão em sua cabeça. Ela ronrona.
Abro o forno com cuidado e escolho um pedaço do frango ainda quentinho.
Agachada no quintal escuro vou oferecendo pequenos pedaços.
Seus olhos verdes me fitam. Sabe que estou quase dominada.
Digo que não posso ficar com ela e fecho a porta. Afinal, já está alimentada. Mas ela não vai embora. Continua me chamando.
A minha primogênita desce. Ai meu deus, já deveria estar dormindo! Conta-me que durante a tarde a gatinha brincou com ela no banco do jardim e que depois seguiu a nossa caçula até em casa. Fecho a porta da cozinha que dá acesso aos outros ambientes. O nosso whippet dorme enrolado em sua cama, o mais gato dos cães não se abala com nossa movimentação e continua dormindo todo coberto.
Abro uma vez mais a porta da cozinha. Ela entra confiante e explora cada canto. Ronrona, lambe a pata, me encara esperando um convite para ficar.
Eu a deixo ficar por alguns momentos. Ajeito uma toalha velha em um canto, mas fora da cozinha e fecho a porta uma vez mais, apago a luz, de novo criança na cama, eu no sofá folheando tantas revistas que ainda estão por ler.
E lá fora está ela. Ora na porta de cá, ora na porta de lá.
Por mim estaria aninhada em meu colo.
Tem cara de Cristina a gatinha que me escolheu. Onde posso me esconder, se seus olhos e seus chamados agora estão em mim?

terça-feira, 23 de junho de 2009

Meu pé de abóbora

Em um dos tantos endereços em que morei tinha uma pé de abóbora.
Como é que se diz pé, já que é um esparramado de folhas que se atrevem a crescer sem parar? Se diz pé?
É uma parreira rasteira.
É uma coisa linda de se ver.
É uma folha que pinica a perna.
É uma planta sensível, que se aborrece quando você aponta o dedo para sua abobrinha bebê e o aborta. É, é quase cruel. A mãe abobreira quer ter os seus bebês sem nenhuma interferência. Faça de conta que você não os viu!
E, nessa época, sob os protestos veementes de vó Amélia, eu calçava umas galochas e me aventurava por dentro daquela verdadeira floresta.
Era a minha amazonia.
Era o meu vale perdido onde a qualquer momento eu poderia encontrar um ovo de dinossauro.
Era cada vez maior, subindo pelas minhas canelas magras e raladas.
Não pude fotografar.
Naquela época as máquinas eram coisa de adulto.
Não pude filmar, subir na net, comentar no facebook, digitalizar.
Meu pé de abóbora vive apenas em mim.
Enroscado em minhas histórias infantis, pueris até o momento em que decido publicar.
E então, minha memória aborta mais uma imagem, magoada como a rama deixando cair a abobrinha ainda quase em flor.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A vítima

Começou a segunda-feira morrendo, antes das seis horas da manhã, em um acidente entre um ônibus e um caminhão.
Não morreu na contramão, bêbado, atrapalhando o tráfego como já cantou Chico Buarque.
Mas morreu com sono, provavelmente com frio, provavelmente assustado ou assustada.

O que se lê é:
O nome da pessoa que morreu ainda não foi confirmado
A pessoa que morreu era um pedestre que passava pelo local

Mais preocupados que estão com as pistas bloqueadas. Com a carga na pista. Com o guincho que ainda não retirou os veículos do local. Com a quilometragem de engarrafamento que o acidente gerou.
Se é homem, mulher, novo, velho, se tem pai, se tem filho, se ia para o trabalho, se voltava do trabalho, se vagabundeava pela noite isso não interessa a ninguém que apenas estamos apressados cuidando de nossas próprias vidas.

Ninguém começou a semana pior que essa pessoa.
A empregada que não pode ir.
O pneu do carro que furou.
O cheque que não compensou.
A reunião que se desmarcou.
A manicure que faltou.

