quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Adeus dia útil de 2010

Tenho um compromisso comigo: escrever um post em meu blog em todos os dias úteis.
Hoje é um dia útil.
Já participei de uma reunião. Já organizei algumas coisas para o Natal.
Já li e-mails, respondi alguns, apaguei outros, um especialmente me emocionou. Hey, Lusia. Ele começava assim.
E era um email para terminar uma coisa que nem sei bem onde começou.
Mas a vida é assim mesmo.
O dia também foi útil porque ouvi a voz da minha amiga Cláudia!
Ela, de fato, tirou dez com louvor na prova que ia fazer e, ainda que eu não estivesse vendo seu sorriso porque falei pelo telefone, estava com um sorriso no rosto.
Tagarela. Feliz. Renascida.
Há vida por toda minha vida porque depois de falar com ela falei com Renata, que carrega Isadora, que está prestes a nascer.
Voz doce de mãe que faz bolo. Não para ela, mas para a irmã que lá estava. Roberta.
Um bolo para Roberta.
Pode ter cena mais delicada do que irmãs que fazem bolo juntas?
Parabéns Roberta pelo aniversário. Por mais uma etapa cumprida. Por mais um dia que fica no calendário.
Dias especiais, momentos especiais.
Não estou lá para dar um beijo em cada uma das três!
Mas minha alma anda por toda parte.
Brinca, observa, se reserva o direito de descansar enquanto fecho os olhos e vejo aquilo que muitos não enxergam.
Dia útil. Mais que útil. Dia. Cheio de coisas.
Agora at home... Como já dizia o ET naquele eternizado filme: there is no place like our home!
Agora tenho um compromisso comigo: aproveitar dias inúteis de férias com minhas meninas, com meu amor, a quem quero chamar de José depois de vinte anos de Beto! José, um nome tão distinto, Beto, um nome tão menino!
Aproveitar dias inúteis com meus livros, com minha gata, com meu cachorro, com os filmes que fui gravando, agendando, esquecendo.
Dias inúteis e praticamente off-line.
Quando janeiro chegar e os dias úteis invadirem a minha agenda quero ter novas histórias para contar!
Adeus dia útil de 2010.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Saias

Eu não tenho saia.
Não tenho mais.
Toda vez em que entro em uma loja de roupa compro todo tipo de peça: vestidos, calças, blusas, camisas, bermudas, mas nenhuma saia.
Nenhuma saia olha para mim de maneira desafiadora, de modo que eu não consiga sair da loja sem ela, ou sonhar, ou voltar no mesmo instante, ou telefonar e reservar, ou correr na internet.
Nada. Nenhuma saia.
E todas as meninas estão de saia por onde vou.
Saias curtas, saias compridas, pretas, coloridas, saias rodadas. Saias de hoje e saias de ontem.
Tive muitas saias.
Da que mais tenho saudades é da minha saia amarela. Cortada de um jeito diferente ela embalava o meu caminhar.
Saias são atrevidas.
Saias envolvem as pernas.
Saias convidam para dançar.
Saias me lembram um tempo em que caminhar de saia e havaianas sob o sol me levava sem pressa para o futuro que é hoje. E lá, eu não me via sem saia agora.
Eu não tenho saia.
Não tenho mais.
Vestidos muitos. Mas vestidos não contam.
Vestidos ornamentam todo o conjunto.
Saias são seletivas.
Quando vejo uma menina de saia, logo penso que ela vai descalçar e começar a dançar.
São mais bonitas as meninas de saias.
Quando saia tiver vou descalçar os pés e dançar.
E tirar uma foto, talvez!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Nunca estamos prontos

Nunca estamos prontos e aí reside a graça da vida, mas por que demoramos tanto para aprender?
Nunca estamos prontos para perder um grande amor, para perder um grande amigo.
Pais jamais estarão prontos para perder filhos, filhos não esperam e não estão prontos para perder os pais.
São leis praticamente naturais da vida, todo mundo sabe, todo mundo observa, todo mundo lê ou escreve sobre o tema.
E não estamos prontos quando damos ou levamos uma batidinha no carro, quando nos roubam o celular ou o notebook.
Não estamos prontos para nada, nem para as coisas boas. Não estamos prontos quando recebemos um telefonema de quem mora do outro lado do mundo.
Não estamos prontos quando nasce um bebê na família, quando alguém se casa sem avisar.
Nunca estamos prontos.
E porque nunca estamos prontos é que tudo é vivido intensamente, fortemente, algumas vezes deixando na alma, no coração, na lembrança uma imagem não como cicatriz, mas como uma tatuagem desenhada caprichosamente.
Dói muito. Mas depois que passa está lá, indelével, bonita às vezes, algumas de maneira que todo mundo pode ver, outras tão nossa que nem quando partimos fica exposta.
O fato é que nunca estamos prontos.
Não há ensaios, não há reprises, pode ser refeito, mas nunca será do mesmo jeito.
Algumas variáveis não controlamos.
E se não controlamos porque sofremos por elas?
Nunca estaremos prontos e aí reside a graça da vida, mas por que demoramos tanto para aprender e por que não conseguimos ensinar? 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Besta

