quinta-feira, 31 de março de 2011

Um Thiago ou um Danilo ou um Pedro

Não tinha nenhuma causa para defender, mas era contra tudo.
Gostava do violão, tocava um pouco de ouvido, mas não tinha paciência para as partituras.
Arrastava-se até a escola, na esperança de passar rapidamente porque ouvira dizer que na faculdade era mais sossegado.
Tinha gente que até fumava na sala de aula.
Ele não fumava, mas devia ser legal.
Agora não devia poder mais, não se pode mais fumar em lugar nenhum.
Ainda gostava do pai e da mãe, mas não era mais como quando era pequeno que não queria desgrudar da mãe.
Jantava com eles às vezes, mas não tinha muito assunto.
O pai tinha uma preocupação muito preocupante com essa história de escolher logo alguma coisa pra fazer.
Na escola, um monte de gente dizia que ia fazer Administração porque depois você pode escolher qualquer coisa e aí faz uma especialização.
Não a turma da Duda. Ah, não. Aquela turma já sabia de cor e salteado o que cada um ia ser e em que facul ia entrar e em quantos anos ia terminar e que pós, que doutorado, que tese, que país de intercâmbio, ficava cansado só de pensar.
Não tinha nenhuma causa para defender, mas se preocupava com o meio ambiente, tomava banho rápido, não deixava as luzes acesas.
Andava de bicicleta, separava o lixo.
Será que daria pra ganhar dinheiro trabalhando só com isso? Com essa coisa sustentável?
Aí, nesse ponto era a favor de tudo.
Nisso sim daria pra pensar, mas não agora, estava cansado e só queria ficar deitado, ouvindo um pouco de música.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Chamada Perdida

Tudo começou às 07h39.
O meu celular tocou e eu já desperta atendi sem saber bem o que esperar.
Pensei: será que algum amigo está vendo um lindo raiar de sol lá no nordeste e quer me contar?
Não.
Será que algum amigo perdeu documentos, cartões de crédito e precisa de uma ajuda?
Não.
- Alô...
- Olhe quero falar com o Lucas! Disse uma voz de menina com sotaque bem carregado.
- Você deve ter se enganado com o número, aqui não tem nenhum Lucas!

O prefixo era 087 e o número do telefone começava com 9641.

Às 12h17 o mesmo código e o mesmo telefone chamou novamente.
Em reunião, apenas desliguei. Mas tinha a intenção de explicar mais uma vez.
Esqueci.

Às 18h55 o mesmo prefixo, mas agora outro começo de número – 9614 – chamou outra vez.
- Quero falar com Lucas, cadê Lucas?
Pacientemente perguntei que número ela estava chamando.
Repetiu meu número sem tirar nem por.
Pacientemente expliquei que esse número era meu celular pessoal e intransferível há mais de dez anos e que nele não havia nenhum Lucas.
Ela falava comigo e explicava alguma coisa para alguém.

18h57 chamou novamente. Apenas desliguei.

Às 19h07 o mesmo código 087, mas um terceiro número de celular – 9901 chamou.
Atendi.
A voz de menina, aflita, continuou a chamar pelo Lucas e uma voz de homem disparou a falar comigo ao mesmo tempo:
- É o Lucas, o Lucas preto! Não sei se referindo-se à sua cor ou ao seu sobrenome.
Eu, para aliviar a tensão respondi:
- Não, aqui não tem nenhum Lucas preto, tem um Lucas aqui ao meu lado, mas ele é bem branquinho.
Referia-me a um colega de trabalho, recém chegado na agência, com quem eu já tinha brincado dizendo que ele dera meu número lá pelo nordeste afora.
Pra quê! A menina disparou:
- Chame ele, posso falar com ele?
Mal pude acreditar, mas já que fiz a brincadeira, tinha que consertar...
- Não, não pode, claro que não, ele apenas trabalha comigo, nem sabe o número do meu celular, você quer falar com qualquer um que se chame Lucas?
No desespero ela passou o telefone para a voz masculina e eu expliquei mais uma vez que esse número está comigo há mais de dez anos, que estou em São Paulo, que não conheço esse Lucas que procuram e ele foi se acalmando, desculpou-se e desde então não recebi mais nenhuma chamada.
Ah Lucas preto, o que foi que você aprontou lá em Santa Terezinha, no Pernambuco?
Foi um amor de carnaval com a menina aflita de pai bravo?
Foi uma compra que ficou pendurada na lojinha da vendedora aflita de patrão nervoso?
Ou você é o filho pródigo que não quer voltar?
Talvez eu nunca saiba, mas saiba você Lucas, que lá em Santa Terezinha tem gente nervosa atrás de você!