Para quem queria começar a semana e realmente começou, tudo ficou pequeno, depois que o caminhão veio, mas o ônibus não passou.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Tédio

Perdeu a noção do tempo sentada no balanço, indo e vindo num ritmo compassado.
Olhando sem nada ver. Pensando em nada. Visualizando cores.
Só uma voz austera dizendo que já passara da idade e do peso permitidos nesse brinquedo.
Por que estava sempre no lugar errado, na hora errada?
Não sabia a letra da música.
Não sabia os números dos telefone dos amigos, dependente de memórias eletrônicas que por sua vez são dependentes de baterias, tomadas, atualizações automáticas.
Não sabia se uma frente fria chegaria ou se o sol aqueceria a tarde. Sol e céu de inverno são sempre tão mais bonitos porque o contraponto é sempre tão mais feio.
Perdeu a noção do tempo sentada no balanço.
Tanto a fazer com tão pouca vontade.
Talvez arrumar uma gaveta.
Talvez reordenar os dvds.
Talvez mudar os móveis da sala de lugar.
Talvez trocar as fotos dos porta-retratos.
Talvez reler um livro.
Talvez trocar as capas das almofadas.
Talvez escrever uma carta.
Talvez...
- moça, eu posso balançar?
- claro, pode vir...
Talvez contar os passos. Talvez espantar as pombas. Talvez tomar um sorvete. Talvez...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

My wish list. I will do my best to achieve

Todo mundo faz uma lista, mesmo que seja apenas mental, de coisas.
Uns escrevem até livro. 10 coisas para organizar a vida. Lista de casamento, lista de lugares que você tem que visitar antes de morrer. Nem preciso descrever muito, todo mundo sabe.
Decidi fazer uma lista também. Sem questionar se é possível, se não é, se é preciso habilidade, dom, dinheiro ou milagre. Vejamos:
Lusia quer:
1) puxar um samba na avenida no desfile de carnaval, com aquela voz de contralto que tomou conhaque

2) coreografar a comissão de frente de uma escola de samba

3) lançar um dvd editando só as coreografias das comissões de frente das escolas de samba (ninguém deve ter esse registro assim tão organizado... se eu começar a partir do ano 2010)

4) fazer backing vocal para um cantor ou cantora famosa (compor um trio, daqueles que além de cantar com vozes inimagináveis, ainda se dão ao luxo de fazer uma coreografia descompromissada e caras e bocas!)
5) narrar um jogo de futebol para transmissão por rádio como o Deva Pascovitch da CBN, entre os atuais, o meu preferido

6) comentar um jogo de futebol em uma mesa redonda na televisão

7) dar a volta olímpica com o meu time, depois de uma partida, carregando a taça de um campeonato qualquer, campeonato paulista, brasileirão, copa américa, libertadores

8) coreografar a música Borbulhas de Amor, cantada pelo Fagner, para um casal negro dançar

9) dançar um tango com um vestido verde esmeralda

10) dançar flamenco na festa de rua de Málaga como se tivesse uma espanhola no sangue, com roupa de turista, como se estivesse fazendo a coisa mais simples do mundo, como vi espanholas fazerem há alguns anos atrás, diante da minha boca (indisfarçadamente) aberta!

11) montar um cavalo andaluz e fazer parte da apresentação que é feita para o Rei na Real Escuela Andaluza del Arte Ecuestre (já estive lá mas as agendas, a minha e a do rei não coincidiram!)
12) ir de São Paulo a Jundiai com um Bugatti Veyron GT, 120km/hora, nada que não me deixe ver as árvores, tá, pode ser até Campinas

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Observatório

Sou uma observadora de pessoas.
De diferentes tipos, em diferentes situações.
Gente é coisa incrível.
Caminho apressada pela rua e ela caminha sossegadamente à minha frente.
Calça jeans, jaqueta jeans de gosto duvidoso, tênis.
Insiste em manter os braços erguidos ajeitando o cabelo no alto, um irracional rabo de cavalo que não vai parar porque não tem nada além dos dedos para prender.
E esse gesto me deixa ver um pedaço da calcinha.
Tão infantil em seu elástico macio, amarelinha de florzinha.
Quando a calçada me deixa ultrapassá-la não resisto em olhar para trás para ver que rosto tem aquele cabelo teimoso. Não tem mais do que 16 anos e anda por aí mais inocente do que sequer imagina!
E em contraponto, me misturo com o grupo de homens engravatados, ternos mal cortados que impõem um peso maior do que a idade que muitos devem ter.
Falam de negócios, entremeados com palavrões.
Porque falam tantos palavrões? Todos parecem agitados e se eu pudesse recortar a cena e inserir num ambiente de bolsa de valores, poderia parecer uma cena em slow motion.
Mas para um observador de gente, nada melhor do que enfrentar a fila da Caixa Economica Federal. 2 caixas. Um homem e uma mulher. Ela, quase inexistente em suas idas e vindas.
Ele, interrompe uma operação e pergunta ao homem que está atendendo:
- alguém está chorando? Porque ouvira um burburinho e alguém rindo. Rindo, não chorando. Mas quase levantei a mão para responder:
- não estou exatamente chorando, mas posso começar a qualquer momento aqui esperando
Quando avança um, uma senhorinha se aproxima e se coloca na fila preferencial, já que é uma senhorinha.
Sim, acho que eles merecem atenção especial porque são mais velhos, mas também por isso têm mais tempo para esperar. Uma fila com cadeiras poderia ajudar. Mas a patrulha do politicamente correto já está de olho em mim, melhor mudar de assunto.
Gente. Observar pode nos ensinar muita coisa, mas também corremos o risco de esquecer outras tantas.
Gente. S. f. 1. Quantidade maior... 2. Determinado número de... 3. Número indeterminado de... 4. gênero humano... 5. O ser humano... 6. Habitantes de determinada... 7. Partidários ou sequazes... 8. Família ou... 9. Mil. Força armada

