segunda-feira, 22 de março de 2010

Resgate

Deitou-se de costas e passou as mãos sob a nuca.
Vislumbrou as estrelas no azul do céu pelo quadrado retangular que a janela determinou.
Pensou mil asneiras, desejou um novo amor.
Sorriu complacente para si mesmo.
Tão distante, tão viajante e tão efêmera em cada parada.
Sentiu o corpo descansar o pouco peso da corrida a beira mar.
Tantas vezes correu de uniforme para quase nunca ganhar...
Sentiu o vento leve e cheirou o lençol.
Os olhos pesaram, as estrelas consumiram-se nas nuvens.
A chuva acalmou tudo, os braços formigaram.
Aninhou-se do lado esquerdo, sentiu o coração palpitar.
Sem razões quis saber a hora, quis um cigarro, quis caminhar.
Nada se concretizou.
Os olhos foram cristalizando as lágrimas que quiseram embaçar a visão das nuvens.
Por que chorar?
Nada estava pior, nem melhor é certo.
Nada comandava o destino. Quis ter saudades, quis sofrer, quis sangrar.
Estava exausta demais para dramatizar.
Ajeitou o pé direito sobre o esquerdo, teve paciência para explicar que ficariam algumas poucas horas nus e sem caminhar.
Ajeitou o lençol sobre eles, cantou uma canção de ninar e ficou sem saber se os amaldiçoava ou se os abençoava por não terem sossego, por quererem sempre se distanciar do lugar comum.
Elocubrou, não definiu lugar comum e esqueceu os pés.
Beijou as mãos que ainda podiam traduzir em poesias o que o peito amassava, a mente refinava e o coração transformava em bolinhos de chuva.
E que a boca insistia em não aprender a falar!
Riu um riso sem graça e deu licença para a solonência dominar.
Para ser resgatado agora, 23 anos depois!

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