terça-feira, 29 de março de 2011

A graça das coincidências

Gosto das coincidências e das graças que o destino faz.
Recentemente, recebi um email e no pé como PS um comentário: sua foto de perfil me lembrou a grande atriz Juliette Binoche.
Claro que eu não me lembrava da moçoila, porque nunca ligo os nomes às pessoas, mas recorri à formidável ferramenta de busca tudo e lá apareceu a moça.
Charmosa. Linda.
Fiquei lisonjeada e envergonhada.
Não me pareço com ela!
Minha foto usada como referência é pequena, o cabelo curto, desajeitado deve ter ajudado um pouco, nada mais que isso.
Hoje, terminando uma reunião, perguntam-me:
- Gosta de cinema? Tenho aqui uns ingressos... e entregou-me gentilmente os dois tickets.
Juliette Binoche e William Shimell em Cópia Fiel.
Para alegrar a tarde e divertir as horas finais de trabalho!
Não sou uma Cópia, mas sou Fiel ao instinto de brincar com as palavras e as situações.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Encontro

Poderia se chamar Maria.
Ou Clara.
Ou Ana.
Ou Lia.
Nomes singelos.
Nomes bonitos.
Nomes femininos.
Com aqueles olhos claros
Poderia olhar o futuro sem medo
Se olha, não sei dizer.
Com aqueles cabelos tão louros e
Tão ajeitados sem esforço
Poderia descansar no alpendre
Se descansa, não sei.
Traços delicados, jeito tão sereno
Que nos faz ter certeza
Sem ter certeza alguma
Sorriso fácil sem exageros
Nada nela é excesso
O vestido na medida certa
A estampa na medida certa
Poderia se chamar Maria.
Ou Clara.
Ou Ana.
Ou Lia.
Mas tem outro nome que não
Atrevo-me a registrar porque não
Certifiquei-me da grafia.
Talvez nem ela nem eu façamos ideia 
do que o nosso encontro
pode significar, mas eu espero revê-la
E um dia poder essa história recontar.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Pressa

Tenho pouco tempo para escrever
Não porque vou morrer
Não porque o trem vai partir
Não porque tudo vai desaparecer
Tenho pouco tempo apenas porque tenho pressa
Eu sempre tenho pressa
E por isso contemplo um futuro esburacado
Já que o agora vai sendo vivido aos trancos
Sempre esperando que o futuro vai consertar
O que hoje não está funcionando
E então tenho pouco tempo
Tenho pouco tempo porque vivo recolhendo
Histórias do passado e isso consome o tempo
Que eu tenho para viver agora
O passado são fotografias em sépia
O futuro é apenas uma projeção sem alta definição
Tenho pouco tempo para escrever
Porque vou reler Tabacaria
Lá posso mergulhar nos versos que não fiz
Mas que podem descrever a minha pressa
De viver o futuro para conferir se vou mesmo
Estar lá e enfim apaziguar meu coração:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
... (Álvaro de Campos)

quinta-feira, 24 de março de 2011

O garçom

A mãe é proprietária de uma elegante loja de móveis.
Ele já passou dos quarenta, mas é garçom.
A mãe desistiu de acreditar que ele seria seu sucessor.
Ele serve as mesas reclamando a falta que o mar lhe faz.
A mãe tem os cabelos quase azuis.
Ele tem um cabelo sem cor, que pode ter mechas verdes no alto verão.
A mãe recebe os clientes com uma gentileza de educação inglesa.
Ele faz caras e bocas enquanto recolhe pratos e copos.
Ela gosta do luxo da cidade grande.
Ele gosta do dolce far niente da praia.
Ela perdeu as esperanças de que sua loja fique na família.
Ele perdeu as esperanças de que possa envelhecer pegando ondas.
O destino juntou peças erradas num quebra cabeças que o tempo não deu conta de corrigir.
Eu vejo nas rugas do rosto queimado de sol toda a história que diário nenhum perdeu tempo em registrar.
- o meu suco é de água de coco com uva verde
- ah... isso é bom mesmo na praia!