terça-feira, 16 de junho de 2009

Dona Dalva

No feriado decidimos viajar. Fomos visitar a vovó do macarrão no reino tão tão distante.
No caminho, games, ponto para quem encontrar carro vermelho e lá se vão mais de 500 km!
No cantinho da cozinha, vovó das meninas, minha mãe bonita como nunca serei com a idade que já tem, distribui dinheiro para as netinhas comprarem uma coisinha! Coisa de vó. E me dá um dinheiro enroladinho, como se eu também ainda fosse a sua criança, mas com a desculpa de que tinha sido meu aniversário!
Relutante aceito porque isso sim é um gesto que a faz feliz. Recusar seria duplamente triste.
Fico com o dinheiro enroladinho pensando que tenho que comprar realmente alguma coisa especial.
Caminho de volta, cachorro ajeitado, malas sobrepostas, muxoxos da caçula, conferência de detalhes... Partimos.
Nossa parada preferida, onde comemos e descomemos fica no KM 198 da Castelo Branco, perto de Botucatu e se chama A Camponesa. Além do famoso Filé à Parmegiana de Itu, encontra-se utensílios para decoração, garimpados diretamente dos talentosos artesãos mineiros. E foi ali, nesse garimpo, que eu a encontrei.
Nos olhamos e sabíamos que deveríamos compartilhar nossas vidas.
O dinheirinho de minha mãe apertado em minha mão era exatamente seu valor com um troco de cinquenta centavos! Estava escrito! Não questionei, não duvidei.
Rapidamente nos pusemos a escolher um nome e nossa primogenita sugeriu: Dona Dalva.
Pois Dona Dalva agora divide comigo meu espaço de trabalho.
Ao chegar, na 2feira, causou furor. Muitos vieram conhecê-la, saber seu nome, suas origens, apertar como se aperta a bochecha de um bebe!
E ela super simpática tudo suportou.
Ela cumpre seu papel à risca: enfeita meu balcão quase sem graça, é agregadora na medida em que me ajuda a fazer mais amigos, passei o meu perfume nela, assim ela deixa o ambiente com meu cheiro, mesmo quando eu mesma esqueço de me perfumar, ela me distrai quando tenho que pensar em nada para resolver tudo ao mesmo tempo.
Ela é o carinho da minha mãe com seus olhos verdes eternamente pousados em mim mesmo que tão longe e mais que tudo, ela não me deixa esquecer que no fundo no fundo eu não passo de uma caipira metida a cosmopolita.
Dona Dalva se deixou fotografar, apesar de tímida, e ilustra esse post.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quintaessencia: 295 km de congestionamento