É assim, desse jeito meio caipira que minha Cláudia me “repreende” quando falo alguma bobagem. E quase sempre eu falo.
Minha amiga é dessas pessoas que existem e são queridas sem esforço nenhum. Existência leve, ainda que nunca se sabe o quanto pesa a trouxinha que se vai fazendo ao longo da vida.
Eu me lembro da primeira vez em que a vi.
No almoço de aniversário de Jorge, um amigo de trabalho.
Esquisita. Uma moça que usava uma blusa de malha por cima de uma camisa e depois um vestido por cima de um jeans.
Moderna.
Sorriso tímido.
Olhar profundo.
Depois começou a abusar e me chamar de besta.
Tantas viagens. Tantas bancadas divididas no banheiro, meu creme dental e minha escova de dente e o baú de cremes dela. Ela ainda hoje insiste em dizer que não.
E sempre me socorrendo, como se eu fosse um bichinho perdido.
Minha enfermeira em Cannes, na mais terrível crise de labirintite que um ser humano pode ter.
Desacreditando quando esqueci o cartão de embarque no toilette do aeroporto de Madrid, mas quites quando no desembarque tivemos que voltar para recuperar a bolsa dela que ficara no interior da aeronave...
Minha amiga de tantas histórias.
Minha amiga de tantos silêncios.
Minha amiga em tantas fotos.
Minha amiga em tantos e-mails.
Minha amiga em tantos recados.
Hoje minha amiga está fazendo uma prova, um vestibular, um desses perrengues que a vida nos aplica, assim de surpresa.
Ela vai tirar dez com louvor, é uma aluna aplicada.
Depois vamos comemorar essa vitória.
Besta. Ela é muito besta e por isso nos damos bem, eu acho, eu tenho certeza!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O caso das bolsas

Diferente dos adultos as crianças e os adolescentes trocam todo o guarda-roupa por estação.
O verão chegou e nada mais serve. Fechamos os olhos, apertamos solidariamente os cartões dentro do bolso e vamos às compras.
Em um desses eventos levo minha primogênita a uma charmosa loja especializada em roupas para adolescentes – Just4me.
Compramos algumas peças e uma bolsa entra no radar das intenções.
Na hora de fechar a compra eu pergunto: não vai levar a bolsa?
A resposta é não.
Uma bolsa pequena, bonita, interessante para qualquer mulher, não apenas para as teens.
Passou.
Dias depois, volto à loja por uma bermuda e aproveito para comprar a bolsa. Para mim.
Ao chegar em casa: olha você comprou a bolsa!
- Comprei para mim, você tinha desistido...
- Que absurdo! Eu acho a bolsa, eu quero comprar a bolsa e você compra pra você?
- Está bem pode ficar, mas eu tinha pensado em usar amanhã no aniversário do... e domingo no aniversário da...
- Eu te empresto e pra trabalhar você pode usar umas duas vezes por semana, no máximo!
Fui ao aniversário. Ok.
Fui ao almoço. Ela contou a história pra muitas pessoas e pensei: não vai rolar.
Voltei à loja. Comprei outra, da mesma cor, mas outro modelo e... menor, outro tamanho, não são muitas unidades. Mas pensei: tranqüilo, eu troco com ela.
Em casa apresento-lhe a segunda opção: ah eu prefiro a minha mesmo, nessa daqui não cabem as minhas coisas...
Não rolou a troca.
No meio de tudo a minha caçula tem sua participação especial: é, comprou pra você, comprou pra ela, e pra mim nada! Eu queria aquela azul, com um laço!
Está bem, eu passo lá. Ai meu santo generoso provedor das futilidades imprescindíveis, abasteça minha conta corrente.
Não pude ir à loja, trabalho, almoço fora, preparação para festa da firma!
E quando a festa começa, uma das queridas amigas se aproxima sorridente e diz:
- Olha, comprei na loja dos adolescentes! E exibe a bolsa azul de laço!
O que será que eu digo lá em casa?


