quarta-feira, 31 de março de 2010

Um menino de ouro

Era jovem, muito jovem, um moço bonito.
Casado, apaixonado pela mulher, zeloso do lar e ansioso por ter filhos.
Família, queria ter família.
Era sempre esse o assunto principal em rodas de café, em almoços longos de sexta-feira.
Certa vez comentei que tinha visto comportamento assim, de pessoas que se casam muito cedo, em Porto Alegre, mais do que em qualquer outra região que eu havia estudado, mas mesmo assim, ele era totalmente fora da curva!
Pegou carinhosamente na minha mão e me contou sua história:
- Sabe, minha mãe engravidou ainda adolescente e cresci apenas com ela, em uma casa bem bagunçada.
Eu podia fazer tudo o que quisesse. Comer sentado no chão e com a mão. Comer na frente da televisão. Podia derrubar cereal no sofá e pisotear se me desse vontade.
Podia tirar tudo de cima da mesa e transformá-la em uma pista de corrida, que se eu batesse o pé poderia ficar ali por semanas.
Ela acordava tarde, atrasada, com sono, com preguiça.
Eu ia para a escola com a camiseta sem passar e ela enfiava uma banana na minha mochila ou me dava dinheiro para comprar qualquer coisa para o lanche!
Eu podia dormir mais de meia noite e se no dia seguinte tivesse muito sono e não quisesse ir à aula, tudo bem.
Eu podia brincar nas poças d´água da chuva e chamar meus amigos para virem em casa.
Eles adoravam. O sonho deles era ter uma mãe como a minha. Que se sentava no chão de pernas cruzadas, disputava os gibis, dava gargalhada e servia biscoitos e sorvete que se caíssem no chão, tudo bem.
Eu também podia ir a casa deles e aí nos desentendíamos porque eu queria ir para a casa deles desesperadamente e eles queriam ficar na minha casa.
Eu achava o máximo que não se podia sentar na mesa sem lavar as mãos e o rosto.
Que não podia fazer barulho para tomar o chocolate quente. Pedir licença para levantar da mesa.
Dizer por favor e obrigado o tempo todo. Pedir desculpas por qualquer bobagem.
Recolher os brinquedos depois de brincar.
Não podíamos por os pés no sofá.
O volume da tv não podia ser muito alto para não atrapalhar as outras pessoas.
Havia bolo, de cenoura, de laranja. Suco natural. Macarrão com molho de tomate que a própria mãe fazia!! Nada de miojo com molho de lata.
Escovar os dentes. Pentear o cabelo. Tirar uma linha solta do short. Amarrar o tênis. Levantar a meia.
Eu quero viver tudo isso agora. Na minha casa organizada e limpa. Quero ter filhos e ensiná-los aquilo tudo que eu aprendi por observação, morrendo de inveja dos meninos que faziam caretas para suas mães quando elas se dirigiam à cozinha para buscar mais um pedaço de bolo, mas só mais um pedacinho porque senão atrapalha o jantar...

Um moço do avesso. Um menino de ouro diriam as comadres, com suas pernas apoiadas nas cercas de perdidos quintais.

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