Como ainda não temos um sistema tecnológico que faça as ruas, avenidas e marginais se movimentarem enquanto os carros ficam parados, com pausas estratégicas e cruzamentos giratórios para completar o trajeto, como as esteiras rolantes, devemos aproveitar o congestionamento para exercitar nossa condição humana.
Aproveite o tempo para meditar. Agradeça por tudo o que tem.
Depois escolha uma música ou opte por ouvir os ruídos do mundo, quase nunca nos permitimos ouvir esses sons, apenas reclamamos deles.
Aproveite para resgatar o seu lado bom. Deixe o corsa entrar na sua frente, há muito tempo ele está dando seta!
Também você utilize a sua seta quando for se movimentar. Resgate seus bons modos, o seu aprendizado.
Seja gentil e educado. Exercite a sua paciência.
Pense em como você está de bem com a vida e releve aquele sujeito que com o braço pra fora gesticula sem parar, como se fosse resolver alguma coisa.
Aproveite para filosofar e sinta-se calmo e tranquilo, diferente daquela outra senhora que, desprovida de inteligência, resolveu descarregar sua ira na buzina.
Tente sorrir dessa cena. Imagine-se como o herói de um filme sobre o fim dos tempos.
É claro que todos queremos dirigir com fluidez, usar toda a potência de nossos veículos, mas se não é possível, não é possível e ponto!
Revise o seu dia. Reveja o que poderia ter sido melhor. Prepare seu próximo encontro, seja com quem for, comece pela parte que nos ensinaram em algum momento entre alguns meses e 2 anos.
Seja carinhoso, gentil, cumprimente. Não deixe que o tempo que perdeu no trânsito faça você perder a alegria de chegar.
Se estiver com alguém, fale de alguma coisa bacana, de um filme, de uma viagem de férias, nada que traga mais aborrecimento.
Entre a primeira e a segunda pode estar a sua chance de encontrar a quinta!
A quintaessencia que Aristóteles sabia como ninguém a que ponto poderíamos chegar e tratou de desvendar!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Impossível controlar

Algumas lembranças guardamos em caixinhas e sinalizamos com avisos para NÃO ABRIR nunca mais.
Mas é impossível controlar. Acidentes acontecem. Corpos ao mar. Encontramos velhos e queridos amigos para um almoço. Só falamos do presente, mas mesmo assim, a lembrança está lá. Pulando como louca para vir à tona e então, é melhor exorcisar.

Morávamos em Recife. Ele, ela e eu.
Ele fez um novo amigo e um sábado à tarde nos levou à casa dele para nos apresentar.

Ele, ao entrar na sala, olhou espantado para uma fotografia sobre um aparador meio empoeirado e disparou:

- nossa, quem é essa mulher? eu sonhei com ela, sonhei não, tive um pesadelo, eu nadava e ela me puxava pra baixo, eu segurava em seus cabelos mas ela era mais forte que eu e sempre me puxava pra baixo! caramba, quem é ela?

Foi uma situação perturbadora.
A mulher da foto nos olhava como quem pede silêncio e seus cabelos negros emolduravam um rosto quase pálido, nem bonito nem feio.

O novo amigo disse meio sem jeito:

- é a minha mãe, mas ela já morreu, ela morreu afogada

Ninguém sabia muito bem como continuar o assunto e não me lembro como foi que nos livramos dessa conversa esquisita.
No dia seguinte, quando fomos a praia, o assunto não saia das nossas cabeças e ela e eu tentamos impedi-lo a todo custo de entrar no mar!

- debochado, ignorou completamente todas as recomendações e ainda me espezinhou:
- pelo que me consta fumacinha (era assim que me chamava) é você quem não sabe nadar!

E lá foi mar adentro nos afrontar. E nadou naquele dia e por muitos outros.
Um ano depois, esquecido o assunto, morreu afogado em uma lagoa que praticamente dava pé para quem nadava tão bem.
Ela estava com ele e nada pode fazer.
Eu dançava tanto amar de Chico Buarque cantada por Ney Matogrosso ensaiando uma coreografia que nunca dancei e não ouvi nenhum chamado.
Era uma festa de final de ano da turma da faculdade, já em São Paulo, no interior de São Paulo, sem mar, sem foto, quem poderei lembrar?

terça-feira, 9 de junho de 2009

É o que dizem

Estava sentado no muro balançando os pés, mastigando um galho seco da árvore quando viu a bicicleta descer a rua descontrolada até jogar seu condutor no chão.
Saiu correndo, foi o primeiro a chegar para ajudar.
O rapaz estava pálido, a perna trêmula, o braço todo ralado.
Os óculos foram parar longe. Um pé estava descalço e um garoto gorducho segurava um allstar sujo na mão direita.
Foi assim que se conheceram.
- moro bem ali, vamos lá, você se senta um pouco, toma um pouco de água, lava o braço, a gente põe um pouco de merthiolate. A minha mãe não está mas eu sei onde ela guarda tudo isso.
Alguém perguntava:
- será que quebrou alguma coisa?
- não, não tem nada doendo tanto assim e eu já quebrei o braço, sei como é