quarta-feira, 23 de março de 2011

Minha viagem de Metrô

Hoje eu andei de metrô.
E eu não ando todo dia porque meu trajeto não permite.
E por isso há anos eu não fazia isso.
Excetuando um dia do ano passado em que levei as meninas para descobrir essa novidade.
A minha reunião era importante, mas o fato de reencontrar o Metrô... que sensação!
E a sensação de hoje foi a de uma criança descobrindo um jeito novo de ir e vir.
A sensação de uma caipira (que sou) e que fica observando antes de fazer igual.
Fila para comprar bilhete.
Corredor certo para o sentido certo.
E pensar que essa minhoca de aço fez parte da minha vida em meus primeiros anos de São Paulo.
Que privilégio era morar na Vila Mariana, tão perto da Estação de Metrô.
Ele cresceu. Nem em sonho o que deveria, o que poderia, o que melhoraria, mas para os trajetos que eu fazia, oh céus como cresceu!
Tinha me esquecido do vento forte que faz quando o trem se aproxima.
E de como eu gostava de ver a cara do condutor.
E de como eu costumava treinar meu equilíbrio fazendo de conta que segurava na barra.
E de como eu me sentia em Londres usando um lenço que protegeria os ouvidos do vento quando a escada rolante me levava ao infinito e além, do subterrâneo para a superfície em tardes geladas de junho.
E como se tudo isso não bastasse, minha alma foi abastecida de poesia! Nos corredores da Estação Vila Madalena encontrei, na ida, Sá de Miranda, Cantiga
Comigo me desavim,
No extremo som do perigo;
Não posso aturar comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia
Antes que esta assi crecesse;
Agora já fugiria

De mim se de mim pudesse
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo
Se trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?

E na volta... um trecho de Tabacaria, de Álvaro de Campos, mal pude acreditar!
...
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
...
Entreguei meu passado ao meu futuro em uma viagem de Metrô!

terça-feira, 22 de março de 2011

É fato

Sempre gostei de diários.
Mas eles são doloridos.
Algumas vezes porque nos lembramos de tudo outra vez.
Outras vezes porque não nos lembramos daqueles nomes, daquelas cenas.
Bobagens.
Hoje em dia muita gente tem diário.
Não porque mais pessoas se encantaram com o exercício solitário de escrever e de se perscrutar.
Não, não por isso, simplesmente porque foram criadas ferramentas digitais, facebook, twitter.
Diferentemente do diário que guardávamos a sete chaves, esses diários modernos se alimentam de audiência e nossa vida é exposta como se estivesse em uma vitrine.
Mudanças de humor.
Viagens.
Troca de emprego.
Troca de namorado.
Festas. Shows.
Tudo para todo mundo. Devidamente documentado com foto.
Não é uma análise pessimista, longe disso.
Eu revisito meu estado de espírito nos espaços que preencho logo após o “no que você está pensando agora”?
3 de Julho de 2009 às 15:56 
Lusia Nicolino nem tudo o que tem reflexo tem nexo

30 de Julho de 2009 às 17:37 
Lusia Nicolino quem ama o feio... tem mais opções

13 de Novembro de 2009 às 19:28
Lusia Nicolino pai nosso que estais no céu (que vidão, hein?!) livrai-me dos imbecis, hoje e para sempre!

Fui buscar lá longe... O futuro me espera, mas não consigo abandonar o passado feito um sapato velho.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Repor um esquadro

Quando chego em casa do trabalho há pouco tempo para ficar com as meninas, que dormem cedo por conta da escola.
Às vezes dá tempo de jantarmos juntas, outras não.
E é muito comum que uma ou outra tenha uma história para contar só para mim, uma espécie de segredo.
Valentina me chama ao quarto para uma delas:
- Mãe, talvez você tenha que repor um esquadro...
- É, por quê?
- Porque a Ana leva um esquadro pra escola e olha que nem estava na lista de material! E esquadro tem uma ponta que parece uma arma e ela fica apontando pras crianças, cutucando, machuca, ela quase furou o olho!
- E você não contou para a professora?
- Não... Sabe por quê? Eu e o Léo tivemos uma idéia: eu distraí a Ana e o Léo jogou o esquadro dela no lixo! Antes ele jogou em cima do armário, mas ela ia encontrar e tudo ia acontecer de novo. Então jogamos no lixo. Por isso, se vier um bilhete da escola, talvez você tenha que repor um esquadro.
- E ela não chorou? Perguntou? Procurou?
- Ela nem percebeu... Mas, vai que você recebe um bilhete já é melhor eu ir contando né?