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A festa

Ele não gostava de festas e ficava amuado quando se sentia na obrigação de ir a uma delas.
Final de ano então, um horror.
O cabelo nunca estava em ordem.
Os poros da barba sempre inflamados em véspera de festa e, não raro, uma espinha ou outra resolvia aparecer.
A mãe sempre falava que era nervoso. Nervoso de ficar no meio de muitas outras pessoas.
Que não sabia para quem havia puxado tão tímido menino.
E ele não se atrevia a responder.
Não a uma mulher que não saía de casa a não ser para ir à missa e que nunca mais fora ao cinema desde que ficara viúva.
O fato é que não gostava de festas e no final do ano elas pipocavam.
Não festas que tivesse vontade de ir, onde encontraria amigos, não, dessas ele não sabia, não era convidado, não estava envolvido, não tinha amigos.
A não ser o Zé, igual aquela música que alguém escrevera inspirado nele, tamanha coincidência!
A roupa sempre parecia nova. E era mesmo, mas não era para parecer.
Não gostava de festas.
Naquela resolveu que não iria. Mas saiu arrumado, elegante, para orgulho da mãe.
Estacionou o carro em um canto escondido do shopping e sem olhar muito para os lados entrou no cinema na última sessão.
A chuva derrubava árvores e inundava rios lá fora.
A mãe protegida em casa, de olho na televisão.
Ele mergulhado na história do filme.
Levariam um tempo ainda até se reencontrarem e se abraçarem com alívio depois que a música de notícia extra estremeceu a sala...
O teto do clube onde a festa ocorria desabara e muitos feridos estavam sendo atendidos em vários hospitais da região.
O Rubens ia ter que contar para a mãe que não estava lá!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ser igual, ser diferente

Para ser sempre a mesma eu preciso ser diferente.
E posso ser diferente fazendo pequenas coisas de outro jeito.
Estava chovendo e eu saí de guarda-chuva e sem galochas.
Diferente de quando eu tinha 17 anos, se anoitecia com chuva meu guarda-chuva vermelho me levava até a av. paulista e lá, assistíamos a um filme comendo pipoca.
Hoje meu guarda-chuva prata me levou à Fatto a Mano.
Falei das plásticas das atrizes com a manicure. Nunca falo sobre isso com elas, normalmente fico quieta, aproveitando esses preciosos minutos em que não posso fazer literalmente nada por ter as mãos atadas!
Pintei as unhas com uma cor fosca.
E fui almoçar sozinha. Para ser eu mesma, faço coisas diferentes.
Por isso, comi cuscuz de camarão com uma salada.
Acho que não posso mais dizer que não como camarão, que tem gosto de sabão em pó.
O risoto feito em nossa casa recentemente estava delicioso e eu desfrutei sem reclamar.
Portanto, comi algo que não tenho hábito de comer, pela segunda vez!
Para ser sempre a mesma eu preciso ser diferente.
Chove lá fora.
Tudo se acumula aqui dentro.
Tudo é espera e consideração.
Não comprei flores, mas um brinco de flor.
Para ser diferente eu preciso ser eu mesma mesmo que eu vá me descascando como as cebolas e descobrindo coisas novas.
O fosco das minhas unhas não apaga o brilho dos meus olhos, ainda que fiquem embaçados de vez em quando!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O santo de hoje

Todo dia um sonho.
Todo dia um anjo.
Todo dia um santo.
O santo de hoje é uma santa.
Santa Luzia.
Que nos protege os olhos.
Que nos acode em momentos de aflição.
Que me acompanha como sombra no nome.
Todo dia um sol.
Mesmo quando não vemos.
Todo dia uma lua.
Mesmo que ninguém lhe escreva uma poesia.
Todo dia uma chuva.
Mesmo que não se veja uma gota d água.
Não trago os olhos nas mãos,
Mas trago o coração preparado para ver além.
Às vezes vejo coisas que preferia não ver.
Ora é uma benção, ora... oração
...fazei que eu use da minha vista, somente para olhar o mundo e as pessoas com caridade e otimismo...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Obtusidade