Os poucos que se juntaram rapidamente voltaram aos seus afazeres e Venâncio ajudou o novo amigo a levantar a bicicleta e foram tratar de curar os arranhões.
Foi assim que se conheceram.
Sobre o que falaram depois, como foi que disseram seus nomes, onde estudavam, de que música gostavam isso ninguém sabe.
Tampouco como foi que marcaram um outro encontro.
Só se sabe que depois do tombo da bicicleta Venâncio ganhou um amigo e nunca mais foi o mesmo!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ruptura, Zoológico & Conjunturas

Existe uma sigla para uma expressão bem feia, que não me atrevo a escrever ou a pronunciar, mas que nem é preciso para que todos entendam o que ela significa. Não só as palavras das iniciais como todo o conceito que envolve: CDF.

Eu fui CDF a minha vida toda e é um sofrimento inútil. Posso dizer do alto de meus muitos anos de estudo e com referência a vários períodos diferentes de estudo.
Ainda no primário, que já nem sei que nome tem, querendo tirar 100 em tudo e chorando por um 98! Querendo sempre ler as redações na sala de aula.
Discutindo com os professores. Ficando indignada com a displicência dos amigos de grupo.
Fazendo intermináveis pesquisas, em biblioteca, em livros de verdade, de papel.
Preenchendo folhas de papel almaço com resumos elaborados, sem uma única linha copiada tal e qual.

E na aula de canto impaciente com as notas.
E nos ensaios do teatro impaciente com os atrasos.
E na faculdade alucinada com quem preferia uma cerveja à uma aula de Mitologia, Filosofia ou Literatura Comparada!

E mesmo no MBA, nervos em frangalhos com o programa de gerenciamento de uma empresa online em grupo. Meu Deus, quem inventou essa história de grupo? Não dizem por aí que Deus mesmo só conseguiu fazer o mundo todo em 7 dias porque fez sozinho?

Exagero dos exageros, eu consigo lidar bem com grupos e acho bem divertido ouvir, discutir, planejar, arquitetar, mas sou dependente da motivação e do comprometimento do grupo todo. Se estiver azeitado, estou tranquila.

Mas é preciso reconsiderar tudo.
Sábado eu rompi com meu passado de CDF e penso que posso estar curada.
Ainda preciso esperar até o final do mês para ter certeza, mas caminho a passos largos.

Ocorre que a semana passada foi diferente, voltei ao meu ritmo de trabalho, vendo as meninas apenas de manhã. Quando chego para o jantar já estão quase dormindo e no beijinho, apenas abrem os olhos sorridentes.
Pois durante toda a semana minha pequena além de abrir os olhinhos murmurava:
- vamos ao zoológico no sábado? quero ver as focas, eu sou uma foca
E fui respondendo que sim.

No sábado, frio mas ensolarado. Céu azul. Quase prontos para sair, meu celular apita e penso: mais uma promoção da operadora. Mas não era, uma amiga querida indagava:
- esta tendo o módulo de finanças, vc sabia?

Sabia, sabia e esqueci completamente! Terminei no começo de 2008 um MBA em Marketing e, como quando comecei a turma já havia feito esse módulo, fiquei "devendo", mesmo tendo feito o trabalho final de curso, etc e preciso cursá-lo!
Era possível ir após o almoço, mas também é possível cumprir 50% da carga horária e fazer a prova.
Optei por essa segunda opção. Encarando de frente meu passado de CDF.
Que só balançou quando confrontei datas e percebi que os 50% serão no mesmo sábado em que as pequenas dançarão quadrilha!
Olhando o panorama geral, quadrilha tem todo ano, consigo me aplicar e fazer a prova com 50% e ser foca e precisar visitar as irmãs não é coisa que ocorra com dia e hora marcado!
Fiz a escolha certa, passei o sábado no zoo, com minha foquinha! Feliz.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Case de Marketing aos 8 anos

Preciso descrevê-lo enquanto ainda tenho claro alguns detalhes impagáveis!
Pedrinhas de Páscoa.
Pouco antes da Páscoa de 2007, minhas meninas viram em uma loja de brinquedos uma bola colorida que ao ser virada do avesso virava um coelhinho colorido e com cheiro: coelhitos.
Comprei um para cada uma com dor no bolso: R$ 19,90 cada.
Passado alguns dias minha primogênita me aborda:

- mãe, mas isso é de coleção, eu quero mais um!
- ah, não, não vamos colecionar, é caro e nem é tão bonito
- vou comprar com a minha mesada
- acho que não é um bom investimento, melhor não

E fui trabalhar. À noite, quando voltei para casa, ela me esperava ansiosa para anunciar:
- vou comprar coelhitos sem o dinheiro da minha mesada
- como?