sexta-feira, 18 de março de 2011

Cotidiano

- Mãe, amanhã eu tenho prova de matemática
- Hum, precisa estudar então, é bom fazer uns exercícios extras não é?
- É, mas é tão chato, daqui a pouco eu vou
- Daqui a pouco não, começa agora, é muita coisa
O tempo passa.
Estuda, faz alguns exercícios entre uns pulos na cama elástica e outros, volta, olha o caderno, olha uma coisa no computador, toma água, vai, volta, vem contar alguma coisa e os números lá, torturando as páginas do caderno.

No dia da prova chego do trabalho, pergunto como foi a prova e...
- a prova foi bem, mas olha não é disso que eu quero falar, eu quero te mostrar a redação que eu fiz e é para amanhã, olha, são seis páginas, mas aqui eu desenhei o personagem principal e seu assistente, aqui é um descritivo dos personagens e depois é que começa a história

Supervisionada pela autora li as seis páginas escritas a lápis em letra de forma, pequenas consoantes e vogais desenhando uma história cheia de aventuras e surpresas.

Mais uma prova do cotidiano de que quando fazemos as coisas com paixão não nos cansamos, não inventamos subterfúgios, não nos escondemos e gostamos de apresentar nossa obra ao mundo.
Isso se ensina e se aprende cuidando do cotidiano, esse senhor generoso, mas que sabe pregar peças como ninguém! 

quinta-feira, 17 de março de 2011

Gavetas

Não tinha nada para fazer naquele sábado chuvoso, por isso resolveu arrumar gavetas.
As mais fáceis primeiro, as de meias, camisetas.
Depois as de documentos, contratos e contas. Bem mais trabalhosas, muito papel inútil, muita continha paga pro lixo.
Fez uma pausa e preparou um café.
A cozinha pequena, em ordem, tão pronta pra receber alguém. Quem?
Um café tão gostoso. Bem gostava de dividir com alguém e conversar sobre qualquer coisa.
Ia desistir de continuar arrumando gavetas.
Mas se deu conta de que todas as anteriores tinham sido arrumadas primeiro para postergar a vez daquela em que não queria mexer.
A gaveta das cartas e das fotografias.
Pensava separar umas de outras e depois ordenar as cartas por data. Talvez por remetentes? Não deveriam ser tantos assim.
E por último as fotografias.
Nada pode misturar de forma mais homogênea as lembranças boas e as doloridas do que um par de fotografias.
Rir das roupas e dos cortes de cabelo.
Buscar no olhar a presença da alma.
Apertar no peito um pedaço de papel e chorar sem pressa uma coisa que uns chamam de saudade, outros de dor, outros de ausência, mas que ela não sabia do que chamar.
Só sabia que tinha chegado a hora, tantas vezes adiada, de arrumar a gaveta de fotografias.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Outro olhar

Quando caiu em si o abismo era senão uma rachadura no solo.
O sol não estava a pino, o que ardia os olhos era o fato de ter ficado tanto tempo no escuro.
A ventania era senão uma brisa. Não para derrubar árvores inteiras, mas apenas as folhinhas secas preguiçosas de se desprenderem.
Quando caiu em si a vida corria seu curso sem dó nem piedade.
Sem arrastar ou empurrar ninguém.
A chuva não era para assustar, apenas para varrer a poeira do asfalto da rua esquecida no bairro.
Portões fechados, apenas para os cães não fugirem, nunca para impedir as visitas.
Quando caiu em si era mais fácil ser alegre que ser triste, como dizia mais ou menos a canção.
Divertido fazer uma foto nova, emocionante compará-la com uma foto antiga.
Cartas que não se escrevem mais.
Quando caiu em si viu a sombra de seus ombros arqueados e não gostou do quadro.
É sempre tempo de dar uma nova pincelada e desenhar no horizonte uma bolinha amarela, que se não for o sol, pode ser o miolo de uma margarida.

terça-feira, 15 de março de 2011

Nadar ou andar de bicicleta?