Cansada dos obtusos.
Cansada da inutilidade.
Cansada da futilidade.
Cansada dos que geram problemas para ter algo o que fazer.
Cansada de tanta coisa boba quando tanta coisa efervescente, interessante, inteligente está acontecendo.
Cansada da minha teimosia em acreditar.
Cansada da minha mania de achar que depois do um vem o dois.
Uma vez uma pessoa teve paciência de me explicar que minhas palavras duras eram como pregos na madeira...você pode até retirar os pregos depois, mas o buraquinho ficou lá... Sim, podemos pedir desculpas, mas alguma coisa ficou lá. 
Levei um susto. Tento lembrar disso sempre, mas nem sempre funciona.
Quando acontece comigo vejo o monstro em que se transformam as pessoas que são assim.
Não quero mais ser assim.
Cansada dos obtusos.
Cansada dos intrusos.
Cansada de repetir-me.
Cansada de olhar para trás e ver um rastro sem forma e sem cor.
Cansada de adivinhar as mentiras, talvez fosse mais fácil acreditar nelas.
Cansada da estupidez: vocês vão descer pra baixo?
Eu podia ter respondido: mais? é impossível...
Mas a pobre garçonete não entenderia.
Cansada das ironias!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Coisas de todo dia

Quase todo dia eu vejo a vovó japonesa passear com a netinha em seu carrinho de bebê.
Hoje vi os pezinhos gordos, descalços, balançando sossegadamente e o cabelo negro preso com charme.
Quando chego ao trabalho o primeiro sorriso que recebo é do moço da limpeza. Um sorriso descompromissado, iluminado.
E os cães passeiam pelo bairro levando seus donos no outro lado da coleira.
No prédio, o mais simples da rua, no mesmo apartamento, uma janela exibe uma bandeira do Corinthians e a outra exibe uma bandeira do Palmeiras. Fico pensando que ali convivem duas pessoas que se gostam muito a ponto de suportar absurda diferença.
Na janela de outro apartamento um gato que não torce para time nenhum toma sol, no vão entre a vidraça e a tela protetora.
O frentista toma sol.
O segurança da escola de inglês espreita a rua.
Quase todo dia eu vejo toda essa gente que não me vê.
Passo apressada, atrasada para a reunião.
Passo cantando, acompanhando uma música no rádio que sempre me surpreende com uma canção esquecida.
Passo olhando os buracos da rua, o farol da esquina, o ponteiro do combustível.
Eu passo e eles não me vêem.
Eles passam e eu espero que tenham um destino certo, uma existência leve e que me deixem desfrutar da poesia escondida em suas rotinas.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Coisas que já escrevi

Gosto de escrever bilhetes, de rabiscar felicitações, de encontrar as palavras certas para as pessoas certas que em horas incertas fazem aniversário, mudam de cidade, vou recolhendo algumas, perdendo outras, mas a essência do que carrego pela vida não muda de forma nem de conteúdo.

[Vamos escrevendo a história de nossas vidas ao longo do ano.
Eu uso os aniversários como se fosse a pontuação, há anos em que são muitas exclamações, em outros tantas interrogações, ponto e vírgula, reticências, e até ponto final. Ele pode ser visto como final de uma sentença que vai permitir o início de um novo parágrafo! E a história continua. Parabéns.]

[Amigos são como as melhores coleções, poucos objetos, mas absolutamente imprescindíveis e importantes, com os quais se deve ter todo o cuidado e carinho do mundo! (ainda que de vez em quando levamos um susto e o coração dispara: é quando eles quase nos caem das mãos!)]

[Caixinha mágica

Modo de usar
Quando sentir tristeza, saudade, tédio
Recolha e guarde nessa caixinha, agite por
Uns segundos e abra bem devagar
E aproxime do rosto ou do coração
Sinta que tudo de ruim se foi e a alegria e a
Leveza tomarão conta de você (*)

(*) se não funcionar, lembre-se apenas que tem uma amiga meio bobinha, 
mas que te quer muito bem e que também atende telefonemas de pessoas saudosas!!]