Era a pergunta que esperava para me apresentar seu projeto. Carregando uma espécie de barco feito com uma folha de sulfite dobrada e reforçada me apresentou:
- vendendo pedrinhas de Páscoa!

Ela havia recolhido dos vasos do jardim pedrinhas brancas e pintado uma a uma com giz de cera com motivos que lembravam os papéis dos ovos de páscoa da minha infância.
Verde de bolinhas roxas. Listrados. Com triângulos, várias padronagens e começou o seu discurso:

- eu pensei em vender no condomínio, mas o papai não deixou, pensei em vender para as amiguinhas da minha irmã, mas elas não devem ter dinheiro, então pensei que você podia vender no seu escritório, para as suas amigas, a R$ 1,00
Não tive muita escapatória porque conhecendo pessoalmente vários dessas pessoas, certamente em algum momento ela poderia checar se eu tinha mesmo oferecido e eu não queria decepcioná-la.
Pensei, ok, levo, conto a história, presenteio e lhe dou algum dinheiro.
Mas as pessoas realmente quiseram comprar as pedrinhas e vendi todas, além de receber encomendas para o dia seguinte!
Quando comentei que as de bolinha tinham feito muito sucesso, ela se preocupou:
- nossa, fiz muitas listradas!

Durante o processo ela fez observações importantes, que considero como detalhes impagáveis:
- mãe, não vende esse barquinho de papel que deu muito trabalho pra fazer!
- ah, e avisa pra todo mundo que não é de comer! se alguém quebrar o dente eu não tenho dinheiro pra pagar o dentista
- e, o seu chefe não é rico? será que ele não quer comprar um carregamento?

Resumindo em um case de marketing temos que uma menina de 8 anos tinha um problema a ser resolvido: conseguir dinheiro para comprar coelhitos.
Como ela resolveu:
- criou um produto sazonal, aproveitando a proximidade de uma data muito comemorada, a Páscoa
- analisou potencial do target: condomínio, amigas da irmã caçula, companheiros de trabalho da mamãe
- focou no mais rentável
- negociou a distribuição, mamãe servindo de vendedora
- estabeleceu o preço
- identificou cliente com potencial de volume e indiciou para a vendedora (o chefe)
- alertou para o que deve e o que não deve ser negociado (a bolsa de papel não!)
- alertou para riscos legais e pagamento de indenização com uso indevido do produto por falta de informação
- preocupou-se com a reposição da mercadoria ajustando padronagem por demanda (+ bolinhas/ -listras)

E ficou em casa aguardando o lucro para, enfim, comprar o seu novo coelhito.
E não só para ela, completei com uns trocados e comprou um também para a irmã!
Os planos de negócios, as ações de marketing, podem ser absolutamente orgânicos se houver clareza de objetivo, simplicidade na estratégia e vontade de fazer!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Velhice

Gosta das festas juninas como as crianças gostam das festas infantis por conta dos brigadeiros.
Gosta de pipoca, de milho cozido, das músicas.
Gosta do colorido das bandeiras e gosta das moças bonitas.
Disfarçadas em falsas sardas desenhadas a lápis. Gosta das tranças falsas aplicadas nos chapéus de palha.
Gosta dos vestidos de chita e ainda mais dos calçolões usados por baixo.
As meias escondendo as pernas do frio, mas os olhos das moças são tão radiantes que não é preciso ver mais nada.
Gosta do quentão, da batata doce, da pescaria, do pau de sebo.
Gostava da paçoca mas empapa na língua e já não acha graça em comer.
Olha os moços. Bigodes de lápis, chapéus sempre desajeitados.
Olhar ressabiado buscando em um ou outro o moço que já fora.
Lembrando cada São João de sua juventude, só o que espera agora o Eustáquio é pelas festas juninas.
Taquinho, como é conhecido no bairro, carrega no crucifixo de ouro que leva no peito a ilusão de que enquanto as festas juninas existirem, ele estará lá para acompanhar.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Analogias