- Eu não sei nadar
- É? E eu não sei andar de bicicleta
- Mas isso é mais fácil
- Mais fácil por quê?
- Ué, porque pra saber nadar precisa de piscina, eu era pobre
- Ai, quem disse isso? E eu era rico? Aprendi no ribeirão
- Minha mãe não me deixava ir no ribeirão...
- Mas o ribeirão passava no fundo da minha casa
- Bom no fundo da minha casa não passava ribeirão e eu não aprendi a nadar, já andar de bicicleta
- O quê? Pra aprender andar de bicicleta precisa ter bicicleta!
- Mais ou menos, eu aprendi na do meu pai, que era de trabalhar e tinha aquele cano e eu passava a perna por dentro!
- É, mas meu pai não tinha
- Nenhum amigo tinha?
- Tinha, claro que tinha, mas amigo lá empresta bicicleta pra quem não sabe andar? O camarada vai cair, estragar a bicicleta
- Eu também não sei jogar tênis
- Bom, aí nem eu, isso sim é de rico, mas eu sei jogar bola!
- Eu também, e sou bom!
- Bom de que? Joga de zagueiro com essa pança toda?
- Respeito camarada, sou ponta esquerda!
- Uia, eu jogo em qualquer posição!
- B´ora montar um time pra jogar de sábado?
- Pode ser, tem um monte de camarada aí de bobeira, b´ora lá!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Dia da Poesia

A poesia mais bonita que conheço é o silêncio observando as coisas que ficam bem quietas por respeito.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Esse Senhor

O destino, esse senhor distinto que nos espreita, nos absolve de nossos atos falhos e descansa na Quaresma.
Destino: senhor que estabelece a ordem natural do universo. Responsável pela sucessão inevitável de acontecimentos provocados ou desconhecidos. Ainda que senhor de si, usado para tentar explicar o absurdo dos acontecimentos.
Absurdo: algo não explicável através da ciência e do conhecimento dos homens, o que permite que a responsabilidade seja atribuída às divindades.
Quaresma: Palavra que vem do latim quadragésima, período de quarenta dias que antecedem a maior festa do cristianismo – a ressurreição de Jesus Cristo – comemorada no Domingo de Páscoa.
O que não significa que quem não é católico não coma ovos de páscoa, porque eles são de chocolate. Porque eles abarrotam os supermercados. Porque eles são presentes. Porque eles são coloridos. Porque no fundo, no fundo, chocolate cura todas as dores da alma e pode ser consumido sem pecado em nome da Páscoa, em nome de qualquer deus.
À revelia do senhor destino que descansa na Quaresma e quando desperta, na Páscoa, não está exatamente interessado na quantidade de chocolate que consumiremos.
Parece que não.
Mas pela quantidade ele sabe o tamanho dos nossos pecados.
Ele é irônico.
Ele é despreocupado.
Ele segue seu caminho sem subterfúgios.
Temos agora menos de 40 dias para escapar de qualquer ilusão.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Espetáculo

Ontem quando entrei na rodovia, no caminho meu de todo dia, eu a vi de relance por trás do véu.
Em sua pose mais sensual.
Não pude deixar de espiar.
Atrevida.
Insinuante.
Pensei que estivesse se recolhendo, mas de repente, ela surpreendeu-me sem o véu.
Entregue.
Não pude impedir a expressão de espanto, a boca aberta de admiração.
De brilho intenso mas sem ofuscar ficou brincando comigo de esconde-esconde nos véus de nuvens claras, esparramadas em seu descanso de começo de noite.
Quase escondida à minha esquerda, de repente inteira na minha frente. Crescente.
Quis fotografar.
Não pude.
Cercada de ônibus, carros e caminhões, um mínimo gesto poderia ser fatal.
Senti-me como um marinheiro ouvindo o canto da sereia.
Desliguei o rádio, até porque meu time estava perdendo.
Com atenção redobrada, espiava pelo canto do olho suas aparições.
Pensei em parar no acostamento e fotografar.
Mas uma foto de celular não faria jus ao espetáculo ensaiado fielmente, mas que no momento da apresentação permite improvisações!
Quase me convenci de que quem tem memória no coração não precisa de foto e que eu seria capaz de fechar os olhos e vê-la para sempre.
Quase na reta final arrisquei.
Ela não se deixou prender.
Não deixou que eu capturasse sua alma e borrou todas as luzes em movimento.
Mas reinou acima de tudo. Talvez irritada com minha ousadia.
Não foi a primeira vez que me subtraiu.
Não será a última.
Talvez hoje quando entrar na rodovia, no caminho meu de todo dia, ela esteja lá, indiferente em seu papel de Lua e nada mais.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Metade