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quebra-cabeça

São tantas as palavras disponíveis, mas como bichinhos assustados elas se escondem.
Ficam girando na minha cabeça, desencontradas, dançando sem ritmo, sem encaixe.
Espero sempre um pouco mais, espreitando e quando alguma relaxa eu tento começar uma frase.
Preciso começar um texto que conte como tudo começou.
Que realce as coisas alegres e pontue as coisas tristes muito rapidamente e nem foram tantas assim.
Preciso lembrar detalhes.
E depois preciso guardá-los num lugar protegido, só para mim.
E se eu pudesse acelerar o tempo e contemplar todos os resultados... touché na minha ansiedade.
E já saberia que tudo deu certo aqui, ali, para mim, para ela, para ele.
Menos cansada e menos aflita.
Com mais respostas do que perguntas.
Os anos pares me espreitam com coisas esquisitas desde o meu nascimento.
Alguns me surpreendem com o mais puro lirismo, outros com o mais cruel do ostracismo.
Preciso das palavras, mas elas não precisam de mim.
Preciso de um tempo de calmaria que não tem pressa de vir.
Se eu pudesse ir e vir no espaço e no tempo eu comporia um quebra-cabeça sem tantas peças.
Não posso perder nenhum delas. Não agora.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cotidiano

Tem gente que nunca ganhou uma rosa.
Tem gente que nunca ganhou café na cama.
Tem gente que nunca andou descalço na chuva.
Tem gente que nunca viu o mar.
Tem gente que nunca colheu pitanga.
Tem gente que nunca desenhou um coração.
Tem gente que nunca cortou o dedo.
Tem gente que nunca nadou em rio.
Tem gente que nunca caçou passarinho.
Tem gente que nunca soltou pipa.
Tem gente que nunca viajou de trem.
Tem gente que nunca viu um pato nadar.
Tem gente que nunca jogou bolinha de gude.
Tem gente que nunca tomou sorvete.
Tem gente que nunca comeu os dois bicos do pão.
Tem gente que nunca quebrou um copo.
Tem gente que nunca usou havaianas.
Tem gente que nunca usou fantasia de carnaval.
Tem gente que nunca quebrou o braço.
Tem gente que nunca caiu da escada.
Tem gente que nunca viu um morceguinho dormir num arbusto de calçada, de um bairro movimentado de São Paulo, ao lado de uma van de cachorro quente, em pleno sol das treze horas.
Eu vi.
E até fotografei.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Compras

O que vai querer moça bonita?
Eu?
Um pouco de sossego.
Um pouco de compaixão.
Quero que as pessoas sejam felizes, assim me deixam em paz.
Mas, pensando bem, algumas podem ter um pneu furado na marginal, fará bem.
Também quero um pouco de alegria.
Mas não muita, se não fica parecendo aquela música, sabe aquela? Rir é bom, mas rir de tudo é desespero?
Então.
Quero também um pouco mais de horas para dormir e um pouco de mais horas para ler.
Pesa também um pouco de paciência.
Falei que não ia mais precisar, mas acabou toda a que eu tinha reservado. Está fresquinha?
Também quero um pouco de amor, estou devendo para algumas pessoas, tenho recebido mas não tenho dado o suficiente de volta, feio né?
Acho que é isso.
Tem alguma novidade?
Chegou alguma coisa diferente?
Economizei ironia, até sobrou um pouco, economizei sorriso amarelo, mas estão passando da validade, acho que vou descartar.
E você tá bem? Vendendo bem?
É, agora que vai chegando o Natal as pessoas compram muito paz, amor, carinho, compaixão, mas elas usam mesmo ou só compram por impulso? O que você acha?
É? Foi o que eu pensei.
Tchau, obrigada.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Altos e Baixos

Encontrou o pingo do i.
Ah, estava certo de que agora poderia se vingar.
Estava feliz, sorridente.
Preparava discursos, escrevia cartas rápidas e ferinas.
Encontrara, finalmente encontrara o pingo do i!
Preparou as coisas com uma alegria!
Distribuiu pertences.
Revisou todos os arquivos.
Arrumou os dados que eram necessários.
Ah, estava certo de que agora poderia respirar aliviado.
Chegar em casa e tomar uma cerveja sem culpa.
Atender ao telefone sem sobressaltos.
Deixar a caixa de email piscar sem atropelos.
Encontrara. Finalmente encontrara.
E, certo como dois e dois são quatro, todas as previsões estavam erradas.
Fora antes do previsto.
Mais surpreendente do que supusera.
E lá estava, claro como uma manhã de verão.
O pingo do i mais bold do que itálico.
Ah, estava certo de que agora poderia relaxar.
E era a melhor sensação que encontrara nos últimos dias e nessa sensação não caberia vingança.
Nem discursos, nem palavras duras.
Um pingo no i é uma tese inteira para quem entende as entrelinhas.
Partiu entre risos, acenos e um até logo, como quem vai voltar logo mais.
E foi melhor assim.