Ao longo de tantos anos venho acumulando gente em minha vida.
Não conceituando como amontoados em algum canto da minha memória.
Mas é interessante pensar na segmentação que é possível fazer de toda essa gente.
Gostaria de mapear. Gente da minha infância. De alguns lembro nome, sobrenome, doce preferido, cor do olho, uma passagem qualquer.
Da adolescencia e da juventude também. Lembro da data de aniverário da minha amiga Isabel (19 de maio) e da Cristina (14 de maio) e da Fátima (24 de novembro) e não me lembro da data de alguns amigos bem queridos do convívio atual.
Desgaste do disco rígido. Não quero discutir esse problema agora.

No período em que fiquei between jobs, como aprendi a descrever o período, pude avaliar o meu networking. E percebi que tenho um patchwork também. Pessoas que vamos encontrando e recomendando e apresentando ou descobrindo que já conhecemos e nunca sabemos de onde.

O fato é que eu gosto de gente. Gente alimenta a minha criatividade, a minha vontade de fazer humor. Só ando aborrecida há uns 7 anos, desde que Lula começou a aparecer mais do que eu porque sempre gostei muito de analogias. Mas, um dia, li o artigo de um homem muito inteligente, que infelizmente não me lembro quem era e nem onde li, mas o conteúdo ficou gravado em uma das minhas caixinhas. Dizia que quem usa muita analogia é porque não sabe defender as suas idéias apropriadamente. Não concordo 100%. Até porque considero as minhas analogias bem boas e as de Lula lamentáveis. Mas tenho evitado usar e me forçado a atravessar melhor esses anos de Lula pensando nele apenas como gente. Que outra coisa já não dá.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Diana

O que é um monte?
E se compararmos com um precipício? Quem se precipita não enxerga o que há escondido atrás do monte.
E era assim com Diana.
Não sabia diferenciar um monte de um precipício e sempre se lamentava.
Ou porque tinha dito, ou porque não tinha dito.
Não encontrava o ponto exato da reflexão.
Pensar antes de falar? Mas e se falarem antes de mim?
Lia em livrinhos de frases que às vezes é mais inteligente aquele que primeiro ouve, que temos duas orelhas e uma boca para mais ouvir do que falar e nunca se encaixava nesse modelo de inteligência.
Era assim Diana. Dinâmica, agitada, apressada, tropeçando sempre em seus sapatos de salto alto e improváveis cores.
Mas por onde andava?
Cabisbaixa porque mais uma vez falara no momento errado e precipitou uma montanha de problemas.
Como se começa tudo novo de novo sem os mesmos erros?
Uns mudam de cidade. Alguns se casam e outros se separam.
Alguns mudam de religião. Outros estudam filosofia. Mas Diana não se via nessa dinâmica.
Queria apenas começar tudo de novo.
Anotou na capa do livrinho de frases a sua própria história.
... depois de chegar ao alto da montanha caiu um tombo incerto, recomeçaria do fundo do precipício para chegar ao topo de uma montanha ainda mais alta!
Nunca cogitou associar seu nome Diana (para os romanos) com Artemis (para os gregos), a deusa que era o ideal e a personificação da vida selvagem da natureza, a vida das plantas, dos animais e dos homens em toda a sua exuberante fertilidade e profusão.
Não, isso não lhe ocorreu.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Perguntou, respondeu

-Por que não come o lanche quando leva de casa e sempre come bem quando compra na cantina?
- Não posso lhe conceder a resposta
- ????

É assim. Ter orgulho de um português correto, levar bronca se deixa escapar um japoneis, por exemplo, dá nisso. Um verdadeiro embate de argumentações. Poderia ser bem mais simples e menos cansativo, mas talvez não me rendesse tanto assunto.

Preocupo-me com a dinâmica escola - casa - lazer - refeição e...

- Não posso lhe conceder a resposta

Claro que depois de observar meu espanto ela se aninha, me explica tudo em detalhes e ainda arremata:

- eu respondo assim pra fazer graça

E no salão de beleza, enquanto tem os cabelos lavados, massageados, para graça geral imagino, dispara:

- não posso responder agora, estou em estado de harmonia

A minha menina ainda tem nove anos mas poderia discutir comigo algumas estratégias para aumentar a audiência do meu blog, é uma idéia.
Espero que ela me conceda a resposta!