Hoje eu poderia escrever pela metade, já que hoje apenas meio dia é útil.
Quarta-feira de cinzas.
Mas não tenho o poder da síntese.
Vou perseguir meias palavras.
Meias verdades.
Meio copo d´água.
Meio olhar de desejo.
Desejo que a metade seja inteira.
Que eu possa escrever todas as letras, todas as palavras, todas as conjunções e todos os pingos nos is.
Persigo o calendário.
Os dias escorrem sem ordem.
Minha rotina precisa de um sim para bagunçar tudo e recomeçar.
Não sei ser pela metade, é inútil tentar disfarçar.
Posso fazer sim com a cabeça, mas meus olhos dirão não.
Seco, seguro, sem nenhuma outra intenção!

sexta-feira, 4 de março de 2011

Quietude

Quando está tudo muito quieto é que tenho medo.
Ontem tive um cansaço que não previ.
Um cansaço que tirou a agilidade dos dedos para procurar palavras que estão nos teclados, nos lápis, nas tintas das canetas, mas que não se entregam a mim.
E por isso, não escrevi.
Tenho medo de mim quando não escrevo.
Perco o norte.
Nosso norte tem sol.
Perco o chão.
Nosso chão tem flor.
Quando está tudo muito quieto é que tenho medo.
Por que não paro nunca.
Quando paro não sei o que fazer.
Quando o silêncio me cobra quietude, tenho medo.
Cai uma chuva fina.
Malas prontas.
Fantasias ansiosas.
São dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos
Para trás, como diz a música do Jota Quest
Será?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Um tantinho mais

Casa de madeira
Quintal de terra
Balanço de corda no abacateiro
Chinelo havaianas
Compras com caderneta no armazém
Coca-cola de domingo
Bolo de milho
Polenta frita
Pijama de flanela costurado pela mãe
Muro baixo
Gato solto pelas redondezas
Pudim de pão
Bola e boneca de Natal
Almanaque de farmácia
Biotônico Fontoura
Casa de madeira
Pai e mãe presentes
Irmãs e irmão, quartos e cadeiras
Tios e Avós distantes
Telefone de lata
Carrinho de rolemã
Pé de pitanga no quintal
Quintal de terra
Cheiro de terra molhada
Fecho os olhos e, enquanto balanço,
Posso sentir o vento acalmando o calor 
De janeiro na carinha
Sardenta e banguela que trago
Até hoje, bem escondidinha
Porque acho que hoje sou um
Tantinho mais bonitinha

terça-feira, 1 de março de 2011

Fim moderno

- Oi, tudo bem?
- Tudo, quer dizer, eu acho que tudo
- Em quanto tempo você chega?
- É por isso que tô ligando, eu não vou chegar
- Sério? De novo em reunião?
- Não, não é uma reunião
- O que foi? Seu carro quebrou?
- Não
- Então o que é? De novo sua irmã quer que você faça não sei o que?
- Não é que...
- Mas eu já estou quase pronta, que saco!
- Escuta, eu não vou chegar nunca mais
- Como assim?
- Não tá dando certo, melhor a gente dar um tempo
- Espera aí, você tá terminando comigo pelo celular, pouco antes da festa?
- Bom, pelo menos eu tô conseguindo falar, não é a primeira vez que tento, é isso, eu não vou chegar
- Eu não tô acreditando nisso, é uma brincadeira, você já está na porta não está?
- Na da minha casa, onde vou entrar e ficar bem quietinho, descansando
- Olavo isso não é possível!
- É possível sim, depois que passar sua raiva você vai ver que é melhor, não tá dando certo
- Que raiva? Quem disse que eu tô com raiva? Você tá sempre achando alguma coisa!
- Pois é, agora eu tô achando que vou desligar o telefone e uma hora dessas a gente fala direito
- Eu não quero falar com você nunca mais seu retardado!
- Lígia... eu